Marcia Rangel Candido, Editora adjunta do periódico DADOS, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, e Investigadora Integrada no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES) do Instituto Universitário de Lisboa (Iscte), Lisboa, Portugal
Luiz Augusto Campos, Editor chefe do periódico DADOS e Professor no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
O movimento de ciência aberta tem progredido de diferentes formas ao redor do mundo, o que se relaciona com os variados desenvolvimentos das estruturas de comunicação científica em cada região. Um dos aspectos que mais sobressaem neste sentido é que, no Sul global, a maior parte das publicações científicas é historicamente disponibilizada em acesso aberto; enquanto, no Norte global, esta é ainda uma prática em implementação.
Essas regiões também apresentam variações na implementação das políticas de dados abertos, tendo em vista que há distintas normas e legislações sobre o tema em âmbito nacional ou regional. Por outro lado, um relatório publicado recentemente indicou um problema partilhado globalmente: a pouca atenção às questões de gênero nos estudos, avaliações e políticas de ciência aberta (Genderaction, 2019). O mesmo pode ser dito para outras desigualdades, como as de procedência geográfica.
Em 2023, o Programa SciELO celebrou seus 25 anos em uma semana com a temática de “Ciência Aberta com IDEIA”. O acrônimo representa Impacto, Diversidade, Equidade, Inclusão e Acessibilidade.
Dentre as conferências, ganhou destaque a desigualdade entre regiões geográficas, com especial importância ao investimento na ciência aberta a partir da perspectiva da América Latina, que desenvolveu um amplo sistema de acesso aberto, mas, ao mesmo tempo esteve sujeita a muitas disparidades, tanto em termos de infraestrutura tecnológica, quanto de geopolítica do conhecimento, ou seja, recebendo menos prestígio em suas publicações no que diz respeito às métricas criadas pelos países do Norte global, como as hierarquias de fator de impacto de grandes repositórios internacionais.
A Rede SciELO também tem promovido eventos de diversidade e grupos de trabalho que tratam de problemas específicos, como a implementação da acessibilidade nas revistas acadêmicas. Mais recentemente, um trabalho conjunto da equipe do SciELO e de seus colaboradores buscou traduzir ao português e ao espanhol o Toolkit for Journal Editors and Publishers: Building Diversity, Equity, Inclusion, and Accessibility in Editorial Roles and Peer Review, que está para ser divulgado nesses idiomas. O instrumento, feito pela Coalition for Diversity & Inclusion in Scholarly Communications (C4DISC), lista uma série de recomendações para editores e pareceristas ajudarem a promover a diversidade, sendo algumas delas relativas aos preceitos da ciência aberta.
Como editores de um periódico acadêmico, temos procurado nos manter atentos a esses debates. O periódico DADOS segue uma série das sugestões apontadas pelo C4DISC, como a indicação de defesa da diversidade de gênero e raça em seu escopo editorial, a divulgação de informações demográficas sobre as submissões e a autoria de artigos, a diversificação de seu corpo editorial e de convite a pareceristas, a preferência de aceitação de artigos de autoria diversa em caso de dúvida ou empate entre pareceres, dentre outros.
No que toca à ciência aberta e à diversidade, salientamos um monitoramento recente em DADOS, que é particularmente importante para áreas como a sociologia, a ciência política e as relações internacionais. Temos nos dedicado a acompanhar as distinções de gênero na submissão de bases de dados.
Nestas disciplinas das ciências sociais, as desigualdades de gênero tendem a se apresentar de modo particular. A ciência política, mais associada a métodos quantitativos que a sociologia, por exemplo, costuma ter uma presença mais baixa de mulheres entre postos de trabalho estáveis nas universidades; enquanto a sociologia, mais regularmente construída por abordagens qualitativas, tem uma presença mais equilibrada de homens e mulheres (Candido, 2024). Esta diferenciação tem implicações específicas no que toca às possibilidades de abrir os dados.
A editoria de replicabilidade de DADOS, que tem Bruno Schaefer como responsável, estimou que há maioria de homens entre os que disponibilizaram bases de dados nas últimas edições da revista. A partir da análise de 129 artigos publicados desde 2021, ano em que o periódico criou seu repositório no Harvard Dataverse, o levantamento preliminar mostrou, contudo, que homens estão igualmente em maioria entre os autores dos manuscritos aprovados, o que ajuda a explicar sua predominância também na divulgação dos dados abertos.
Por outro lado, quando observada a proporção em cada grupo no quesito de envio das bases de dados, as mulheres saem em vantagem: 60% dos artigos que elas lideraram autoria disponibilizaram as bases, enquanto esta proporção é de 58% para os homens. Isto sinaliza que, ao menos no caso do periódico, as mulheres não têm apresentado maior resistência à política de acesso aberto e transparência de dados. O problema é que elas submetem menos e publicam menos (Campos e Candido, 2021).
Como a diversidade é um dos aspectos que mais valorizamos na ciência, defendemos, assim como a Coalition for Diversity & Inclusion in Scholarly Communications, o monitoramento contínuo de fatores demográficos nas publicações.
Nesta participação na Semana Especial do SciELO, reforçamos, mais uma vez, nosso compromisso com a ciência aberta com IDEIA. Nos próximos posts, discutimos a adoção de preprints e o desenvolvimento de um podcast de DADOS, com contribuições de nossas duas assistentes de divulgação científica, respectivamente, Daniela Lisbôa e Giovanna Monteiro-Macedo. Também circulamos uma listagem com artigos recentes sobre desigualdades e um balanço sobre o uso das redes sociais para visibilizar o trabalho da revista e de seus autores(as). Boa leitura!
Referências
C4DISC. Focused Toolkit for Journal Editors and Publishers: Building Diversity, Equity, Inclusion, and Accessibility in Editorial Roles and Peer Review [online]. Coalition for Diversity & Inclusion in Scholarly Communications. 2024 [viewed 4 August 2025]. Available from: https://doi.org/10.21428/77410d6b.91056a07
CAMPOS, L.A. and CANDIDO, M. Transparência em DADOS: Submissões, pareceristas e diversidade no fluxo editorial dos últimos anos. Dados [online]. 2022, vol. 65, no. 1, e20220000 [viewed 4 August 2025]. https://doi.org/10.1590/dados.2022.65.1.000. Available from: https://www.scielo.br/j/dados/a/fkNyxDzMRBx4RmyGkGtnVkJ
CANDIDO, M. Dois gêneros, duas histórias? A fundação da ciência política no Brasil. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2024.
GENDERACTION. Report on strategic advice for enhancing the gender dimension of Open Science and Innovation policy [online]. European Union. 2019 [viewed 4 August 2025]. Available from: https://h2020.genderaction.eu/wp-content/uploads/2021/02/GENDERACTION_D11_Report-on-Strategic -advice-for-enhancing-the-gender-dimension-of-Open-Science-and-Innovation-Policy.pdf
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