Victor Leocádio, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.
Ana Paula Verona, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.
Simone Wajnman, Departamento de Demografia, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.
A relação entre equidade de gênero na família e fecundidade tem sido objeto de intenso debate internacional. Diversas teorias defendem que sociedades mais equitativas tenderiam a ter maior fecundidade, especialmente em países de alta renda. Nesse contexto, a divisão equilibrada do trabalho doméstico seria vista como um caminho para reduzir o “duplo fardo” das mulheres e incentivar intenções reprodutivas.
Entretanto, o estudo Associação entre equidade de gênero na família e intenções de fecundidade: uma análise do contexto brasileiro com machine learning, publicado na Revista Brasileira de Estudos de População (RBEPOP) (vol. 42, 2025), revela que o Brasil foge a esse padrão. Utilizando dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS) (2006) e Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) (2006 e 2015), combinados por meio de técnicas de machine learning, encontramos que maior equidade de gênero na família está associada a uma menor probabilidade de intenção de ter o segundo filho.
Esse resultado contrasta com o observado em países de alta renda, onde estudos costumam apontar o efeito inverso. No Brasil, parece haver uma dinâmica própria, marcada também por um atraso relativo na primeira fase da chamada “revolução de gênero”.
Embora o país apresente níveis de fecundidade semelhantes aos de nações de alta renda, estas últimas ainda se destacam em indicadores gerais de equidade de gênero na esfera pública, como escolaridade e inserção no mercado de trabalho.
Em outras palavras, o Brasil permanece atrasado na primeira fase da revolução de gênero, isto é, na promoção da equidade na esfera pública – condição necessária para o avanço à segunda fase, voltada à esfera privada, especialmente à divisão do trabalho doméstico. Assim, de acordo com a explicação aqui proposta, o país ainda não reúne condições suficientes para observar a associação positiva típica de contextos mais avançados dessa revolução.

Imagem: Gerada pelo ChatGPT
Os resultados mostram também que as mulheres brasileiras ainda são responsáveis, em média, por mais de 80% do trabalho doméstico não remunerado do casal. Mesmo entre aquelas em contextos de maior equidade, a divisão raramente se aproxima da paridade completa.
Outra contribuição central do estudo está na inovação metodológica. Como não existe no Brasil uma base de dados que reúna, ao mesmo tempo, informações sobre equidade de gênero na família e intenções de fecundidade, foi necessário adotar uma solução criativa: treinar um modelo de machine learning a partir da PNDS para estimar uma proxy da intenção de ter o segundo filho e, em seguida, imputá-la na PNAD.
Com isso, foi possível analisar de forma inédita essa associação para o Brasil. Embora o efeito encontrado seja de pequena magnitude, a consistência dos resultados ao longo de diferentes anos e modelos reforça a robustez da conclusão.
Além disso, foram observadas associações interessantes para variáveis de controle. Mulheres mais jovens, brancas, com maior escolaridade, ocupadas e residentes em áreas rurais apresentam maior probabilidade de intenção de ter o segundo filho.
Esses achados reforçam a necessidade de compreender as especificidades do contexto brasileiro, evitando generalizações automáticas a partir de teorias desenvolvidas em países de alta renda. Também apontam para a urgência de políticas públicas que favoreçam a conciliação entre trabalho remunerado e responsabilidades familiares.
Em síntese, nossos resultados sugerem que, no Brasil, maior equidade de gênero no lar não implica, necessariamente, em maior desejo de ampliar a família. Ao contrário, pode estar associada a intenções reprodutivas mais baixas, desafiando pressupostos teóricos consagrados e oferecendo novos caminhos para pesquisas futuras sobre fecundidade e gênero em países de renda média.
Para ler o artigo, acesse
LEOCÁDIO, V., VERONA, A. P. and WAJNMAN, S. Associação entre equidade de gênero na família e intenções de fecundidade: uma análise do contexto brasileiro com machine learning. Revista Brasileira de Estudos de População [online]. 2025, vol. 42, e0299, [viewed 04 December 2025]. https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0299. Available from: https://www.scielo.br/j/rbepop/a/HXzHM7vSQnTSC64zYrWdX8R/
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