Malha ferroviária e patrimônio histórico e cultural: uma discussão sobre os “lugares centrais”

Fernanda Cantarim, doutoranda no Programa de Gestão Urbana na Pontifícia Universidade Católica do Paraná e membro do corpo auxiliar da urbe, Curitiba, PR, Brasil

Norma Lacerda

Norma Lacerda

Maria Emília Lopes Freire

Maria Emília Lopes Freire

As entrevistadas são da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Maria Emília Lopes Freire é arquiteta e urbanista, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano da UFPE e Norma Lacerda que é, também, arquiteta e urbanista, doutora em Géographie Aménagement et Urbanisme (Université Paris III —Sorbonne/Nouvelle) e professora titular do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano (UFPE).

O artigo de autoria das arquitetas, intitulado “Patrimônio ferroviário: em busca de seus lugares centrais”, publicado no periódico urbe (v. 9, n. 3, 2017), apresenta um debate a respeito da preservação da malha ferroviária brasileira enquanto elemento de interesse histórico e cultural. As autoras discutem como valorizar os trechos ferroviários a partir da importância na rede, pautando a análise no caso da malha ferroviária de Recife.  Em entrevista, as autoras comentam mais sobre a pesquisa. Confira abaixo.

1. Em seu artigo, vocês comentam que o interesse pela preservação do patrimônio ferroviário está relacionado com a degradação dessas estruturas e seus simbolismos frente à identidade coletiva e nacional. Como foi essa construção de identidade e simbolismo relacionada ao patrimônio ferroviário no Brasil?

Essa identidade foi construída ao longo do tempo, desde os meados do século XIX, quando surgiram as primeiras ferrovias imprescindíveis para o escoamento da produção agrícola para as áreas portuárias, como também para o deslocamento das pessoas e das informações. As ferrovias no Brasil não nasceram, como na Inglaterra, relacionadas com a produção industrial, mas com a produção agrícola. Tiveram uma função essencial no processo de consolidação de redes regionais de cidades e também no processo de estruturação espacial de cada uma das cidades que fazia parte do seu trajeto. Estava presente no cotidiano das pessoas.

 

2. Em alguns momentos do texto são citados casos específicos do cenário internacional quanto ao tratamento do patrimônio ferroviário. Existe uma grande diferença na forma como esse tópico é abordado no Brasil se comparado com países que possuem extensa e mais antiga rede ferroviária?

Mesmo reconhecendo a recente intensificação de produção técnico-científica e acadêmica, voltadas ao reconhecimento desse legado cultural como a Carta de Nizhny Tagil (2003), os Princípios de Dublin (2011) e os estudos desenvolvidos na Inglaterra e Espanha observa-se que não existe uma estratégia de valoração cultural consolidada, que leve a uma efetiva prática de seleção e preservação dos artefatos ferroviários estruturados em rede, considerando seu caráter complexo e sistêmico. Enquanto na década de 1960, em alguns países europeus, ocorriam manifestações sociais em prol da preservação do patrimônio industrial, e particularmente do patrimônio ferroviário (Caso da destruição do pórtico da Estação de Euston em Londres, Inglaterra), no Brasil, uma política de governo voltava-se à implantação da industrial automobilística, em detrimento à modernização do material rodante e à conservação das estruturas ferroviárias que conformavam a Rede Ferroviária Federal S.A. Por essa decisão, iniciava-se o processo de desmobilização das ferrovias brasileiras, sem uma preocupação com sua preservação.

 

3. A abordagem metodológica sistêmica proposta no artigo (a partir de uma leitura da rede ferroviária com centralidades e nodalidades com hierarquia), pode ser um guia para o planejamento de prioridades na preservação do patrimônio ferroviário? Existe alguma iniciativa no Brasil que utiliza dessa metodologia para estes fins?

Ainda não pode ser um guia. Trata-se de um artigo elaborado a partir das reflexões realizadas no âmbito da tese de doutorado de Maria Emília Lopes, sob a orientação da Professora Norma Lacerda, que se encontra em fase de conclusão. Quando da elaboração do artigo, os procedimentos ainda não tinham sido suficientemente desenvolvidos e testados. Foram testados e, consequentemente, aprimorados, tomando-se como objeto empírico de análise a Rede Ferroviário Nordeste. Após a disponibilização da tese, sim pode ser um guia para orientar uma estratégia de preservação desse patrimônio.

Como dito, desconhece-se uma metodologia que leve a uma efetiva prática de seleção e preservação dos artefatos ferroviários considerando sua complexidade.

 

4. Em termos de preservação do patrimônio ferroviário em um cenário global, é comum a “fragmentação” dessa rede em termos de preservação? Ou seja, se preserva e valoriza apenas as estações ferroviárias, sem que demais nodalidades ou mesmo a rede como um todo sejam valorizadas da mesma forma?

Sim, as ações de preservação têm se restringido comumente aos elementos físicos da produção arquitetônica em geral, as estações ferroviárias , fragmentados com relação à lógica funcional da rede ferroviária na qual estão inseridos.

 

Confira abaixo a entrevista por vídeo das autoras Maria Emília Lopes Freire e Norma Lacerda.

Referências

PRINCÍPIOS DE DUBLIN. Documento adotado pela 17ª Assembléia Geral do ICOMOS. 2011. [viewed 6 October 2017]. Disponível em:  http://www.international.icomos.org/Paris2011

THE INTERNATIONAL COMMITTEE FOR THE CONSERVATION OF THE INDUSTRIAL HERITAGE (TICCIH). Carta de Nizhny Tagil sobre o Patrimônio Industrial. Nizhny Tagil, 2003. [viewed 11 October 2017]. Available from: http://www.mnactec.cat/ticcih/pdf/NTagilPortuguese.pdf

Para ler o artigo, acesse

FREIRE, M. E. L and LACERDA, N. Patrimônio Ferroviário: em busca dos seus lugares centrais. urbe, Rev. Bras. Gest. Urbana [online]. 2017, vol.9, n.3, pp.559-572. [viewed 18 October 2017]. ISSN 2175-3369. DOI: 10.1590/2175-3369.009.003.ao13. Available from: http://ref.scielo.org/t65cjy.

Links externos

urbe: Revista Brasileira de Gestão Urbana – URBE: www.scielo.br/urbe

Facebook da urbe: https://www.facebook.com/Revista-Urbe-542269092554837/

Canal de YouTube da urbe: https://www.youtube.com/channel/UCpS_AbnvUS7wb-jVBshmwmQ

Sobre Fernanda Cantarim

Fernanda Cantarim é arquiteta e urbanista, Mestre em Gestão Urbana doutoranda no Programa de Gestão Urbana na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Pesquisadora na área de circulação das ideias sobre planejamento e gestão urbana na América a Latina. Curitiba, Paraná, Brasil. Contato: fernandacantarim@hotmail.com

 

 

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

CANTARIM, F. Malha ferroviária e patrimônio histórico e cultural: uma discussão sobre os “lugares centrais” [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2017 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2017/10/24/malha-ferroviaria-e-patrimonio-historico-e-cultural-uma-discussao-sobre-os-lugares-centrais/

 

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