Rosângela Gavioli Prieto e Emerson de Pietri, Editores da Educação e Pesquisa, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
O exercício de uma profissão é condicionado pelos processos de formação inicial e em serviço, bem como pelos modos como são valorados os efeitos sociais do trabalho realizado pelos profissionais em seus campos de atuação. No periódico Educação e Pesquisa (v. 45), foram publicados três artigos em que se observam os impactos sociais resultantes dos modos como a atuação profissional é projetada em relação a sua contribuição para a sociedade.
Em “Política deco avaliação do desempenho docente nas redes estaduais de ensino do Brasil”, Antonio Marcos Zatti e Maria Angélica Pedra Minhoto analisam as políticas de Avaliação do Desempenho Docente (ADD) nas redes públicas estaduais de educação básica no Brasil, instituídas sob a argumentação de que a recompensa por resultados obtidos nos processos de aprendizagem favorecem o empenho e o aumento da produtividade dos profissionais do ensino. Os resultados obtidos mostram que, em lugar de ensejar melhorias nas práticas docentes e nos processos de ensino/aprendizagem, as avaliações de desempenho estabelecem condutas a serem realizadas pelos professores, induzindo processos de adequação e conformação dos profissionais ao que é predefinido do que seja um bom professor. Citando Marcuse (1999, p. 80), os autores ressaltam o fato de que, nesse modelo de avaliação, deve-se aprender que “a obediência às instruções é o único meio de se obter resultados desejados. Ser bem-sucedido é o mesmo que adaptar-se ao aparato. Não há lugar para a autonomia”. Com isso, não apenas perde-se a autonomia profissional, uma vez que as decisões pedagógicas ficam submetidas aos que se impõe nas avaliações como metas que devam ser cumpridas, mas também se fomenta a concorrência entre pares, incentivando posturas individualistas e comprometendo o trabalho colaborativo com vistas ao enfrentamento dos problemas educacionais que existam nos contextos de atuação docente.
No artigo “Representações de mulheres estudantes de direito sobre direitos reprodutivos: entre saberes e valores”, Eder Fernandes Monica, Ana Paula Antunes Martins e Márcio Henrique B. Rocha Júnior observam, amparados pela teoria das representações sociais (MOSCOVICI, 2003; JOVCHELOVITCH, 1995), as relações entre saberes disciplinares componentes de um curso de Direito e valores individuais a respeito de questões relacionadas a direitos reprodutivos. Os resultados obtidos mostram a permeabilidade do campo do direito às demandas sociais. Os estudantes entrevistados se mostraram propensos a aderir a pautas relacionadas à descriminalização ou à legalização do aborto, bem como a “ampliação do sentimento de autonomia corporal e dos direitos ligados à sexualidade” (MONICA; MARTINS; ROCHA JUNIOR, 2019, p. 16), de modo que há indícios de que o tratamento dessas questões durante a formação inicial pode produzir impactos na atuação profissional futura dos formados em direito. Segundo os autores, os resultados evidenciam que as universidades públicas constituem espaços abertos à percepção das demandas sociais, além de favorecerem mudanças no ideário dos futuros profissionais do direito, no sentido de que, como mostraram os dados analisados, suas crenças religiosas não interfiram nos modos como projetam o que deva ser a prestação de serviços públicos.
Em “Tecnologias digitais, formação docente e práticas pedagógicas”, Daiane Modelski, Lúcia M. M. Giraffa e Alam de Oliveira Casartelli mostram que a formação profissional baseada na instrumentalização para o uso de recursos de tecnologia digital em sala de aula não é suficiente para que os docentes promovam a transposição didática dos conhecimentos que possuem dessas tecnologias como usuários. O estudo evidencia que as estratégias didáticas baseadas no uso de tecnologias digitais se constituíram no diálogo entre professores em seus contextos de atuação, pensando sobre o aproveitamento desses recursos a partir das necessidades apontadas por suas práticas. Nesse sentido, a transposição didática não se realizaria de modo individual, mas coletivo, observação que se aproximaria da proposição de Perrenoud (2002, p. 18) sobre a necessidade de “[…] criar as bases para uma transposição didática a partir das práticas efetivas de um grande número de professores, respeitando a diversidade de condições de exercício da profissão”.
Referências
JOVCHELOVITCH, S. Vivendo a vida com os outros: intersubjetividade, espaço público e representações sociais. In: GUARESCHI, Pedrinho; JOVCHELOVITCH, Sandra. Textos em representações sociais. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 63-95.
MARCUSE, H. Tecnologia, guerra e fascismo. São Paulo: Unesp, 1999.
MONICA, E. F., MARTINS, A. P. A. and ROCHA JUNIOR, M. H. B. Representações de mulheres estudantes de direito sobre direitos reprodutivos: entre saberes e valores. Educ. Pesqui., v. 45, e184632, 2019. ISSN: 1517-9702 [viewed 15 May 2019]. DOI: 10.1590/s1678-4634201945184632. Available from: http://ref.scielo.org/6z94jj
MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Rio de Janeiro, Vozes, 2003.
PERRENOUD, P. A formação dos professores no século XXI. In: PERRENOUD, Phillipe et al. As competências para ensinar no século XXI: a formação dos professores e o desafio da avaliação. Porto Alegre: Artmed, 2002. p. 11-33.
Para ler os artigos, acesse
MODELSKI, D, GIRAFFA, L. M. M. and CASARTELLI, A. O. Tecnologias digitais, formação docente e práticas pedagógicas. Educ. Pesqui., v. 45, e180201, 2019. ISSN: 1517-9702 [viewed 15 May 2019]. DOI: 10.1590/s1678-4634201945180201. Available from: http://ref.scielo.org/8skhzc
ZATTI, A. M. and MINHOTO, M. A. P. Política de avaliação do desempenho docente nas redes estaduais de ensino do Brasil. Educ. Pesqui., v. 45, e188993, 2019. ISSN: 1517-9702 [viewed 15 May 2019]. DOI: 10.1590/s1678-4634201945188993. Available from: http://ref.scielo.org/qc5sy4
Link externo
Educação e Pesquisa – EP: www.scielo.br/ep
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