Por Geraldo Magela Pereira Leão, Doutor em educação, editor da Educação em Revista, Belo Horizonte, MG – Brasil
A valorização dos trabalhadores da educação é um assunto sobre o qual há um grande consenso. A defesa de mais investimentos em educação e a denúncia das péssimas condições de trabalho nas escolas públicas esteve na pauta das campanhas eleitorais recentes no Brasil. Nada mais propício então para que a Educação em Revista (UFMG), trouxesse alguns artigos sobre o tema do trabalho docente. Em seu último número de 2014, a revista traz quatro artigos que abordam a saúde docente, as trajetórias profissionais e o trabalho colaborativo nas escolas. São textos que elegem como foco de análise o trabalho dos professores a partir de diferentes problemáticas e enfoques.
As reformas educacionais empreendidas nas últimas décadas, por meio de novos ordenamentos jurídicos, reestruturações curriculares e mudanças na forma de gestão das escolas públicas no Brasil tiveram impactos significativos sobre a atuação dos docentes. Elas representaram a transferência para os seus profissionais de várias atribuições e responsabilidades, ao mesmo tempo em que se vive uma crise em relação à sua valorização. Nesse processo, a gestão democrática, em sua dupla face de uma conquista e de uma imposição, traz o desafio da construção autônoma de projetos pedagógicos e do trabalho coletivo como princípio fundante da organização do trabalho escolar.
O artigo de Lídia Campos Gomes Boy e Adriana Maria Cancella Duarte “A dimensão coletiva do trabalho docente em escolas da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte” proporciona esse debate, trazendo os resultados de uma pesquisa sobre o trabalho coletivo entre docentes de duas escolas públicas. Os dados indicam diferentes concepções e formas de colaboração, ao mesmo tempo em que constatam uma escassez cada vez maior de práticas coletivas entre os docentes. Segundo as autoras, a efetivação do trabalho coletivo e da autonomia colaborativa articula-se com a superação de problemas históricos do campo educacional brasileiro e com a construção de um novo sentido para a profissão docente.
1 – Porque discutir o trabalho coletivo nas escolas?
A dimensão coletiva do trabalho docente vem sendo considerada uma temática emergente. As noções de trabalho em conjunto e de colaboração tiveram destaque nas mudanças ocorridas na gestão e na organização escolar, decorrentes das reformas educacionais dos anos 1990 e 2000, que estavam amparadas no princípio de gestão democrática da educação e da escola. Essas proposições se concretizaram na legislação educacional brasileira recente, como a Constituição Federal de 1988, a Nova Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional e o Plano Nacional de Educação de 2001. Esse novo arcabouço jurídico abriu perspectivas para que os professores participassem da gestão escolar, da elaboração de projetos político-pedagógicos, da proposição de projetos interdisciplinares e da participação em instâncias de decisão da escola (assembleias, colegiados, conselhos). A concretização dessas atividades no espaço escolar deveriam imprimir mecanismos mais coletivos e participativos entre os docentes. É nesse sentido que se tem encaminhado as investigações para verificar como o trabalho coletivo é entendido e implantado nas escolas públicas.
2 – Quais são os desafios para a construção de uma “cultura colaborativa” nas escolas brasileiras?
São vários os desafios. Destacaremos aqui três deles. O primeiro se refere ao investimento nas condições de trabalho adequadas, ou seja, que proporcionem tempos suficientes, institucionalizados na jornada de trabalho e espaços adequados para se realizar o trabalho coletivo. O que se observa nas escolas, na maioria das vezes, são entraves a esse tipo de trabalho que estão ligados à sobrecarga de atividades do professor, à periodicidade longa e à duração curta dos encontros realizados entre os docentes, à imprevisibilidade e até mesmo à inexistência desses tempos e espaços nas escolas, ao absenteísmo e à rotatividade de docentes, dificultando a realização e a continuidade do trabalho coletivo onde ele se esboça. A baixa remuneração e a desvalorização da profissão docente também são fatores que dificultam a organização coletiva nas escolas, visto que geram um desânimo entre os docentes, que não se dispõem a intensificar o seu trabalho em atividades que exigirão ir além do trabalho realizado em sala de aula.
Um segundo desafio envolve a gestão escolar no sentido de viabilizar a construção de relações mais horizontais no interior da escola, evitando concentrar o poder de decisão em um determinado grupo e estabelecer favoritismos e punições. Trata-se de atentar para as relações democráticas no interior das escolas e de construir um processo de maior autonomia de ação e de decisão, por meio da discussão coletiva com os docentes e entre eles.
O terceiro refere-se à superação da prática da imposição de projetos formatados fora das escolas, no âmbito das secretarias de educação e/ou gerências regionais, que negam a participação dos professores na reflexão, definição e elaboração de propostas para as escolas, transformando-os em meros executores. A construção de uma cultura colaborativa dentro das escolas parte do pressuposto de que novas práticas necessitam de um trabalho de discussão e construção coletiva dos sujeitos que irão implementá-las e de que precisam de tempo para serem testadas e validadas pelo coletivo de professores, envolvendo experimentação e avaliação posterior pelo coletivo de docentes.
3 – Qual a principal contribuição desse tema para compreender a condição docente contemporânea?
A democratização do espaço escolar e a possibilidade da construção do trabalho coletivo, colaborativo, partilhado entre os docentes vem quebrar o modelo de isolamento, fechado no espaço da sala de aula, que foi construído historicamente para a docência. A realização do trabalho coletivo mostra a própria evolução da profissão que busca responder às demandas colocadas pelas diferentes tarefas exigidas do profissional na atualidade e a diversificação e diversidade que adentrou as escolas públicas brasileiras com o processo de universalização do direito à educação. A emergência do trabalho coletivo coloca em debate a evolução e redistribuição do poder no âmbito dos estabelecimentos escolares, estimulam os professores a partilharem projetos, espaços e tarefas que são muitas vezes relegados ao âmbito privado da sala de aula e expõe também as precárias condições de trabalho a que os professores estão submetidos no Brasil.
4 – Quais são as alternativas para superar os problemas enfrentados pelos professores em relação ao seu trabalho no contexto brasileiro?
Os problemas são muitos, porque advêm das condições históricas nas quais o campo da educação foi construído em nosso país, da desigualdade educacional e do lugar do docente nesse processo. Mas, pode-se começar a enfrentar os problemas colocando em prática o que já está incorporado nas legislações, ou seja, valorizar a profissão docente, com a real melhoria dos salários, a construção da carreira não baseada na meritocracia, mas na formação, no tempo de trabalho com dedicação exclusiva para o professor da educação básica pública e no reforço na formação humana dos estudantes.
Para ler o artigo, acesse:
BOY, L.C.G. and DUARTE, A.M.C. A dimensão coletiva do trabalho docente: uma experiência em duas escolas municipais de Belo Horizonte. Educ. rev. [online]. 2014, vol. 30, n° 4, pp. 81-104. [viewed January 29th 2015]. ISSN 0102-4698. DOI: 10.1590/S0102-46982014000400005. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-46982014000400005&lng=en&nrm=iso.
Link externo:
Educação em Revista – http://www.scielo.br/edur/
Adriana Maria Cancella Duarte
Professora Associada do Departamento de Administração Escolar da Faculdade de Educação da UFMG. Vice-Coordenadora do Grupo de Pesquisa Política Educacional e Trabalho Docente (GESTRADO) da FAE/UFMG, filiado à Rede Latino-Americana de Estudos sobre o Trabalho Docente Rede Estrado (CLACSO). Coordenadora do Programa de Doutorado Latino-Americano em Educação do PPGE – FAE – UFMG no período 2011 a 2013. Pós-Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da UERJ. Doutora em Educação pela UFMG. Desenvolve estudos e pesquisas nas áreas de política educacional e trabalho docente com ênfase nas temáticas das reformas e novas regulações educacionais, gestão dos sistemas públicos de educação e das escolas.
Lídia Campos Gomes Boy
Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Minas Gerais e Mestre em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Política Educacional e Trabalho Docente (GESTRADO) filiado à Rede Latino-Americana de Estudos sobre o Trabalho Docente Rede Estrado (CLACSO). Professora da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte.
[Revisado em 29/01/2015]
Como citar este post [ISO 690/2010]:
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