Por Kátia Kishi, jornalista e pesquisadora do Labjor/Unicamp, Campinas, São Paulo, Brasil
As críticas sobre a atual produção científica não se restringem apenas ao Brasil, outras universidades no mundo também estão discutindo as pressões e modos que se articulam as pesquisas, como discute a tradução do texto do ex-reitor da Universidade de Lisboa, Antonio Nóvoa, no primeiro número de 2015 da “Educação e Pesquisa”, publicação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP).
O texto trata de uma transcrição da palestra proferida em setembro de 2014 no Congresso Europeu de Pesquisa Educacional no Porto, Lisboa, e Nóvoa instiga a mudança nos modos de produção por meio de reflexões sobre quatro acontecimentos recentes: o embuste de John Bohannon, que publicou um artigo falso em 157 periódicos de acesso aberto; o apelo do nobel Randy Sckekman em boicotar os periódicos internacionais que impõem um processo científico voltado para os interesses editoriais e comerciais; a história da cientista japonesa Haruko Obokata que foi acusada de falsear imagens de pesquisas em células-tronco e as notícias de que mais de 70% dos centros de pesquisa portugueses não receberam financiamento por não atenderem as métricas da Fundação Europeia de Ciência que, segundo Nóvoa, desconsiderou a realidade do país.
Com a reflexão desses fatos, Nóvoa aponta os “E”s que pressionam e geram mal-estar da atual vida acadêmica, como a “excelência” calculada pela cultura do “publicar ou perecer” e que só dá força para as grandes editoras internacionais. “Há pressões cada vez maiores para impor uma cultura de produtivismo. Não podemos ser cúmplices dessa corrupção da ciência e das universidades que está a destruir a vida acadêmica.”, ressalta Nóvoa.
Os outros “E”s discutidos é o “empreendedorismo” que passa a olhar as universidades como empresas, ou seja, impõe um trabalho voltado para a rentabilidade e ignora o pensar, ler e discutir. Segundo o educador, o empreendedorismo poda a liberdade de pesquisa nas universidades, característica próxima da “empregabilidade”, que, ao visar o mercado, abdica das missões educacionais e culturais na grade dos alunos.
Focando ao contexto português, Nóvoa também destaca o “e” da “europeização” que por meio das políticas de ciência, os países mais desenvolvidos recebem mais financiamentos por suas produções, como explica: “O resultado é óbvio: os fortes ficam mais fortes; os frágeis, mais frágeis. Depois de quase três décadas na União Europeia, Portugal continua a ser um contribuinte líquido para os fundos europeus de ciência. Ironicamente, poder-se-ia argumentar que os cidadãos dos países menos desenvolvidos estão a pagar a ciência que se faz nos países mais desenvolvidos”.
Todos esses pontos que dominam o contexto de produção científica são rebatidos pela busca de uma reconstrução da cultura do debate, da crítica e das leituras científicas que possam trazer mais diversidade nas abordagens e metodologias e modos de pensar e que desenvolvam uma educação que não se cessa no emprego, mas que vá além e aproxime a ciência da sociedade.
“É por isso que precisamos alargar o repertório da nossa ciência, dos pontos de vista teórico e metodológico. Alargar o espectro das nossas maneiras de pensar e de falar sobre educação. Aprofundar o nosso compromisso com a inclusão, a educação e a cultura. É para isso que serve a pesquisa educacional. Todas as minhas palavras podem ser resumidas numa só – liberdade.”, conclui Nóvoa.
Para ler o artigo, acesse
NÓVOA, A. Em busca da liberdade nas universidades: para que serve a pesquisa em educação?. Educ. Pesqui. [online]. 2015, vol. 41, n° 1, pp. 263-272. [viewed February 28th 2015]. ISSN 1517-9702. DOI: 10.1590/S1517-97022015400100301. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022015000100263&lng=pt&nrm=iso
Links externos
Educação e Pesquisa – http://www.scielo.br/ep/
Projeto Divulga Ciência- www.fabebook.com/divulacienciaoficial
Antonio Nóvoa – Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal, e-mail: anovoa@reitoria.ulisboa.pt; anovoa@ie.ul.pt
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