Laura de Oliveira, Professora do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia, Salvador, Bahia, Brasil
No último dia nove de outubro, a jornalista Maria Cristina Fernandes publicou na Revista Valor Econômico a matéria “A Volkswagen e a carne de Cristalino”. Em face das recentes acusações de que a maior montadora de carros do mundo fraudou testes de poluição atmosférica, a reportagem recuperou outro episódio histórico de afronta ao meio ambiente: a construção da Companhia Vale do Cristalino (CVRC), de propriedade da Volkswagen, em Santana do Araguaia, sul do Pará, e seu impacto ambiental na Amazônia. Para subsidiar o argumento, Fernandes citou o artigo “’O maior incêndio do planeta’: como a Volkswagen e o regime militar brasileiro acidentalmente ajudaram a transformar a Amazônia em uma arena política global”, de Antoine Acker, publicado na Revista Brasileira de História em julho de 2014.
Segundo a reportagem, baseada em dados apresentados no artigo de Acker, a CVRC abrigava-se em uma gigantesca área construída durante o regime militar como projeto da recém-instituída SUDAM, com apoio do Banco Mundial e da ONU. Em seu interior, a montadora alemã desenvolveu atividades de natureza distinta da automobilística, investindo na produção de gado. O governo brasileiro e a Volkswagen ostentaram a fazenda do Cristalino como modelo de desenvolvimento tecnológico e de respeito à política de bem-estar social, em virtude tanto dos esforços de produzir carne bovina de alta qualidade em clima tropical, capaz de reduzir o déficit humano de proteína, quanto do tratamento oferecido aos funcionários, que tinham opções de moradia, alimentação, saúde e lazer gratuitas e compatíveis com as dos trabalhadores alemães.
Ambientalistas vinculados à SBPC e personalidades como o paisagista Roberto Burle Marx, no entanto, denunciaram a prática da CVRC de incendiar partes da floresta para a abertura de pastagens, o que era veiculado na propaganda oficial como sintoma da modernização da Amazônia. Somaram-se a isso as denúncias de uso de trabalho escravo, que, embora não fosse praticado dentro da fazenda Cristalino, tangenciou suas atividades, vinculando-a a uma forma de exploração do trabalho tradicional na região amazônica. A problemática ganhou as manchetes internacionais, contribuindo para transformar a Amazônia em um problema a ser debatido na arena política global.
Para fundamentar o argumento, Acker realizou ampla pesquisa no Brasil e na Alemanha, consultando documentação da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e da SUDAM, além de periódicos como o Opinião, do Rio de Janeiro, O Estado de São Paulo, de São Paulo, a Veja, de São Paulo, o Stern, de Hamburgo, a Natur, de Hamburgo, e o New York Times, de Nova York. A investigação vincula-se ao doutorado em andamento de Antoine Acker no European University Institute, em Florença, na Itália, sob orientação de Kiran Klaus Patel. O título provisório da tese é “From Beetles to Cattle: Volkswagen’s “Ox of the Future” and the Colonization of the Amazon (1973-1986). A Transnational Case Study on the End of the Developmentalist Era”.
Para ler o artigo, acesse:
ACKER, A. “O maior incêndio do planeta”: como a Volkswagen e o regime militar brasileiro acidentalmente ajudaram a transformar a Amazônia em uma arena política global. Rev. Bras. Hist. [online]. 2014, vol.34, n.68, pp. 13-33. [viewed 07th December 2015]. ISSN 1806-9347. DOI: 10.1590/S0102-01882014000200002. Available from: http://ref.scielo.org/hqgqn4
Links externos:
Revista Brasileira de História – RBH – www.scielo.br/rbh
Revista Valor Econômico – http://www.valor.com.br/cultura/4263300/volkswagen-e-carne-de-cristalino
Como citar este post [ISO 690/2010]:
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