Bakhtiniana e Mikhail Bakhtin: seu tempo e o nosso

Maria Helena Cruz Pistori, Editora executiva de Bakhtiniana, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, Brasil

bak_logoBakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso é resultado de reflexões desenvolvidas ao longo de quase dezesseis anos pelos membros do Grupo de Pesquisa/CNPq/PUC-SP Linguagem, identidade e memória. Foi criada em 2008 e está vinculada ao Programa de Estudos Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/PUC-SP. Integra a coleção SciELO desde o último número de 2011 e classifica-se como Qualis A1 entre os periódicos Capes. Em formato eletrônico e bilíngue (português e inglês), sua missão é promover e divulgar pesquisas produzidas no campo dos estudos do discurso, com destaque para os estudos dialógicos. Atualmente publica três números por ano, constituídos sobretudo de artigos, resenhas e traduções elaborados por pesquisadores e/ou professores de instituições de ensino superior de pesquisa nacionais e internacionais.

Os estudiosos que tiveram os trabalhos aprovados para publicação neste primeiro número de 2016 — nove artigos e duas resenhas — certamente são familiares aos leitores de Bakhtiniana. Todos eles partilham várias características muito significativas: publicam pesquisas sobre tópicos relacionados ao pensamento bakhtiniano há aproximadamente 25 anos; contribuíram substancialmente para os estudos bakhtinianos e para a ampla área de estudos da Linguagem, Teoria e Crítica Literária; são conhecidos e muitíssimo respeitados, inspirando e aconselhando outros pesquisadores e toda uma geração de estudantes por meio de suas aulas, orientações, trabalhos publicados, palestras, traduções e organização de congressos. Esses artigos estão impregnados de uma profunda experiência conquistada nos muitos anos em que estudaram os arquivos russos e, ao mesmo tempo, trabalharam em sala de aula com seus alunos ou participaram de outros tipos de diálogos científicos. Com a contribuição de Clive Thomson como editor ad hoc, este número é prova não somente de que o compromisso deles com a área continua vigoroso e apaixonado como sempre, mas também de que o trabalho que produzem continua a ser criativo, inovador e original.

Os quatro primeiros artigos, reunidos sob a rubrica (1) O tempo de Bakhtin, foram escritos por Iúri Medviédev†, Dária Medviédeva, David Shepherd — A polifonia do Círculo, Craig Brandist — A virada histórica de Bakhtin e seus antecedentes soviéticos, Caryl Emerson — Maneiras criativas de não gostar de Bakhtin: Lydia Ginsburg e Mikhail Gasparov, e Stephen Lofts — Bakhtin e Cassirer: o evento e a máquina. Cumprem uma dupla função: exploram e elucidam os vários aspectos dos contextos intelectual, social e político em que Bakhtin e os demais pensadores viveram e trabalharam; e também sugerem maneiras pelas quais suas descobertas podem ser ampliadas em novas direções. Ao examinar cuidadosamente materiais de arquivos recém-descobertos, Iúri Medviédev†, Dária Medviédeva e David Shepherd nos proporcionam uma visão da complexa relação entre as ideias de Mikhail Bakhtin e Pável Medviédev acerca da noção de polifonia. Os artigos de Craig Brandist, Caryl Emerson e Stephen Lofts também buscam oferecer uma imagem mais clara de Bakhtin e seu tempo, e refletem sobre a longa tradição nos estudos sobre a recepção da obra bakhtiniana, primariamente ocupados em observar como certas ideias foram positiva ou construtivamente apropriadas.

Os artigos que compõem o segundo conjunto, (2) Bakhtin e nosso tempo, apresentam uma dimensão programática e interdisciplinar. A leitura cuidadosa das entrelinhas poderia sugerir o título “incômodo e insatisfação”, afirma Clive Thomson. Nosso tempo, como o de Bakhtin, é caracterizado por algumas “grandes ideias” que se tornaram modismos e ainda não foram contestadas. Em seus primeiros escritos, Bakhtin estava impaciente com certas tendências do neokantismo ou alguns aspectos da Lebensphilosophie, como seu pessimismo ou potencial niilismo. De forma semelhante, podemos perceber que a popularidade do trabalho de alguns cientistas cognitivos em nosso tempo pode provocar certa irritabilidade em Ken Hirschkop — Bakhtin contra darwinianos e cognitivisas, que se orienta pelas ideias “realistas” de Bakhtin sobre linguagem para desnudar os pressupostos idealistas e algumas alegações — excessivas, a seu ver — dos cognitivistas. Peter Hitchcock — Romancização ou serialização: ou diferentes formas de tempo, critica a complacência de alguns críticos, cuja apropriação das noções bakhtinianas de gênero e cronotopo são redutoras.

Há urgência no tom de Tatiana Bubnova — Bakhtin e Benjamin: sobre Goethe e outras questões, quando ela sugere que as críticas de Bakhtin correm o risco de se tornar “ultrapassadas” para o nosso discurso universitário, encorajando-nos a reconsiderar a recepção de suas ideias sobre a aparente compatibilidade de Bakhtin e Benjamin no que tange à atitude deles em relação ao Romantismo, e a incompatibilidade de suas posições sobre a linguagem. Os artigos de Linda Hutcheon — A crítica como réplica bakhtiniana: Edward W. Said como crítico musical, e de Anthony Wall — A bisbilhotice na pintura, ambos tratando da arte, compartilham uma ardente convicção — novamente percebidas pelo tom – sobre a importância de manter as ideias de Bakhtin vivas no contexto de um certo tipo de trabalho interdisciplinar.

Como sempre, o número apresenta ainda duas resenhas de obras recentemente publicadas. A primeira, redigida por Adriana Pucci Penteado de Faria e Silva (UFBA), trata da obra Teoria do romance I: a estilística, de Mikhail Bakhtin. Com nova tradução, prefácio, notas e glossário de Paulo Bezerra, a autora alerta para o fato de que a nova tradução segue a organização das Obras completas da edição russa e, por isso mesmo, deve chamar a atenção dos estudiosos de língua e literatura. A segunda, escrita por Anthony Wall (University of Calgary, Canadá), resenha a obra coletiva organizada por Beth Brait e Anderson Salvaterra Magalhães, Dialogismo: teoria e(m) prática, recentemente incluída entre as dez finalistas ao Prêmio Jabuti na categoria Teoria/Crítica Literária, Dicionários e Gramáticas.

Como pode perceber o leitor, este número é mais um expressivo passo de Bakhtiniana em direção ao desafio de maior internacionalização e visibilidade para a ciência brasileira, particularmente em relação ao conhecimento e divulgação dos periódicos nacionais. Mas devemos acrescentar que este objetivo também tem sido buscado por meio de estratégias menos aparentes, como a convocação de uma quantidade crescente de pareceristas de universidades estrangeiras; o convite a pesquisadores estrangeiros à produção de resenhas sobre importantes obras na área; e a busca de indexações internacionais, como a recente inclusão do periódico no Scopus/Elsevier. No entanto, é preciso reconhecer e destacar que são ainda nossos pesquisadores brasileiros que dão maior suporte e possibilidade real de concretização à revista, não apenas por meio da submissão de artigos de qualidade como também pela ampla disponibilidade na emissão de pareceres.

Finalmente, o apoio das instituições de pesquisa, educação, ciência e tecnologia, como CNPq, Capes, Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia, assim como da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, tem nos dados esperanças de um dia alcançarmos a profissionalização na edição e publicação de Bakhtiniana, um de nossos desafios.

Abaixo, um vídeo sobre a Bakhtiniana apresentado pelas editoras Beth Brait e Maria Helena

Para ler os artigos, acesse

BRAIT, B., PISTORI, M. H. C., LOPES-DUGNANI, B. and MELO JUNIOR, O. M. B. Apresentação. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso [online]. 2016, vol.11, n.1, pp.2-3. [viewed 31th March 2016]. ISSN 2176-4573. DOI: 10.1590/2176-457325561. Available from: http://ref.scielo.org/fxfftr

THOMSON, C. Mikhail Bakhtin: seu tempo e o nosso. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso [online]. 2016, vol.11, n.1, pp.4-17. [viewed 31th March 2016]. ISSN 2176-4573. DOI: 10.1590/2176-457325560. Available from: http://ref.scielo.org/mspf9d

BRANDIST, C. Bakhtin’s Historical Turn and Its Soviet Antecedents. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso[online]. 2016, vol.11, n.1, pp.18-41. [viewed 31th March 2016]. ISSN 2176-4573. DOI: 10.1590/2176-457324626. Available from: http://ref.scielo.org/f6qnzx

EMERSON, C. Creative Ways of Not Liking Bakhtin: Lydia Ginzburg and Mikhail Gasparov. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso [online]. 2016, vol.11, n.1, pp.42-76. [viewed 31th March 2016]. ISSN 2176-4573. DOI: 10.1590/2176-457324391. Available from: http://ref.scielo.org/w5vmj4

LOFTS, S. G. Bakhtin and Cassirer: The Event and the Machine. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso[online]. 2016, vol.11, n.1, pp.77-98. [viewed 31th March 2016]. ISSN 2176-4573. DOI: 10.1590/2176-457324739. Available from: http://ref.scielo.org/wdzd54

MEDVEDEV, I. P., MEDVEDEVA, D. A. and SHEPHERD, D. The Polyphony of the Circle. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso [online]. 2016, vol.11, n.1, pp.99-144. [viewed 31th March 2016]. ISSN 2176-4573. DOI: 10.1590/2176-457324397. Available from: http://ref.scielo.org/z25hn8

BUBNOVA, T. Bakhtin and Benjamin: On Goethe and Other Matters. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso[online]. 2016, vol.11, n.1, pp.145-172. [viewed 31th March 2016]. ISSN 2176-4573. DOI: 10.1590/2176-457324664. Available from: http://ref.scielo.org/8xshtm

HIRSCHKOP, K. Bakhtin Against the Darwinists and Cognitivists. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso[online]. 2016, vol.11, n.1, pp.173-186. [viewed 31th March 2016]. ISSN 2176-4573. DOI: 10.1590/2176-457324722. Available from: http://ref.scielo.org/jt7fx3

HITCHCOCK, P. Novelization and Serialization: Or, Forms of Time Otherwise. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso [online]. 2016, vol.11, n.1], pp.187-207. [viewed 31th March 2016]. ISSN 2176-4573. DOI: 10.1590/2176-457324995. Available from: http://ref.scielo.org/pf674r

HUTCHEON, L. The Review as Bakhtinian Rejoinder: Edward W. Said as Music Reviewer. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso [online]. 2016, vol.11, n.1, pp.208-227. [viewed 31th March 2016]. ISSN 2176-4573. DOI: 10.1590/2176-457324395. Available from: http://ref.scielo.org/hjyj7r

WALL, A. Eavesdropping on Painting. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso [online]. 2016, vol.11, n.1, pp.228-263. [viewed 31th March 2016]. ISSN 2176-4573. DOI: 10.1590/2176-457324398. Available from: http://ref.scielo.org/sy84c

Link externo

Bakhtiniana – BAK: www.scielo.br/bak

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

PISTORI, M. H. C. Bakhtiniana e Mikhail Bakhtin: seu tempo e o nosso [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2016 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2016/04/25/bakhtiniana-e-mikhail-bakhtin-seu-tempo-e-o-nosso/

 

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