Ana Maria Veiga é historiadora e editora de notícias da Revista Estudos Feministas (REF), Florianópolis, SC, Brasil
A equipe da REF e do IEG — Instituto de Estudos de Gênero da UFSC começa os preparativos para o Mundos de Mulheres/Fazendo Gênero, que acontecerá em Florianópolis de 30 de julho a 04 de agosto de 2017. Tanto tempo de antecedência se faz necessário devido às dimensões do evento. Em 2013, a 10ª edição do Seminário Internacional Fazendo Gênero obteve a marca de mais de 5.000 inscrições. As expectativas para a 11ª edição do evento são maiores ainda, sendo que em 2017 a organização do Fazendo Gênero receberá, também, o evento itinerante Women’s Worlds Congress, que aconteceu pela última vez em 2014, na Índia.
Dois dos enviados do IEG à Hiderabad, Cintia Lima Crescêncio e Maurício Pereira Gomes, tiveram a oportunidade de entrevistar Caroline Andew (a versão online da REF saiu com um erro de grafia, acrescentando um “s” ao sobrenome), ativista que organizou o WWC de 2011, no Canadá.
A entrevista de Caroline — uma ativista engajada com questões sociais em seu país — sai agora, quando nos preparamos para começar a contagem regressiva para o evento brasileiro, que já conta com mais de 100 pessoas em sua organização.
Conversamos aqui com os entrevistadores, que nos falam um pouco sobre a participação no evento da Índia e as expectativas para o primeiro Mundos de Mulheres em terras sul-americanas, ano que vem.
Cintia: Fomos para a Índia em uma delegação de 13 pessoas, se não estou enganada. No Brasil, já fazíamos reuniões para viabilizar a viagem para Índia a partir da crença de que nossa participação no evento era fundamental para a organização do WWC no Brasil. Apresentei trabalho em um Simpósio Temático em que eu mesma era a coordenadora. O evento tinha uma estrutura interessante em termos de oferta: pacotes de saídas de campo que foram maravilhosas (e caras), traslado para o congresso, uma tenda que dava almoço e jantar, além da disponibilidade de água e suco o dia todo, na recepção. Em termos de cultura a troca foi intensa e em alguns momentos assustadora. Três impressões principais que acredito que valem ser mencionadas: 1. O evento era puramente acadêmico, o que não estava de acordo com a proposição geral dele, já que o WWC se caracteriza por uma troca igualitária com os movimentos de mulheres e feministas. No encontro, tivemos uma reunião com o grupo de canadenses que organizou o evento anterior e elas falaram, inclusive, sobre isso, sobre a função do WWC, que não deve ser promover apenas trocas acadêmicas; 2. A presença dos homens era aterrorizante, eles integravam todos os espaços de poder, coordenavam as principais mesas e enchiam as plateias. Num contexto normal, estaríamos felizes por sua presença, mas a sensação de estar sendo vigiada era constante. 3. O fato do encontro ter sido na Ásia, certamente, nos permitiu conhecer muito daquele cenário, fomos agraciadas com comunicações de mulheres muçulmanas e indianas que enfrentam uma rotina acadêmica e pessoal complexa. Acredito que algo parecido vá acontecer no Brasil se conseguirmos atrair um público vasto de latino-americanas.
Maurício: Já passou algum tempo, mas uma viagem para a Índia e a participação no WWC foi uma experiência, digamos, marcante e intensa. Nunca havia ido a um Congresso Mundial de Mulheres. Tive a oportunidade de apresentar um trabalho e de participar de uma mesa, de modo um pouco atropelado, na condição de debatedor. Um aprendizado. Foi legal também por conhecer as dinâmicas envolvidas na organização de um congresso daquela magnitude, além de participar de atividades acadêmicas, de um protesto estudantil e de passeios oferecidos pelo Congresso, conhecendo de perto localidades e realidades do interior da Índia, em projetos de fomento, melhoria das condições das pessoas, em especial as mulheres indianas. Foi muito rica, claro, a experiência de conhecer e interagir com participantes de diferentes partes do mundo. Quanto ao Congresso, a presença de professores homens, associada à reverência a eles dispensada pelas professoras mulheres nos incomodava, assim como o ar de misoginia e sexismo violento que respirávamos em boa parte de nosso contato com as ruas. As participantes, de modo geral, vieram de países ricos e em desenvolvimento. Como em nosso caso, formavam uma elite. Apesar de tudo, achei super válido, fruto de um esforço em condições adversas que talvez não imaginemos ou concebamos. Não desmerecendo nossas bandeiras de luta, muitos dos desafios colocados aos feminismos em outras partes do mundo são mais ou igualmente duros. Trans da Ásia explicavam que lutavam pelo direito à vida, africanas pelo direito à não mutilação, as indianas para não serem estupradas. E por aí vai…
Quanto às expectativas das feministas estrangeiras para o Mundos de Mulheres no Brasil, os enviados do IEG à Índia respondem:
Cintia: Elas são muito empolgadas com o Brasil e sempre ficam impressionadas com nossas pesquisas e com o avanço dos estudos feministas por aqui. O evento foi em 2014 e elas já nos cobravam panfletos, datas, nomes. Quando falávamos que éramos do Brasil nos tornávamos imediatamente o centro das atenções, especialmente das canadenses e estadunidenses.
Maurício: Acho que as estrangeiras têm uma expectativa bem grande com o WWC no Brasil. Primeiro, tem um “q” de exotismo mesmo, pelo fato de acontecer no Brasil, seu papel no continente e sua política interior. Depois, porque ficam impressionadas com a dimensão e a experiência acumulada no Fazendo Gênero. Ao mesmo tempo é perceptível uma preocupação com relação à comunicação (barreira da língua) e outros dois pontos importantes: uma efetiva participação de mulheres de outros países da América do Sul e uma interlocução com os movimentos sociais. Preocupações que, convenhamos, devem ser todas nós.
Na entrevista da Caroline sentimos essas expectativas. Ela se estendeu explicando como deu trabalho (prévio) essa atividade de fomento para o congresso acontecer com aquelas participações e aquela riqueza. Procurou dar seu recado nesse sentido, com muita elegância.
Cíntia: Uma preocupação constante dela era o papel dos movimentos sociais e a questão da língua. De fato, mesmo na Índia, me vi em vários momentos tentando traduzir mesas e debates para colegas que não falavam inglês e fui até repreendida pela plateia. É necessário uma estrutura para tradução das mesas, fóruns, palestras, não tenho dúvida disso. Na entrevista, pelo que me lembro, Caroline reforçou a importância do feminismo como uma teia que deve se infiltrar em todos os espaços. No evento, o tema da violência era, sem dúvida, o mais marcante e para ela, canadense, acredito que o assunto foi muito chocante, então ela reforçou muitas vezes a questão da violência como um desafio para o feminismo.
Para ler a entrevista, acesse
CRESCENCIO, C. L. and GOMES, M. P. Um mundo de mulheres em Florianópolis: entrevista com Caroline Andrews. Rev. Estud. Fem. [online]. 2016, vol.24, n.2, pp.581-585. [viewed 06th July 2016]. ISSN 0104-026X. DOI: 10.1590/1805-9584-2016v24n2p581. Available from: http://ref.scielo.org/34tb4c
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