Comemoração de 30 anos da Revista Estudos Feministas é marcada pela contribuição transnacional aos estudos de gênero e feministas

Vera F. Gasparetto, Editora de Divulgação da Revista Estudos Feministas, Pós-Doutoranda no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGICH-UFSC), Pesquisadora do Instituto de Estudos de Gênero (IEG), Florianópolis, SC, Brasil.

Logo da Revista Estudos Feministas

Apresentamos aqui a entrevista com as coordenadoras editoriais da Revista Estudos Feministas (REF): Cristina Scheibe Wolff, Professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH) e no Programa de Pós-Graduação em História (PPGH); Luzinete Simões Minella, Professora da UFSC no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Ciência Política (PPGSP) e no PPGICH, aposentada; Mara Lago, Professora da UFSC no PPGICH e PPGPS, aposentada; e Tânia Ramos, Professora da UFSC no Programa de Pós-Graduação em Literatura (PPGLit), aposentada. Cada uma delas traz seu depoimento sobre a trajetória da REF e os desafios atuais.

Gostaríamos que nos contasse como se deu a criação da REF e também seu processo de transformação editorial nesses 30 anos de existência.

Luzinete Simões Minella (LSM) – A Revista Estudos Feministas foi criada em 1992, na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no contexto do processo de redemocratização do país, da expansão e da consolidação dos movimentos sociais de modo geral e dos feministas, especificamente.

Em virtude dos seus compromissos com esse contexto, embora obedecendo às regras acadêmicas que orientavam as publicações científicas, a REF adotou desde seu início, posicionamentos inovadores: sua rotatividade institucional como uma forma de favorecer a divulgação da diversidade das tendências teóricas e sua forte articulação com os movimentos feministas.

Entre 1995 e 1998 ficou sediada na UFRJ e em 1999 teve seu primeiro volume publicado na UFSC. Ao longo de três décadas, artigos elaborados por suas editoras e outras autoras, além de vários editoriais publicados em diversos números da REF, têm refletido sobre sua trajetória desde sua criação. 

Inúmeras análises foram publicadas em coletâneas e outras revistas, por exemplo, o artigo de Mara Coelho de Souza Lago “A maioridade da Revista Estudos Feministas: entrelaçando experiências, publicado numa das coletâneas do Fazendo Gênero e o artigo de Cristina Scheibe Wolff intitulado “Revista Estudos Feministas”: uma trajetória de desafios, publicado na revista Storia della Donne, em 2019.

Na intenção de contribuir para o registro das mutações do modelo editorial da Revista a partir da sua instalação na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), elaborei o artigo intitulado Fazer a REF é fazer política: Memórias de uma metamorfose editorial, como parte de uma seção temática que celebrava os quinze anos da Revista.

A partir dos registros feitos pelas colegas nos artigos citados e da minha própria experiência, destaco nesse artigo que, em termos da estruturação da editoria, desde a sua criação, a REF atravessou três momentos: o primeiro, mais concentrado em poucas pessoas, prevaleceu de 1992 até 2001 e incluía uma editoria da qual participavam até três pesquisadoras reconhecidas na área, as quais, sem excluir a colaboração eventual de outras pesquisadoras, eram responsáveis por todas as seções da Revista: artigos, ponto de vista (ensaios e entrevistas), dossiês e resenhas.

De acordo com o meu ponto de vista, essa metamorfose (da qual participei intensamente) significou várias coisas ao mesmo tempo:

1) do ponto de vista numérico, a equipe passou a funcionar com dez editoras, além da coordenação editorial, das editoras assistentes e das adjuntas, totalizando quatorze pessoas;

2) esse modelo ampliou a noção de editoria, na medida em que as responsabilidades pelas diferentes seções se dividiam, configurando um trabalho coletivo que passou a demandar negociações mais amplas e mais constantes na condução dos processos de edição, exigindo que a coordenação desenvolvesse a capacidade de diálogo com muitas “frentes” de trabalho;

3) no âmbito institucional, fortaleceu a vinculação do Centro de Filosofia e Ciências Humanas com o Centro de Comunicação e Expressão, ampliando-se o número de editoras de ambos, incorporando uma maior diversidade teórica;

4) no que se refere à captação de artigos e à divulgação, a REF ganhou um impulso muito maior, desde quando várias pesquisadoras passaram a poder representá-la nos diferentes eventos da área realizados no País e no exterior.

A partir do segundo semestre de 2004, prosseguiu a expansão da equipe, impulsionada, a meu ver, por quatro fatores principais: o aumento da oferta de textos resultante tanto da ampliação do campo no país quanto do estímulo à produção científica por parte das agências que definem as políticas científicas; a exigência da edição de três números anuais, conforme os critérios da Scientific Electronic Library Online (SciELO), definidos a partir da análise das tendências nacionais e internacionais de divulgação; a criação em 2005 da editoria específica para produção de um número em inglês por ano, conforme a proposta da SciELO Social Sciences (SSS); uma ênfase maior no trabalho inter e multidisciplinar implicada nos processos de globalização da cultura.

A consolidação desse modelo implicou também no estabelecimento de parceria com as jovens pesquisadoras do campo de gênero e feminismo da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Vale assinalar que muitas delas foram alunas e orientandas das próprias editoras da Revista, cuja maioria desempenhou um papel pioneiro na área de gênero e feminismo na UFSC e no país.

E na atualidade, como está configurada essa organização do trabalho em equipe da REF, fruto dessas metamorfose editorial?

LSM – Em 2002, quando esse modelo foi implantado, a equipe incluía quatorze editoras. Atualmente conta com quatro pesquisadoras na coordenação, 15 pessoas na editoria de artigos, quatro pessoas na editoria de dossiês e seções temáticas, quatro na equipe de resenhas, cinco na equipe de entrevistas, quatro na editoria no SSS, duas na de divulgação, uma editora assistente, uma editora para publicações eletrônicas. 

Temos 40 pesquisadoras atuando na REF, pois algumas colaboram em mais de uma editoria. Tais pesquisadoras estão vinculadas a diferentes áreas disciplinares, se formaram em distintas instituições acadêmicas nacionais e internacionais, nasceram em diferentes regiões do país, algumas em Santa Catarina, e se diferenciam também em termos do pertencimento étnico, origens de classe social, geração e identidades de gênero. 

Por isso mesmo, ressalto que a expansão quantitativa da equipe, tem assegurado, de modo surpreendente, a vigência de um modelo democrático de edição, na contramão das políticas editoriais observadas na maioria dos periódicos científicos do país e até mesmo do exterior. Apesar das instabilidades de uma conjuntura na qual diferentes forças políticas tentam consolidar, com maior ou menor êxito, entre altos e baixos, ganhos e perdas, celebrando às vezes significativos avanços e lamentando (não raro) grandes recuos, o complexo processo de redemocratização institucional do país.

Quatro mulheres cortando um bolo sobre uma mesa. Elas estão com o braço direito estendidos em direção ao bolo como se fossem cortar juntas. Expressão facial feliz ou neutra. No lado da mesa, um balão com o texto “REF 30 anos” e um banner de divulgação.

30 anos da REF é celebrado na UFSC. Fonte: Banco de imagens do IEG

Nesse período dos 30 anos, como você avalia a contribuição da REF na articulação com as demais Publicações Feministas no que se refere à política editorial no Brasil?

Mara Lago (ML) – Vejo como significativamente relevante a contribuição da Revista Estudos Feministas à articulação com publicações feministas nacionais e internacionais, no sentido da divulgação dessas publicações e de temas relacionados às políticas editoriais do Brasil e países em que são/foram produzidas. Distingo diferentes momentos neste processo de articulação:

1) A intenção de expandir o alcance da produção feminista já expressa no seu primeiro editorial e efetivada no próprio projeto gráfico da Revista, contendo cartela com a tradução para o inglês de artigos de autoras brasileiras, com vistas à sua divulgação além Brasil.

2) O pioneirismo da REF na organização do I Encontro Brasileiro de Publicações Feministas realizado em agosto de 2002 e do I Encontro Internacional e II Encontro Nacional de Publicações Feministas, ocorrido em novembro de 2003 em Florianópolis.

3) Na continuidade, ressalto o convite para a participação de outras publicações feministas em comemorações de efemérides da REF, resultando em produção conjunta de importantes reflexões partilhadas.

4) Por fim, destaco as reflexões envolvendo periódicos feministas e de gênero, nacionais e estrangeiros, retomadas em Mesas Redondas sobre Publicações Feministas nos Encontro Internacional Fazendo Gênero 10.

Enfatizo ainda que todos estes eventos, com análises e reflexões sobre divulgação, políticas editoriais, financiamentos a periódicos científicos, etc., extrapolam as fronteiras do Brasil e do Sul Global, com abundante produção latino-americana e, mais recentemente, contribuições vindas da e sobre a África, pela representação de experiências editoriais de publicações feministas do Norte Global.

Qual tem sido o espaço da Literatura e das Artes na REF e como você contribui com sua trajetória na construção da REF?

Tânia Ramos (TR) – Meu papel inicia na própria vinda da REF para a UFSC, onde há a tradição da REF e o compromisso do Centro de Comunicação e Expressão (CCE) ser nela representado. Assim, Claudia foi editora, Simone foi editora por algum tempo até eu cumprir este papel que venho fazendo. Se o CCE é representado é porque a Revista recebe e está aberta para as várias áreas. Atuo na Literatura Linguística, Artes, Teatro e Cinema com um número significativo de artigos no fluxo contínuo.

Como editora faço parte da distribuição de artigos para pareceres internos e externos, edito pareceres (estes da minha área, mas alguns de fora), avalio retornos de artigos, indico parecerista para os muitos artigos relacionados a Letras e Artes e sou uma das responsáveis pelas muitas resenhas que recebemos no processo de seleção por números. Eu e minhas colegas editoras temos papéis que se confundem com o acadêmico e o trabalho braçal.

Dentro do projeto de internacionalização, como vem sendo construída a Rede Internacional de Revistas e qual é a contribuição sua e da REF?

Cristina Scheibe Wolff (CSW) – A Revista Estudos Feministas participou de uma pesquisa realizada em 2021 pelo Centro de Gênero do Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais (IHEID), da Universidade de Genebra, Suiça, intitulado Everyday decolonialities of feminist publishing: A social cartography.

A partir desta pesquisa foi realizado um workshop que reuniu as diversas revistas que participaram do estudo, revistas de várias partes do mundo, tanto do Sul como do Norte Global, mas todas com perspectiva feminista. Neste workshop foram discutidas dificuldades enfrentadas pelas revistas e possibilidades de intercâmbios, que geraram o início de uma organização internacional que tem sido chamada de Feminist Publishing Futures Project, projeto futuros das publicações feministas.

A REF tem participado de todas as etapas deste projeto, e no 14º Congresso Mundos de Mulheres, Cristina Scheibe Wolff e Loreley Garcia (da Revista Ártemis) coordenaram uma oficinária com representantes de várias revistas. No momento o projeto se encontra em estágio inicial, através de uma plataforma de debates. A ideia é criar um tipo de plataforma internacional para as revistas feministas e ações de divulgação das revistas e do feminismo.

Campanha REF 30 Anos

Logo da Revista Estudos Feministas

Logo de 30 anos da Revista de Estudos Feministas.

A Revista Estudos Feministas completa 30 anos e está realizando uma série de comemorações. Sua trajetória tem como marco o ano de 1992, quando foi criada no Rio de Janeiro. Em 1999 passa a ser editada na Universidade Federal de Santa Catarina, coordenada por pesquisadoras do Instituto de Estudos de Gênero.

A REF é um periódico científico quadrimestral que publica textos originais em português, inglês e em espanhol, sob a forma de artigos, ensaios e resenhas, sobre gênero, feminismos e sexualidades. No campo dos estudos de gênero, a REF é uma das mais importantes revistas da América Latina, conceituada no Qualis A1 da Capes.

Os textos publicados contribuem para o estudo das questões de gênero, sendo provenientes de diversas disciplinas: história, sociologia, antropologia, literatura, estudos culturais, ciência política, medicina, psicologia, teoria feminista, semiótica, demografia, comunicação, psicanálise, relações internacionais, entre outras.

Para ler o artigo, acesse

MINELLA, L. S. Fazer a REF é fazer política: memórias de uma metamorfose editorial. Revista Estudos Feministas [online]. 2008, vol. 16, no. 1, pp. 105-116 [viewed 07 July 2023]. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-026X2008000100010. Available from: https://www.scielo.br/j/ref/a/hm4Xy4Z4V7QYVsXFQgVwDYp/

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

GASPARETTO, V.F. Comemoração de 30 anos da Revista Estudos Feministas é marcada pela contribuição transnacional aos estudos de gênero e feministas [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2023 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2023/07/07/comemoracao-de-30-anos-da-revista-estudos-feministas/

 

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