Antonio Fausto, jornalista, núcleo editorial, Museu Goeldi, Belém, PA, Brasil
A capacidade humana de atribuir significados a fenômenos e espaços dá o tom da última edição de 2016 do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, que trata das milenares estratégias de sobrevivência desenvolvidas por mulheres e homens. Narrativas do presente e do passado compõem trajeto de leitura formado por 13 trabalhos, distribuídos entre as seções Artigos e Memória, que inicia pela quatrocentona Belém do Pará.
A capital paraense é tema dos dois artigos que introduzem a edição: “Segregação racial na orla de Belém: os portos públicos da Estrada Nova e o Ver-o-Peso” e “Pedra do Peixe: redes sociais na circulação do pescado do Ver-o-Peso para a cidade de Belém do Pará”.
No primeiro, Rodrigo Peixoto e Jakson Silva discutem as estratégias de enfrentamento dos movimentos populares no contexto de gentrificação dos portos da cidade, afirmando que “a cor não está colocada nas lutas de resistência nem nas políticas”. Já no segundo artigo, Luiz Silva e Carmem Rodrigues analisam a circulação do pescado em Belém, observando as estratégias dos agentes desse comércio que tem como centro a Pedra do Peixe, no Ver-o-Peso, cartão postal da cidade.
Antropologia, Arqueologia e Linguística estão contempladas na edição, que se estende para História e Comunicação, de onde vem o trabalho “De Senhora de Nazaré a ‘Nazinha’: singularidades na expressão do afeto à padroeira do Pará”. Maria do Socorro Veloso e Maria Pavan analisam as maneiras de paraenses se referirem à padroeira do estado, fortalecedoras de identidades e de laços de pertencimento e exploradas pela indústria cultural, a exemplo de Gaby Amarantos.
Outro artigo com locus em Belém que também recorre à arte, na literatura de Dalcídio Jurandir, é “Quintais urbanos: funções e papéis na casa brasileira e amazônica”. Helena Tourinho e Maria Goreti da Silva estudam a representação dos quintais, outrora utilizados para produção de alimentos, como espaço de lazer e de convivência e, hoje, em processo de extinção ou de alteração, devido à emergência de estilos de vida urbanizados.
Cultura, alimentação e sobrevivência – Eliane Rapchan e Walter Neves, em “‘Culturas de Chimpanzés’: uma revisão contemporânea das definições em uso”, propõem uma reavaliação do termo cultura atribuído àqueles animais, os mais próximos dos humanos na escala evolutiva, por considerá-lo distante da manipulação simbólica proposta como conceito pela antropologia. Isso redefiniria a fronteira humano-não humano.
Atribuição de significados intrinsicamente humana e perceptível também no ato de comer. Em “Caçar, preparar e comer o ‘bicho do mato’: práticas alimentares entre os quilombolas da Reserva Extrativista Ipaú-Anilzinho (Pará)”, Rodrigo Figueiredo e Flávio Barros mostram as espécies preferidas e rejeitadas para consumo na dieta humana por motivos de doenças, menstruação, gravidez e religiosidade.
A alimentação também se revela em “Mulher e mercado: participação e conhecimento femininos na inserção de novas espécies de pescado no mercado e na dieta alimentar dos pescadores da RESEX Mãe Grande em Curuçá (PA)”, de Marllen Palheta, Voyner Cañete e Denise Cardoso. O estudo propõe o espaço doméstico como ambiente de experimentação para diversificar a oferta de pescado na dieta familiar e no mercado local diante da escassez das espécies mais apreciadas.
Agricultura, ciência e memória – A agricultura aparece em três artigos. Um deles fala das práticas de economia mista atribuídas à etnia indígena habitante do lhano venezuelano, tradicionalmente descrita como caçadora e coletora: Aspectos etnoecologicos de la agricultura entre los Pumé, de Silvana Saturno e Stanford Zent. No tema, “Conservação ex situ e on farm de recursos genéticos: desafios para promover sinergias e complementariedades”, de Laura Santonieri e Patricia Bustamante, propõe a interação entre agricultores e academia para o incremento dos processos geradores da agrobiodiversidade.
Sob a ótica da memória, em “A Agricultura Moderna no Planalto Central: a experiência da Colônia Blasiana (1881-1895), na atual Luziânia, Goiás, Brasil”, Mário Ferraro relata a trajetória da escola agrícola para órfãos negros que se destacou, também, no campo científico.
Um relato da trajetória de “Kiju Sakai: o antropólogo japonês que dedicou sua vida a estudar o Brasil na primeira metade do século XX”, de autoria de Marcia Hattori e André Strauss, discute a consolidação da Arqueologia no país e a institucionalização da coleção que hoje compõe o Museu Histórico e Arqueológico de Lins, em São Paulo.
Já em “Arqueobotânica de um sambaqui sul-brasileiro: integrando indícios sobre o paleoambiente e o uso de recursos florestais”, João Melo Jr., Eloiza Silveira e Dione Bandeira contam a história de nossos ancestrais graças a vestígios de madeiras encontrados em manguezais catarinenses.
Elementos de narrativas humanas revelam-se também no texto que encerra essa edição, The first list of Malayalam words at the end of 15th. Trata-se de compilação revisada e atualizada de 122 palavras do português vertidas para o Malaiala ou Malabar, língua do sudeste da Índia, no século XV, a partir de listas que constam do relato da primeira viagem de Vasco da Gama à Índia, disponível na Biblioteca do Porto, em Portugal.
Para ler os artigos, acesse
Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciênc. hum. vol.11 no.3 Belém Sept./Dec. 2016
Link externo
Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas – BGOELDI: www.scielo.br/bgoeldi
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