As controvérsias da publicidade de alimentos e bebidas no Brasil: o modelo de regulamentação atual é eficaz?

Aline Kassahara, Mestre em Nutrição Humana Aplicada pela Universidade de São Paulo, SP, Brasil

Flávia M. Sarti, Professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, SP, Brasil

A indústria de alimentos e bebidas no Brasil vem sendo questionada acerca de transgressões éticas veiculadas em peças publicitárias dos produtos, especialmente nas propagandas direcionadas ao público infantil (CONNELL; BRUCKS; NIELSEN, 2014; MATTOS et al., 2010). A regulação governamental tem sido destacada como solução viável para coibição de práticas antiéticas em diversos estudos, tendo em vista limitações da autorregulação de propagandas pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR). As penalidades e o potencial conflito de interesse por parte da organização não governamental são cerne do debate acerca dos problemas da autorregulação de propagandas, em decorrência do financiamento do CONAR pelas agências publicitárias, empresas anunciantes afiliadas, veículos de comunicação, publicitários e outros.

O estudo foi fundamentado em revisão sistemática de literatura selecionada em bases eletrônicas de dados (SciELO, PubMed, Bireme BVS e Scholar Google), seguindo métodos preconizados por Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses (PRISMA) (MOHER et al., 2009). Foram identificados 199 estudos publicados entre 2005 e 2015. Após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados 27 artigos focalizando tema proposto para revisão.

A maior parte da literatura publicada foi baseada em análise de legislação e estudos qualitativos sobre peças publicitárias. Cerca de 70% dos artigos (19) apresentaram posicionamento contrário às estratégias de promoção da indústria de alimentos e bebidas; 26% dos artigos (7) eram contrários ao monitoramento pelo CONAR; 18,5% dos artigos (5) eram favoráveis à regulamentação pelo governo; 11% dos artigos (3) criticavam a possibilidade de regulação governamental e 7% dos artigos (2) eram favoráveis ao CONAR.

A maioria dos estudos identificados foram publicados antes da Consulta Pública 71/2006 (que propõe regulamentação da propaganda de alimentos com quantidades elevadas de açúcar, gordura e sódio, assim como bebidas com baixo teor nutricional) e da aprovação da RDC 24/2010 (que impunha limites à divulgação e à promoção comercial de alimentos com quantidades elevadas de açúcar, de gordura saturada, de gordura trans, de sódio, e de bebidas com baixo teor nutricional).

A revogação da RDC 24/2010 no ano de 2013, em vista de impossibilidade de aplicação de sanções pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) possivelmente auxiliou no debate a favor e contra regulamentação governamental no país. O debate entre organizações da sociedade civil, CONAR e instituições governamentais continuam até atualmente.

A conclusão do estudo indica necessidade de algum nível de regulação governamental das propagandas de alimentos e bebidas direcionadas ao público infantil (CONNELL; BRUCKS; NIELSEN, 2014; REISCH et al., 2013; SCHREIER; CHEN, 2013), em complementação ao sistema de autorregulação, bem como aplicação de penalidades severas ao descumprimento de normas éticas em promoção de alimentos e bebidas.

O estudo foi designado para contribuir com evidências no tema de regulação da comunicação de indústrias de alimentos e bebidas ao consumidor, de forma a auxiliar na promoção de hábitos saudáveis da população, particularmente em decorrência do incremento na prevalência de obesidade e doenças crônicas não transmissíveis no país.

Referências

CONNELL, P. M., BRUCKS, M. and NIELSEN, J. H. How childhood advertising exposure can create biased product evaluations that persist into adulthood. J Consum Res., v. 41, n. 1, p. 119-134, 2014. ISSN: 0093-5301 [reviewed 3 May 2018]. DOI: 10.1086/675218. Avalible from: http://www.jstor.org/stable/10.1086/675218?seq=1#page_scan_tab_contents

MATTOS, M. C., NASCIMENTO, P. C. B. D., ALMEIDA, S. S. and COSTA, T. M. B. Influência de propagandas de alimentos nas escolhas alimentares de crianças e adolescentes. Psicol. teor. prat. [online]. 2010, vol.12, n.3, pp. 34-51. [viewed 20 July 2018]. ISSN 1516-3687. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872010000300004&lng=en&nrm=iso.

MOHER, D. Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses: the PRISMA statement. PLOS Med., v. 6, n. 7, p. 1-6, 2009. ISSN: 1549-1676 [reviewed 3 May 2018]. DOI: 10.1371/journal.pmed.1000097. Avaliable from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19621072

REISCH, L. A. et al. Experimental evidence on the impact of food advertising on children’s knowledge about and preferences for healthful food. J Obes. 408582, 2013. ISSN: [reviewed 3 May 2018]. DOI: 10.1155/2013/408582. Avaliable from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23691285

SCHREIER, H. M. C. and CHEN, E. Socioeconomic status and the health of youth: a multi-level, multi-domain approach to conceptualizing pathways. Psychol Bull., v. 139, n. 3, p. 606-654, 2013. ISSN: 1939-1455. DOI: 10.1037/a0029416. Avaliable from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22845752

Para ler o artigo, acesse

KASSAHARA, A. and SARTI, F. M. Marketing of food and beverage in Brazil: scientific literature review on regulation and self-regulation of advertisements. Interface (Botucatu) [online]. 2018, vol.22, n.65, pp.589-602. [viewed 20 July 2018]. ISSN 1807-5762. DOI: 10.1590/1807-57622016.0630. Available from: http://ref.scielo.org/vwxx7f

Link externo

Interface: Ciência, Saúde e Educação – ICSE: www.scielo.br/icse

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

KASSAHARA, A. and SARTI, F. M. As controvérsias da publicidade de alimentos e bebidas no Brasil: o modelo de regulamentação atual é eficaz? [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2018 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2018/07/23/as-controversias-da-publicidade-de-alimentos-e-bebidas-no-brasil-o-modelo-de-regulamentacao-atual-e-eficaz/

 

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