Adeus aos ideais: partidos e ideologia na América Latina

Augusto Neftali Corte de Oliveira, Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS, Brasil

Na pesquisa conduzida pelo professor Augusto N. C. de Oliveira, da PUCRS, foi testada uma antiga hipótese da Ciência Política no contexto da América Latina atual: será que quanto maiores e mais velhos os partidos, mais moderados eles se tornam?  Os dados obtidos apontam que, ao menos para os partidos de esquerda, a resposta é afirmativa. Complexidade organizacional e desideologização parecem estar relacionadas. Esta constatação levou a outras questões, como a aparente imunidade dos partidos de direita ao fenômeno e as circunstâncias que favorecem o declínio dos ideais partidários.

Escrevendo no início do século passado, Robert Michels (1982), cunhou o conceito de “lei de ferro da oligarquia” para descrever o processo pelo qual os partidos abandonavam seus ideais em favor da conciliação. Segundo o autor, os líderes de uma organização política bem-sucedida, que se torna influente no Estado e conquista direitos para seus constituintes, passam a dar mais importância para a própria organização do que para os interesses ideológicos de seus representados. Com o objetivo de preservar as vitórias já alcançadas e o próprio espaço de poder, esses líderes acabam tornando-se conservadores e rejeitam as ideias originais que levaram à fundação do partido.

Esta é a hipótese que orienta a pesquisa, conectando organização partidária e desideologização. Para testá-la foram operacionalizados dois indicadores. A partir do período de atividade dos partidos políticos e da dimensão de suas bancadas parlamentares, foi construída uma variável de complexidade organizacional. Sua variação ocorre entre zero e um (o máximo representa um partido hipotético com ao menos 50 anos de funcionamento ininterrupto e metade das vagas disponíveis, com ao menos 50 cadeiras, na câmara baixa ou única do parlamento nacional). Para mensurar o aspecto ideológico, foram avaliados os programas de governo presidenciais por meio de uma estratégia de análise de conteúdo. Nesse caso, a variação ocorre entre -1 (um negativo, programa de governo apenas com ênfases consideradas de esquerda) e 1 (um positivo, apenas ênfases de direita). São dados de 62 partidos políticos que participaram de 49 eleições presidenciais em 12 países da América Latina, entre 1998 e 2015.

Dispersão dos programas de governo presidenciais, por grupo ideológico original do partido do candidato, complexidade organizacional e ideologia programática (América Latina, 1998-2015) Fonte: Elaboração do autor a partir de dados disponíveis em Oliveira (2016).

Apenas os partidos originalmente de esquerda se comportaram conforme a previsão da lei de ferro. A pesquisa não avança nas causas desta diferença, mas indica uma possível explicação a partir de um elemento externo à dimensão organizacional. Para Wanderley Guilherme dos Santos (1988), a lei de ferro apenas seria válida em contextos no quais o sistema partidário possuísse o oligopólio da representação política. Portanto, se o campo ideológico de direita possuir maior autonomia em relação aos partidos nos processos de representação política do que o campo de esquerda, isso justificaria os desempenhos distintos.

Outro elemento pode ajudar a aperfeiçoar a compreensão da dinâmica da lei de ferro em face dos líderes partidários. De acordo com Angelo Panebianco (2005), a capacidade de gestão estratégica dos líderes é limitada por um ponto de “enrijecimento organizacional”. Na pesquisa, este ponto foi identificado no nível de 60% do indicador de complexidade organizacional. Dentre os casos analisados, a partir deste nível nenhum partido voltou a apresentar uma ideologia de esquerda. Ainda assim, como aponta o caso do Partido Socialista chileno, certa “reideologização” fora dos parâmetros da lei de ferro parece ser viável em organizações que atravessam um contexto de choques externos importantes.

Para saber mais, acesse o artigo “Organização e ideologia nos partidos da América Latina: uma aproximação da hipótese de Michels”, publicado no periódico Dados (v. 62, n. 1).

Referências

MICHELS, R. Os partidos políticos. Brasília: Ed. da UnB, 1982.

OLIVEIRA, A. N. C. Banco de Asserções Programáticas. 2016. Available from: https://www.fee.rs.gov.br/wp-content/uploads/2016/05/20160517bap.2015.xlsx

PANEBIANCO, A.  Modelos de partidos: organização e poder nos partidos políticos. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

SANTOS, W. G. dos. Paradoxos do liberalismo. Rio de Janeiro: Iuperj; Vértice, 1988.

Para ler o artigo, acesse

OLIVEIRA, A. N. C.  Organização e Ideologia nos Partidos da América Latina: uma Aproximação da Hipótese de Michels. Dados [online]. 2019, vol. 62, no. 1, e20160258, ISSN 0011-5258 [viewed 23 July 2019]. DOI: 10.1590/001152582019173. Available from: http://ref.scielo.org/3b5xg9

Link externo

Dados – Revista de Ciências Sociais – DADOS: www.scielo.br/dados

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

OLIVEIRA, A. N. C. Adeus aos ideais: partidos e ideologia na América Latina [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2019 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2019/08/12/adeus-aos-ideais-partidos-e-ideologia-na-america-latina/

 

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