Até quando adotaremos classificações que pouco contribuem para avaliar a qualidade da produção de conhecimento no Brasil?

Paulo Guanaes, Jornalista, editor executivo de Trabalho, Educação e Saúde, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Em sua primeira edição do ano, Trabalho, Educação e Saúde (vol. 18, n. 1), editada pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fiocruz, apresenta o editorial “Contribuições ao debate sobre a avaliação da produção científica no Brasil”, assinado pelas sete revistas científicas da Fiocruz. Nele, questiona-se a decisão da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) de estabelecer novos critérios para classificar periódicos científicos no Qualis Periódicos.  A metodologia propõe uma única classificação de referência para os periódicos, o ‘Qualis Único’, com base no uso combinado dos indicadores bibliométricos CiteScore (Scopus), Fator de Impacto (Web of Science) e h5 (Google Scholar), o que pode gerar “resultados desastrosos a periódicos já consolidados em suas áreas de atuação” (CADERNOS DE SAÚDE PÚBLICA et al., p. 1). Apesar de reconhecer o papel fundamental da Capes na avaliação de periódicos, o texto critica o “uso de indicadores bibliométricos, construídos para finalidades não relacionadas à avaliação da qualidade da produção científica” e a falta de “maior transparência e participação da comunidade acadêmica envolvida”. O editorial propõe uma revisitação à San Francisco Declaration on Research Assessment (DORA), que apregoa o fim da utilização do fator de impacto para avaliação de pesquisa científica, e ao Manifesto de Leiden, que apresenta dez princípios para o uso adequado de métricas em avaliação da ciência. E salienta que “um único critério para avaliação de periódicos científicos é questionável, considerando as profundas diferenças entre as áreas acadêmicas na produção e divulgação do conhecimento”.

Esta edição traz ainda o ensaio “Paulo Freire e o inédito viável: esperança, utopia e transformação na saúde”, de César Augusto Paro, Miriam Ventura e Neide E. Kurokawa e Silva, sobre o constructo ‘inédito viável’, de Paulo Freire, com o objetivo de explorar suas potencialidades na saúde coletiva. De acordo com os autores, “a emergência dos inéditos viáveis resulta de complexo processo pedagógico, que vai do estranhamento da realidade à percepção crítica dos sujeitos envolvidos, a qual propicia a construção dos inéditos viáveis, como etapa que antecede a ação (p. 1).” Eles propõem em sua conclusão “uma pedagogia aplicada à saúde coletiva que incorpore o ‘inédito viável’ como possibilidade de transcender o adestramento técnico, baseado, exclusivamente, em conteúdos informativos, investindo, também, nas capacidades de indignação e denúncia e na construção de projetos coletivos” (p. 1).

Na seção Artigos, destaca-se o manuscrito “Necessidades e reivindicações de homens trabalhadores rurais frente à atenção primária à saúde”, de Sérgio Vinícius Cardoso de Miranda e colaboradores, no qual descrevem uma pesquisa que mobilizou 41 entrevistas em profundidade, registros em diário de campo e coleta de dados secundários, com o objetivo de “compreender as principais necessidades e reivindicações de homens trabalhadores rurais frente a uma equipe de Atenção Primária à Saúde” (p. 1), em município do estado de Minas Gerais. O estudo qualitativo permitiu uma discussão sobre a invisibilidade dos trabalhadores rurais na procura e acesso aos serviços de saúde e a valorização do modelo assistencial curativista.

Em “Docência na educação infantil: neoliberalismo, desumanização e adoecimento na república inacabada brasileira”, artigo de autoria de Wagner Eduardo Estácio de Paula e Rita de Cássia Gabrielli Souza Lima, analisa-se a percepção de professores de educação infantil sobre a produção de dignidade pelo trabalho, no contexto da categoria teorética ‘repúblicas inacabadas’. Os autores constataram que essa produção é atravessada “Por uma forma de solidão que aparece quando, no cotidiano do trabalho, o ser professor de pequenos sente-se invisível, pouco ouvido pelas instituições envolvidas com seu trabalho, cabendo citar: unidade-gestão escolar, família, poder público municipal, colegas, secretarias e governo” (p. 17). Em conclusão, os autores criticam “um mundo de ideologia neoliberal” e o “agravamento das desigualdades sociais”, propondo “o reconhecimento e o estímulo ao trabalho coletivo como ferramentas de transformação” (p. 1).

No artigo “Acesso à saúde pela população trans no Brasil: nas entrelinhas da revisão integrativa”, Pablo Cardozo Rocon e colaboradores construíram um mapeamento da produção científica sobre o acesso à saúde pela população transexual pós-2008, ano que foi um marco para a saúde trans no Brasil, quando foi criado o Processo Transexualizador do Sistema Único de Saúde (SUS). Os autores realizaram uma revisão integrativa da literatura a respeito do tema, na qual utilizaram as bases Medline, Lilacs e SciELO. Em suas considerações finais, constataram inúmeros desafios para o acesso da população trans ao SUS, entre eles: a discriminação nos serviços e equipamentos de saúde; a patologização da transexualidade; o acolhimento inadequado; a exigência de cirurgia; a falta qualificação dos profissionais; a ausência de política de atenção básica e inexistência de rede de saúde; e a escassez de recursos para o financiamento dos processos transexualizadores e de políticas de promoção da equidade e respeito às identidades de gênero trans.

Trabalho, Educação e Saúde, apresenta ainda manuscritos com os seguintes temas: saúde mental, segurança do paciente na atenção primária em saúde e estresse ocupacional na mídia impressa. Duas resenhas de livros encerram a edição: Vicente Eduardo Soares de Almeida e Karen Friedrich comentam o livro “Entre controvérsia e hegemonia: os transgênicos na Argentina e no Brasil”, de Renata Motta, publicado pela Editora Fiocruz, e Lucas Salvador Andrietta faz a crítica da obra “Planos de saúde e dominância financeira,” de José A. F. Sestelo, da Editora da UFBA.

Para ler os artigos, acesse

Trab. educ. saúde vol.18 no.1 Rio de Janeiro  2020

Link externo

Trabalho, Educação e Saúde – TES: www.scielo.br/tes

[Revisado – 17 Janeiro 2020]

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

GUANAES, Paulo Até quando adotaremos classificações que pouco contribuem para avaliar a qualidade da produção de conhecimento no Brasil? [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2020 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2020/01/16/ate-quando-adotaremos-classificacoes-que-pouco-contribuem-para-avaliar-a-qualidade-da-producao-de-conhecimento-no-brasil/

 

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