O discurso jornalístico contribui para a (in)visibilidade das vítimas de feminicídio?

Isadora Gomes Flores, Jornalista, Universidade Franciscana, Pós-Graduanda de MBA em Mídias Sociais Digitais, Santa Maria, RS, Brasil.

O artigo “Um corpo duplamente esfacelado: (in)visibilidade das vítimas de feminicídio em manchetes de jornal”, publicado no periódico Intercom: Revista Brasileira de Ciências da Comunicação (vol. 43, no. 2), tem como foco a problemática da violência contra mulheres, mais especificamente as notícias de (tentativa de) feminicídio, no discurso jornalístico. A produção da pesquisa teve início durante o trabalho de conclusão do curso de jornalismo de Isadora Gomes Flores, orientada por Marluza da Rosa, em 2018. Ao propor uma releitura dessa pesquisa inicial, o estudo busca impulsionar o debate sobre os modos de produção do discurso jornalístico referente às notícias de feminicídio.

A partir da análise discursiva das manchetes, as autoras entendem que as vítimas da violência, ao mesmo tempo, têm seus corpos expostos e sua condição silenciada, por meio de uma linguagem que tende a reforçar e a perpetuar essa violência. A reflexão desenvolvida na pesquisa se faz cada vez mais necessária agora, em que se tem visto aumentar os casos ou as tentativas de feminicídio durante a crise sanitária decorrente da COVID-19. Nesse contexto, é sempre importante questionar os sentidos e valores que o discurso jornalístico ainda difunde, a fim de compreender que noticiar, informar e mostrar, nem sempre produz uma representatividade sobre o que (ou quem) é noticiado.

O estudo é motivado pelo fato de se saber que profissionais da informação têm poder de escolha sobre o que se noticia, porém, também estão inseridos em condições de produção nas quais imperam critérios econômicos, sociais, históricos, culturais e ideológicos, que definem, por exemplo, o valor-notícia dos acontecimentos. Essas condições ainda são pouco questionadas. Assim, atravessados por esses critérios/valores, os produtores de informação, ao escolherem o que é digno de aparecer (e o modo como deve aparecer), podem silenciar o que não é mostrado, tornando-o invisível para o público, mas também podem construir negativamente uma cena de visibilidade sobre o que se mostra. Nessa cena, pode-se amenizar a culpa e/ou ocultar o assassino, principalmente ao se construir e solidificar, via discurso, a condição de vítima naturalmente atrelada às mulheres, cujos corpos são lugar propício tanto para a manifestação da violência quanto para a disseminação da notícia.

Desse modo, o estudo convida a refletir criticamente sobre a formulação e a circulação do discurso jornalístico em seus efeitos de sentido, para que não se reafirmem cenas de invisibilidade que contribuem, diariamente, para que mais mulheres e suas histórias estampem páginas policiais, como vítimas, corpos subjugados, fragmentados, esfacelados. O artigo conduz também a questionar o risco tanto da vinculação naturalizada da condição feminina ao lugar esperado das mulheres na família, quanto do descomprometimento do Estado no combate à violência contra mulheres e no reconhecimento de seus direitos. Embora não sendo mais visto como um lugar de produção de verdades absolutas, o poder que o discurso jornalístico ainda detém pode contribuir tanto para fomentar quanto para silenciar o debate sobre os modos de opressão e (des)construção da realidade social, em que pese, principalmente, os casos de crimes contra mulheres.

Para ler o artigo, acesse

ROSA, M. da and FLORES, I. G. A double-smashed body: (in)visibility of femicide victims in newspaper headlines. Intercom, Rev. Bras. Ciênc. Comun. [online]. 2020, vol. 43, no. 2, pp. 147-168, ISSN: 1980-3508 [viewed 9 September 2020]. DOI: 10.1590/1809-5844202028. Available from: http://ref.scielo.org/kgzx3y

Links externos

Intercom: Revista Brasileira de Ciências da Comunicação – INTERC: www.scielo.br/interc/

Facebook: https://www.facebook.com/revistaintercom

https://orcid.org/0000-0002-3590-1752

https://orcid.org/0000-0001-6585-7361

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

FLORES, I. G. O discurso jornalístico contribui para a (in)visibilidade das vítimas de feminicídio? [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2020 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2020/09/29/o-discurso-jornalistico-contribui-para-a-invisibilidade-das-vitimas-de-feminicidio/

 

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

Post Navigation