A expansão da malha fundiária paulista e a ocupação do sertão, séculos XVI ao XIX

Carlos de Almeida Prado Bacellar, Professor, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil.

Mapa da Província de São Paulo. Imagem: ALMEIDA, 1868

No artigo “Desbravando os sertões paulistas, séculos XVI ao XX”, publicado no periódico História (São Paulo, vol. 39), discute-se o processo de formação da rede fundiária no oeste da capitania/província de São Paulo desde o século XVI até finais do XIX. Aponta-se para os indícios de que a sociedade paulista, quase totalmente voltada para as atividades rurais, tinha, contudo, cerca de 30% de lavradores que não dispunham de terras próprias, cultivando a favor em terras alheias. Sem a propriedade da terra, muitos desses pequenos lavradores acabavam por se deslocar em direção da fronteira demográfica, onde podiam se apossear de áreas para lavrar. Nesse movimento, acabavam por empurrar o espaço agrícola para dentro de terras pertencentes a indígenas, provocando embates. Deste modo, a pequena lavoura mapeava o território e servia de marcador para solos de boa qualidade. E eram inevitavelmente seguidos pela grande lavoura escravista. Portanto, os grandes latifúndios eram estruturados sobre áreas já ocupadas na informalidade. Para garantir a propriedade da terra, podiam demandar uma sesmaria a ser demarcada sobre as posses preexistentes, ou comprar diversas posses para obter uma área final mais larga.

O artigo em questão é uma tentativa de síntese de diversas pesquisas desenvolvidas pelo pesquisador ao longo de quase quatro décadas de investigação. Estudos com as famílias de senhores de engenho de todo o oeste paulista entre 1765 e 1855, e a questão do acesso à terra já eram centrais. Posteriormente, renovou-se parte dessas preocupações ao estudar a vila de Sorocaba no XVIII e XIX. Por fim, pesquisas na região de Ribeirão Preto no final do XIX. A questão do acesso à terra esteve sempre presente nesses projetos. E pareceu claro, primeiramente, que parte significativa dos pequenos lavradores não disponha de terra titulada, vivendo a favor de terceiros ou internados no sertão, como posseiros. Por outro lado, a maioria das grandes propriedades fundiárias em todos esses estudos surgia como tendo sido obtida majoritariamente por compra, com poucos casos de sesmarias e herança. Portanto, há uma consistência na alegação de que havia um mercado de terras, apesar dos preços relativamente baixos das mesmas. É possível argumentar, portanto, que os latifúndios que cultivavam a cana-de-açúcar e, posteriormente, o café, surgiram em áreas que haviam sido desbravadas por aqueles que estavam vendendo as terras. Portanto, a conclusão possível, diante do quadro descortinado, era de que pequenos lavradores, de mão de obra familiar, sem recursos, atuavam como linha de frente da expansão da grande lavoura, operando como desbravadores das terras do sertão.

Todos os projetos mencionados são parte de uma linha de pesquisa preocupada com a discussão das estratégias das famílias senhoriais para a manutenção e reprodução do patrimônio, especialmente focada na questão do acesso à propriedade fundiária e nos processos de transmissão da herança entre as gerações. Desde meu ingresso na Universidade de São Paulo, em 2003, alunos de Pós-graduação também têm desenvolvido pesquisas com as mesmas preocupações.

Investigar o movimento de ocupação do território paulista é fundamental para o entendimento do panorama atual da estrutura fundiária. Permite, por exemplo, enfraquecer o argumento de que as elites agrárias desbravaram o território de modo pioneiro, pois constatou-se que constituíam a segunda leva de avanço da fronteira agrícola. O aprofundamento de pesquisas nessa linha exige a exploração de fontes documentais diversas: cartórios de notas, processos judiciais, registros de terras do século XIX (1818 e 1850), inventários e testamentos, registros de pagamentos do imposto da sisa, dentre outros. Muitas dessas fontes, no entanto, ainda permanecem de difícil acesso, graças à falta de arquivos minimamente organizados, especialmente no Poder Judiciário.

Não deixe de assistir o vídeo do professor Carlos de Almeida Prado Bacellar trazendo outras perspectivas sobre esse assunto.

Referências

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BACELLAR, C. A. P. Uma rede fundiária em transição. In: BRIOSCHI, L. R. and BACELLAR, C. A. P. (orgs.). Na estrada do Anhanguera: uma visão regional da história paulista. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 1999. p. 91-116.

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MONBEIG, P. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. São Paulo: Hucitec; Polis, 1984.

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Para ler o artigo, acesse

BACELLAR, C. A. P. Desbravando os sertões paulistas, séculos XVI a XIX. História [online]. 2020, vol. 39, e2020023. ISSN: 1980-4369 [viewed 25 November 2020].  https://doi.org/10.1590/1980-4369e2020023. Available from: http://ref.scielo.org/b74t7c

Links externos

Departamento de História – FFLCH: http://historia.fflch.usp.br

Grupo de pesquisa – Núcleo de História Econômica: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/35765

História (São Paulo) – HIS: www.scielo.br/his

Universidade de São Paulo: http://usp.br

Sobre o autor

Carlos de Almeida Prado Bacellar é professor doutor do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP). Desenvolve pesquisas na área da História da População, História da Família e Demografia Histórica, nos temas: família escrava e livre, herança e patrimônio nas famílias de elite, compadrio, redes de parentesco e solidariedade.

E-mail: cbacellar@usp.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7511632091078387

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

BACELLAR, C. A. P. A expansão da malha fundiária paulista e a ocupação do sertão, séculos XVI ao XIX [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2020 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2020/11/25/a-expansao-da-malha-fundiaria-paulista-e-a-ocupacao-do-sertao-seculos-xvi-ao-xix/

 

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