A influência do pensamento e da língua francesa na Academia brasileira de Administração

Jean-François Chanlat, professor emérito, Universidade Paris-Dauphine PSL, professor filiado HEC-Montreal e professor convidado, Institut Mines-Telecom Business School, Paris.

O artigo “Influência do pensamento de língua francesa na Academia Brasileira de Administração: Um olhar franco-quebequense” faz uma análise da influência que as obras em Língua Francesa tiveram na comunidade acadêmica brasileira, no campo das Ciências Administrativas, durante as últimas décadas. O texto divide-se em três partes, o primeiro recorda a relação histórica do autor com a comunidade brasileira; o segundo aborda brevemente o vínculo histórico que o Brasil mantém com o pensamento francês e o terceiro apresenta as principais tendências que parecem, em sua opinião, ter chamado a atenção dos pesquisadores brasileiros em Ciências Administrativas. A reflexão se conclui com algumas considerações sobre o futuro do campo e alguns desejos sobre a relação futura entre pesquisadores brasileiros e pesquisadores francófonos.

Segundo alguns analistas brasileiros e estrangeiros, esta influência francesa remonta ao século XVIII e o pensamento dos filósofos franceses do Iluminismo, logo, continuou no século XIX com a difusão do pensamento de Auguste Comte, do qual encontra-se um rastro eloquente no lema oficial do Brasil “Ordem e progresso” (Tyr, 2007). A filosofia de Comte foi vista então como uma fonte de inspiração política para as elites modernistas que aspiravam fundar uma República e acabar com a escravidão, como assinala Lorelai Kury (2003). No século XX, esta influência francesa continuou a perdurar. Vinculada à criação nos anos trinta da Universidade de São Paulo com a qual se associaram destacadas personalidades francesas na Filosofia e em outras áreas do conhecimento, evidente atração histórica que a cultura francesa tem tido entre as elites (Fachin e Cavedon, 2003). Muitos professores brasileiros fizeram seus estudos de doutorado na França e, posteriormente, em Quebeque, em um momento em que a comunidade brasileira de ciências administrativas buscava alternativas ao pensamento anglo-saxão. Se, portanto, o campo brasileiro das Ciências Administrativas foi influenciado por numerosos trabalhos em Língua Francesa, este artigo, retém aqui, sem, além disso, priorizá-las, as três disciplinas que foram, em sua opinião, as fontes inspiradoras: as Ciências da Organização, as Ciências do Trabalho e a Economia Heterodoxa; este fenômeno foi encorajado pelo bilinguismo de muitos pesquisadores brasileiros, e/ ou a tradução de obras de referência, pertencentes a estas disciplinas, por editoras brasileiras.

Imagem: Pexels.

As Ciências Organizacionais compõem a primeira fonte inspiradora, fruto do desenvolvimento do trabalho associado ao surgimento das organizações como fato social no início dos anos sessenta do século passado (Etzioni, 1967; Séguin e Chanlat, 1983). No contexto francófono, particularmente na França, isto traduz-se num corpo de investigação que girará em torno de quatro eixos principais: a psicossociologia das organizações e a análise institucional, a sociologia das organizações e da empresa, a antropologia das organizações e a gestão. Outra corrente de pesquisa na qual se basearão os pesquisadores brasileiros refere-se à Sociologia das Organizações. Esta disciplina, fundada na França por Michel Crozier no início dos anos sessenta, experimentará posteriormente um importante desenvolvimento nos países francófonos e latinos sob o impulso do trabalho do Centro de Sociologia das Organizações (CSO), criado e dirigido por Crozier (Crozier e Friedberg, 1977; Crozier, 2000), que se converterá numa fonte de busca da maioria dos pioneiros francófonos no campo (Chanlat, 1992) e influenciará em certas obras brasileiras, particularmente no campo da administração (Vasconcelos e Pinochet, 2004)

Mais recentemente, podemos mencionar os da Ecole des Mines, em particular os de Segrestin e Hatchuel em torno da redefinição da empresa (2012) que despertará certo entusiasmo entre vários pesquisadores interessados na gestão de organizações solidárias. A segunda fonte de inspiração são as Ciências do Trabalho; a obra de Christophe Dejours (2007, 2011, 2015, 2017) ocupando um lugar historicamente central no Brasil; Desde o início dos anos 90, sua perspectiva psicodinâmica do trabalho alimentará em grande medida a pesquisa brasileira na psicologia do trabalho (Areosa, 2019). Por sua ancoragem na prática, esta abordagem também exercerá uma notável influência nas Ciências Administrativas para aqueles interessados na relação psíquica vida-organização (Fachin e Cavedon, 2003), às vezes através do capítulo que escreveu no livro Princeps de Chanlat. A terceira fonte da qual se basearão os pesquisadores brasileiros em Ciências Administrativas é a Economia Heterodoxa (Lévesque, Bourque e Forgues, 1997). Com efeito, todos os interessados no equilíbrio socioeconômico, o desenvolvimento social e as organizações da economia social encontraram em certas correntes do pensamento econômico heterodoxo francês elementos suscetíveis de enriquecer suas próprias reflexões sobre as realidades brasileiras.

É neste contexto, que as obras em Língua Francesa encontraram um certo eco na comunidade brasileira durante várias décadas, em particular através de algumas obras e correntes destacadas. Este interesse se fundamentou em um bem histórico, e uma proximidade cultural latina, que, apesar das diferenças que possa haver entre os próprios latinos, neste caso, os franceses e os brasileiros, ainda existe (Pinot de Villechenon, Chanlat e López Rizzo, 2021). Mas este diálogo só pode continuar se os pesquisadores francófonos, como os brasileiros, continuarem defendendo suas especificidades, escrevendo livros, artigos e monografias em seu idioma, organizando conferências e seminários onde temas específicos de sua sociedade (Chanlat 2014a); e assim possam abordar seu entorno socioeconômico de maneira relevante (Fischer, 2018).

Referências

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Para ler o artigo, acesse

CHANLAT, J. F. Influência do pensamento de língua francesa na Academia Brasileira de Administração: Um olhar franco-quebequense.  Rev. adm. empres. [online]. 2021, vol.61, no.03 [viewed 17 May 2021]. https://doi.org/10.1590/s0034-759020210305x. Available from: http://ref.scielo.org/tk25w5

Links externos

RAE-Revista De Administração De Empresas – RAE: www.scielo.br/rae

Sobre o autor

Jean-François Chanlat

É professor emérito da Université Paris-Dauphine na área de ciências nas organizações. Seus principais interesses de ensino e pesquisa dizem respeito à teoria organizacional, comportamento organizacional, antropologia das organizações e gestão intercultural. Ele é responsável pela cátedra de ‘Gestão, Diversidade e Coesão Social’ da Université Paris Dauphine. O Professor Chanlat publicou cerca de vinte livros e mais de cem capítulos e artigos em periódicos franceses, anglófonos e brasileiros. Sua obra tem grande influência nas áreas de Gestão de Pessoas e Relações do Trabalho e Estudos Organizacionais desde a década de 1990

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

CHANLAT, J. F. A influência do pensamento e da língua francesa na Academia brasileira de Administração [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2021 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2021/05/18/a-influencia-do-pensamento-e-da-lingua-francesa-na-academia-brasileira-de-administracao/

 

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