Sérgio Resende Carvalho, Professor Médico, Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, SP, Brasil.
Alexandre Rocha Santos Padilha, Doutorando, Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciencias Médicas da Unicamp, SP, Brasil.
Cathana Freitas de Oliveira, Doutoranda, Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, SP, Brasil.
Leandro Modolo Paschoalotte, Doutorando, Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, SP, Brasil.
Gustavo Tenório Cunha, Professor Médico, Departamento de Saúde Coletivo da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, SP, Brasil.
Pesquisadores da Unicamp estudam a resposta cubana à Pandemia da COVID-19, a partir de documentos e entrevistas com dirigentes do Ministério da Saúde Pública, pesquisadores, médicos que participam das brigadas internacionais médicas, inclusive do Mais Médicos no Brasil, e membros do Comitê Científico de assessoramento a resposta à COVID-19 em Cuba. O estudo Sistemas públicos universais de saúde e a experiência cubana em face da pandemia de Covid-19 traz uma compreensão detalhada da resposta cubana a COVID-19 e dos aspectos inerentes a estruturação do seu sistema público de saúde, em especial das características da sua atenção primária em saúde, da sua rede de investigação científica, biotecnológica e de produção de vacinas.
Outro destaque é a abordagem que os pesquisadores fizeram sobre a participação e o impacto da atual pandemia sobre as mulheres, contando com relatos e reflexões importantes de dirigentes e médicas cubanas que expressam aspectos da realidade delas em Cuba – e também no Brasil –, na medida em que são médicas internacionalistas que tiveram experiencias em solo brasileiro.
O estudo foi realizado a partir de entrevistas por videoconferência, entre junho e dezembro de 2020, revisão de documentos apresentados pelos entrevistados e cotejamento com artigos científicos e materiais jornalísticos em toda a confecção. À sua conclusão, em fevereiro de 2021, Cuba tinha cerca de 44 mil casos e 296 mortes pela Covid-19, para cerca de 11 milhões de habitantes. Proporcionalmente à população, estes números eram 21,62 vezes menores em casos e 57,68 vezes menores em mortes do que os EUA. Em relação ao Brasil, 12,16 vezes menores em casos e 44,38 vezes menores em mortes por habitantes.
Os pesquisadores da Unicamp concluem que, no período estudado, os resultados obtidos por Cuba não são um ponto fora da curva na história sanitária do país. Conclusão que, como um aparte necessário, segue atual, pois apesar do agravamento da situação epidemiologia em meados de julho 2021, os indicadores atuais da ilha seguem, ao lado do Canadá, posicionando o país entre os mais bem-sucedidos no enfrentamento da pandemia do continente americano, com dados substancialmente melhores do que, por exemplo, os do Brasil.
Estes resultados colocam em evidência os dados epidemiológicos, mas acima de tudo o fato de que a resposta do Sistema de Saúde Cubano, desde o início, envolveu a totalidade das estratégias sugeridas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como: rastreamento, distanciamento social, isolamento, atenção hospitalar coordenada e profundamente articulada a uma rede de atenção e cuidados primários robusta, atenção aos convalescentes, investigações e uso criterioso de potenciais tratamentos, pesquisa e desenvolvimento de vacinas tendo como suporte um sólido Complexo Econômico Industrial da Saúde.
Cuba não desconsiderou nenhum recurso do sistema de saúde e não desprezou nenhuma possibilidade de desenvolvimento de ações, chamando atenção para a coordenação e articulação das mesmas, beneficiando-se e, ao mesmo tempo, aprimorando seu sistema público e universal de saúde. Processo que, sem dúvida, nos chamou atenção ao observarmos que outros países ocidentais – dentre os quais podemos incluir o Brasil – com sistemas reconhecidos internacionalmente não lograram a eficácia alcançada na ilha.
Algo que se deve, entre outros, à decisão política de governo de priorizar a vida vis-à-vis interesses econômicos imediatos, na definição ágil de estratégias de enfrentamento da pandemia envolvendo distintos setores estatais, econômicos e sociais de maneira articulada e, cabe destacar, a utilização de nível primário de atenção à saúde com forte arraigo comunitário como eixo estruturante das medidas sanitárias e de cuidado que se efetuaram em distintos territórios de vida.
Deriva desta análise, portanto, uma conclusão e ensinamento que nos parece de grande relevância, qual seja: não basta existir atenção primária, não basta existir sistema público, não basta possuir capacidade de produção e desenvolvimento científico tecnológico e de produção em nível nacional; é preciso que este sistema tenha protagonismo e condições políticas de apontar os caminhos do país em momento de crise.
Estes, e outros componentes da resposta cubana à epidemia de Covid-19, tem logrado prover, apoiar e potencializar o cuidado à vida (e à saúde) dos cubanos, apesar do contexto de enormes dificuldades socioeconômicas derivadas, entre outros, do desumano bloqueio e desrespeito básico aos direitos humano que incide, inclusive, entre outros no acesso a bens materiais essenciais à saúde (seringas, oxigênio, vacinas e outros).
Eixos da exposição
Além da ênfase dada ao lugar ocupado pela mulher na resposta a pandemia na realidade cubana e ao papel da Atenção Primária à Saúde (APS), os pesquisadores definem alguns eixos para a apresentação dos resultados.
O primeiro eixo trata das estratégias iniciais, às quais os entrevistados apontam três aspectos: a vontade política dos governantes, a robustez do sistema de saúde e a constituição de um grupo científico, produzindo um plano com cerca de 50 medidas intersetoriais aprovado assim que a OMS declarou a emergência internacional em saúde pública.
O segundo eixo trata das estratégias socio-sanitárias e de cuidado baseadas na cadeia epidemiológica do país e em um modelo integral de enfrentamento à Covid-19, no qual estão, na mesma proporção, a gestão epidemiológica, a gestão da clínica e a gestão da ciência. Esta estratégia está sintetizada em um protocolo nacional para todas as unidades de saúde, respeitando-se a atualização constante pela gestão da ciência, as questões singulares de cada realidade e paciente no tocante as ações e a investigação de casos, o diagnóstico precoce e a identificação dos pacientes mais vulneráveis – o tempo todo desenhado desde a comunidade e em direção à comunidade.
Os pesquisadores também destacam, com atenção especial tendo em vista a realidade brasileira, algumas características na estratégia do protocolo de manejo clínico e sua evolução pela gestão da ciência, como o abandono do uso da cloroquina e ivermectina a partir de evidências da gestão da ciência, bem como o uso de medicamentos imunomoduladores, fruto do desenvolvimento da biotecnologia em Cuba.
O sistema de informação estatístico contínuo e a capacitação de todos os recursos humanos do sistema, que hoje conta com mais de 250 mil profissionais – uma das mais altas proporções de médicos e enfermeiros por habitantes no mundo – e o envolvimento de estudantes da área da saúde presentes neste campo de prática, também são destacados neste eixo.
O terceiro eixo trata da centralidade da Atenção Primaria à Saúde que, segundo os entrevistados, constitui-se enquanto espinha dorsal do sistema de prevenção e atenção à saúde, sendo desde o início a barreira principal e linha de frente no enfrentamento da atual pandemia. A Atenção Primária à Saúde em Cuba tem sido decisiva seja na detecção de infecções e casos, seja no cuidado precoce, durante e após a enfermidade, e sendo o locus por excelência da triagem, tratamento, comunicação, educação e articulação com as comunidades a quem serve, destacando-se a cobertura de 100% da população – domicílio por domicílio.
Por fim, em um quarto eixo, destaca-se a situação e participação das mulheres, com depoimentos das entrevistadas, tanto em relação à condição das mulheres enquanto agentes majoritárias na resposta à pandemia em Cuba, com reflexões tanto da realidade do espaço ocupado pelas mulheres no contexto da realidade cubana, como também, em termos comparativos, com algumas realidades brasileiras. Conta-se para isso, neste eixo, com depoimentos de médicas cubanas internacionalistas que atuaram no programa Mais Médicos no Brasil.
Os pesquisadores, a partir dos conteúdos trazidos pelos entrevistados e documentos públicos, aprofundam características singulares da resposta cubana que permitem um diálogo com a realidade de outros países, em particular o Brasil.
Algumas questões foram priorizadas no roteiro semiestruturado das entrevistas: o papel do Estado e do governo, integração e articulação de esforços da sociedade cubana, relações entre serviços-ciência-produção biofarmacêutica, o papel do sistema de saúde e sua Atenção Primária à Saúde, a importância das investigações epidemiológicas e do vínculo dos profissionais com famílias e comunidades locais, e reflexões sobre impactos e contribuições das mulheres nessa crise sociossanitária.
Ao mesmo tempo, os pesquisadores apontam para alguns temas que merecem ser aprofundados em estudos futuros. Entre eles : a solidariedade internacional de Cuba a outros países, inclusive nações ricas enviando brigadas de saúde e outros aportes; o processo de divulgação dos dados e medidas realizadas; processos de capacitação de profissionais da saúde; participação social e envolvimento dos estudantes da área de saúde no enfrentamento da pandemia; a evolução da pandemia em Cuba, pós o período analisado e os resultados do avanço da cobertura vacinal e da articulação de suas produções, na relação com outros países e com o sistema OMS/OPAS.
Ao conseguirem aprofundar um conjunto de aspectos da relação entre as características do Sistema de Saúde Cubano e sua resposta à pandemia, o estudo aponta para que os estudos comparados de sistemas de saúde venham a tomar a resposta a pandemia como um bom analisador para a sua caracterização.
Para ler o artigo, acesse
CARVALHO, S.R., et al. Sistemas públicos universais de saúde e a experiência cubana em face da pandemia de Covid-19. Interface (Botucatu) [online]. 2021, vol. 25 [viewed 23 November 2021]. https://doi.org/10.1590/interface.210145. Available from: https://www.scielo.br/j/icse/a/N7wb4VL4jkFVRSh6M8nQk7Q/?lang=pt
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