Educação, envelhecimento, desigualdades e participação laboral de idosos no Brasil

Anderson Rocha de Jesus Fernandes, Professor do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), Belo Horizonte, MG, Brasil.

Bernardo Lanza Queiroz, Professor do Departamento de Demografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.

Logo do periódico Revista Brasileira de Estudos de População.O processo de envelhecimento populacional está ligado a aspectos de saúde, de acessibilidade e adaptabilidade e da necessidade de serviços voltados a uma população crescentemente idosa. O Brasil, em 2070, deve apresentar cerca de 30% de indivíduos com 65 anos ou mais (ONU, 2022). Este fenômeno modifica a relação entre as pessoas nos diferentes grupos etários, e os impactos dessas mudanças no mercado trabalho e na transição deste para a aposentadoria ainda estão sendo investigados.

Dois pontos principais circulam este assunto. O primeiro concerne às atuais circunstâncias enfrentadas pela força de trabalho de indivíduos mais velhos. O segundo diz respeito às condições necessárias para que, face às transformações demográficas, essas pessoas possam permanecer por mais tempo em atividade laborativa. Muito se diz sobre o papel fundamental da educação neste processo: ela se relaciona a ocupações de maior estabilidade, à maior capacidade individual de adaptação tecnológica e a aposentadorias mais tardias (OCDE, 2019). Possibilita, portanto, a amenização dos impactos econômicos do envelhecimento.

O processo de qualificação deve ser contínuo, contudo, pouco se vê sobre a existência de programas de treinamento da mão de obra no Brasil, sobretudo, a mais idosa (NASCIMENTO, 2011). Além disso, esta última é, em geral, composta por indivíduos menos escolarizados e que, em sua maioria, permanece no mercado de trabalho mais por necessidade – complementação de renda, transferências aos mais jovens – do que por escolha.

O artigo Educação e outros determinantes da participação laboral de adultos mais velhos no Brasil (Rebep, vol. 39, 2022) investiga as características da relação entre a educação e a força de trabalho de adultos e idosos no Brasil, considerando, em uma perspectiva temporal (1980-2015), as desigualdades existentes no país. O estudo, realizado pelos pesquisadores Anderson Rocha de Jesus Fernandes e Bernardo Lanza Queiroz, origina-se de tese de doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em Demografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

A análise realizada verificou que a participação laborativa de adultos com mais de 45 anos tem aumentado ao longo do tempo. Isto pode estar associado à maior escolaridade das coortes mais jovens, às mudanças nas regras para a aposentadoria, como a criação do fator previdenciário em 1999, além do próprio processo de envelhecimento e de um maior número de idosos longevos na força de trabalho. Boa parte desses indivíduos é composta por chefes de domicílios, ou seja, pessoas que continuam a trabalhar porque são responsáveis pela renda domiciliar; são residentes de áreas urbanas e estão concentrados na região sudeste do país.

Além da provisão familiar, as maiores instabilidades no mercado de trabalho fazem com que mulheres e negros (pretos e pardos) e indígenas apresentem maiores chances de continuar trabalhando enquanto envelhecem. As condições salariais mais precárias e a ocupação em postos de status mais baixos e, em geral, informais são fatores que resultam em maiores dificuldades no requerimento de aposentadorias por tempo de contribuição por estes indivíduos quando comparados àqueles do sexo masculino e autodeclarados brancos ou amarelos.

Arte: parece ser uma pintura ou uma composição. Um notebook muito deteriorado, como se estivesse enferrujado e podre. Na tela, foto de prédios pegando fogo. No lado esquerdo, um homem sentado, sem camisa, usando uma toga grega e segurando um cajado. No lado direito, uma cadeira velha, deteriorada e enferrujada. No fundo, papel de parede de flores sujo e rasgado.

Imagem: Pixabay.

Este contexto de desigualdades é observado não obstante o crescimento da escolaridade no país. De modo geral, os avanços se concentraram nos níveis intermediários, isto é, na educação primária e na secundária. Além disso, prezou-se mais pela quantidade – número de alunos e indivíduos com diplomas – que pela qualidade (melhorias substanciais em direção a condições mais favoráveis a uma educação crítica e construtiva) (MARTELETO; MARCHNER; CARVALHAES, 2016).

Esta conjuntura tem consequências: maior afluência para postos intensivos em trabalho, isto é, com maior demanda física que cognitiva, remunerações mais baixas e que pouco contribuem para o aumento da produtividade (MAIA; MENEZES, 2014). Nestas condições, a mão de obra idosa, geralmente menos qualificada, permanece ou se insere em ocupações que pagam menos, possivelmente informais e, muitas vezes, autônomas. Enfrentam, portanto, maiores vulnerabilidades.

A partir disso, tem-se que a participação laboral de pessoas mais velhas não deve ser pensada somente quando da chegada dos indivíduos a uma determinada idade considerada “avançada” ou do momento da aposentadoria, mas numa perspectiva de ciclo de vida. Deve abarcar, dentre outros aspectos, a educação, o mercado de trabalho e a aposentadoria. Além disso, destaca-se a persistência, ao longo do tempo, de diferenciais sociodemográficos (escolaridade, sexo, cor/raça, status ocupacional etc.) que dificultam avanços sociais e econômicos substanciais e que, por isso, não podem ser ignorados quando da análise de políticas públicas que se associam a medidas de fomento à participação na força de trabalho de adultos mais velhos.

Referências

MAIA, A.G. and MENEZES, E. Economic growth, labor and productivity in Brazil and the United States: a comparative analysis. Brazil. J. Polit. Econ. [online]. 2014, vol. 34, no. 2, pp. 212-229 [viewed 30 January 2023]. https://doi.org/10.1590/S0101-31572014000200003. Available from: https://www.scielo.br/j/rep/a/Ckv4dNxQF36BmzXkPRzHxys/

MARTELETO, L., MARSCHNER, M. and CARVALHAES, F. Educational stratification after a decade of reforms on higher education access in Brazil. Research in Social Stratification and Mobility [online]. 2016, vol. 46, no. 1, pp. 99-111 [viewed 30 January 2023]. https://doi.org/10.1016/j.rssm.2016.08.004. Available from: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0276562416301251

NASCIMENTO, P.A.M. Há escassez generalizada de profissionais de carreiras técnico-científicas no Brasil? Uma análise a partir de dados do CAGED. Mercado de Trabalho: Conjuntura e Análise [online]. 2011, vol. 49, no. 1, pp. 19-28 [viewed 30 January 2023]. Available from: https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/11171

OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Working better with age, ageing and employment policies. Paris: OECD Publishing, 2019 [viewed 30 January 2023]. https://doi.org/10.1787/c4d4f66a-en. Available from: https://www.oecd-ilibrary.org/employment/working-better-with-age_c4d4f66a-en

ONU Organização das Nações Unidas. World Population Prospects 2022: Highlights. Nova York: Organização das Nações Unidas, 2022 [viewed 30 January 2023]. Available from: https://population.un.org/wpp/Graphs/Probabilistic/PopPerc/65plus/76

Para ler o artigo, acesse

FERNANDES, A.R.J. and QUEIROZ, B.L. Educação e outros determinantes da participação laboral de adultos mais velhos no Brasil. Rev. bras. estud. popul. [online]. 2022, vol. 39, e0229 [viewed 30 January 2023]. https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0229. Available from: https://www.scielo.br/j/rbepop/a/9ddWyzVWmf5WHNVHSFSnmjm/

Links externos

Revista Brasileira de Estudos de População – RBEPOP: https://www.scielo.br/rbepop/

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Anderson Rocha de Jesus Fernandes: http://orcid.org/0000-0003-3323-1967

Bernardo Lanza Queiroz: http://orcid.org/0000-0002-2890-1025

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

FERNANDES, A.R.J. and QUEIROZ, B.L. Educação, envelhecimento, desigualdades e participação laboral de idosos no Brasil [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2023 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2023/01/30/educacao-envelhecimento-desigualdades-e-participacao-laboral-de-idosos-no-brasil/

 

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