Luiza Bastos, jornalista, Belém, Pará, Brasil.
Diversos e importantes estudos científicos vêm sendo realizados no Alto Xingu, desde o século XIX, quando as primeiras expedições do etnólogo alemão, Karl von den Steinen, começaram a revelar as singularidades não apenas da área geográfica como da multiplicidade cultural, linguística e étnica dessa região de elevada relevância para o conhecimento de temas clássicos da antropologia social e de povos indígenas do mundo.
Hoje, cerca de 140 anos após a primeira expedição ao Alto Xingu e depois de extenso conjunto de dados sistematizados, o dossiê “Antropologia, arqueologia e linguística no Alto Xingu” é apresentado por Aristoteles Barcelos Neto – professor associado e diretor de curso da Sainsbury Research Unit for the Arts of Africa, Oceania and the Americas da University of East Anglia (Reino Unido), e por Luísa Valentini – doutora em Antropologia Social, da Universidade de São Paulo (USP/SP), em memória a Aritana Yawalapíti – cacique e liderança indígena, reconhecido como “chefe de caráter modelar”, com “capacidades diplomáticas excepcionais” e “profundo conhecimento da ritualística e da etiqueta xinguana”, e a Pedro Agostinho – antropólogo, historiador e arqueólogo baiano, referência para gerações de estudiosos e na luta pelos direitos indígenas.
Os apresentadores do dossiê participaram ativamente de todas as etapas de elaboração do manuscrito do trabalho, que traz 12 artigos baseados em pesquisas de campo realizadas a partir da década de 1980 – da redemocratização até os dias atuais, onde um novo cenário político favoreceu a articulação e mobilização de lideranças xinguanas; a expansão demográfica; a intensificação das relações com as cidades do entorno da Terra Indígena do Xingu (TIX) e para além delas, levando ao maior acesso indígena a serviços educacionais de graduação e pós-graduação e refletindo em novas oportunidades econômicas.
Além deste novo panorama publicado, outros dois dossiês sobre o Alto Xingu foram trazidos por Coelho, em 1993, e Franchetto e Heckenberger, em 2001, debruçados sobre pesquisas de campo realizadas entre as décadas de 1950 e 1980 e entre 1970 e 1990, respectivamente. Agora, Antropologia, arqueologia e linguística no Alto Xingu reúne dados sobre as transformações apresentadas por estudo científicos nas duas primeiras décadas do século XXI, onde novos temas e abordagens foram contemplados, tanto quanto foi aprofundado o desenvolvimento teórico de temas paradigmáticos na região.
O dossiê atual é formado a partir de pesquisas realizadas entre seis povos indígenas da região: Wauja, Mehinako e Yawalapíti (de língua arawak), Kalapalo e Kuikuro (de língua carib) e Kamayurá (de língua tupi-guarani). Nessa primeira parte, o artigo, Entre o céu e a terra: subsídios para uma arqueologia de territórios multitemporais alto-xinguanos, de Patrícia Rodrigues-Niu e Mafalda Ramos, apresenta estudo sobre a combinação de sentidos temporais lineares e não lineares do território e, ainda, uma análise abrangente sobre a Gruta Kamukuwaká – a morada do chefe primordial homônimo -, um dos sítios sagrados mais importantes na cosmologia do Xingu.
O artigo, Arquivo Kamayurá: pesquisa, documentação e transmissão da memória, de Kanawayuri Kamaiurá e Mayaru Kamayurá, conta sobre o projeto que levou os autores ao início de uma imersão profunda na própria cultura, através de materiais coletados por antropólogos e linguistas que trabalharam ou trabalham com os Kamayurá, desde a década de 1960. O objetivo é iniciar a salvaguarda e transmissão de conhecimentos para futuras gerações, a partir do reconhecimento e avaliação desses registros histórico-antropológicos.
Na sua contribuição Territórios em expansão: reflexões sobre transformações recentes em uma aldeia kalapalo, a pesquisadora Marina Novo , analisa as transformações econômicas e sociais vindas com as novas tecnologias de comunicação, além de uma via de acesso terrestre e de novas relações monetárias entre os indígenas da etnia.
E Amanda Horta, com ênfase sobre graus de parentesco e o tema da boa distância, traz uma análise da socialidade indígena na cidade de Canarana e suas relações de continuidade e descontinuidade com a socialidade nas aldeias do Alto Xingu, no artigo, Aqui não é igual aldeia: encontros entre indígenas do Território Indígena do Xingu, na cidade de Canarana, Mato Grosso, Brasil.
No quinto artigo do dossiê: A luta esportiva nos rituais pós-funerários: corporalidade, chefia e disputa política no Alto Xingu, Carlos Costa revisa, conceitual e etnograficamente, a luta corporal xinguana – kindene -, a partir de trabalhos de campo realizados por ele próprio, entre os Kalapalo e, concluindo a primeira parte do dossiê, o Esboço biográfico de Aritana Yawalapíti: a formação de um chefe prototípico, de João Carlos Almeida, é dedicado à história de vida de Aritana, considerado um “chefe de caráter modelar, de capacidades diplomáticas excepcionais, com profundo conhecimento da ritualística e da etiqueta xinguana”.
O falecimento de Aritana, em 2020, causado pela Covid 19, levou as principais aldeia do Xingu a cumprir ritos de luto em solidariedade à sua família. Muitos autores do dossiê conviveram com Aritana Yawalapíti e puderam testemunhar os “modos elegantes” e o “extraordinário senso de responsabilidade” com que ele conduzia a vida política e ritual do Alto Xingu.
O dossiê ressalta ainda, a partida de Aritana, lembrando que evita “enfatizar a tristeza, esperando que os estudos que seguem sejam gestos de compromisso continuado dos pesquisadores que atuam na região com a lição xinguana de se restabelecer regularmente a força da vida.”
A segunda parte do dossiê será publicada no volume 18, número 3, setembro – dezembro 2023, do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas.
Referências
COELHO, V.P. (org.) Karl von den Steinen: um século de Antropologia no Xingu. São Paulo: Edusp, 1993.
FRANCHETTO, B. and HECKENBERGER, M. (orgs.) Os povos do Alto Xingu: história e cultura. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2001.
Para ler os artigos, acesse
ALMEIDA, J.C. Esboço biográfico de Aritana Yawalapíti: a formação de um chefe prototípico. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum. [online]. 2023, vol. 18, no 1, e20220023 [viewed 22 May 2023]. http://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2022-0023. Available from: https://www.scielo.br/j/bgoeldi/a/wbB8fb5sn4Mmf88wFrZptdQ/
BARCELOS NETO, A. and VALENTINI, L. Introdução ao dossiê “Antropologia, arqueologia e linguística no Alto Xingu”. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum. [online]. 2023, vol. 18, no 1, e20230037 [viewed 22 May 2023]. https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2023-0037. Available from: https://www.scielo.br/j/bgoeldi/a/DXmPfhkr3Stpy5wf8YRrHqt/
COSTA, C.E. A luta esportiva nos rituais pós-funerários: corporalidade, chefia e disputa política no Alto Xingu. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum. [online]. 2023, vol. 18, no 1, e20220019 [viewed 22 May 2023]. http://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2022-0019. Available from: https://www.scielo.br/j/bgoeldi/a/wDH9gRgvP7tfHGTMmYsFfZH/
HORTA, A. Aqui não é igual aldeia: encontros entre indígenas do Território Indígena do Xingu, na cidade de Canarana, Mato Grosso, Brasil. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum. [online]. 2023, vol. 18, no 1, e20220017 [viewed 22 May 2023]. http://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2022-0017. Available from: https://www.scielo.br/j/bgoeldi/a/CVvSDCpy7BwtZLPZcQzjgRb/
KAMAIURÁ, K. and KAMAYURÁ, M. Arquivo Kamayurá: pesquisa, documentação e transmissão da memória. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum. [online]. 2023, vol. 18, no 1, e20220086 [viewed 22 May 2023]. http://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2022-0086. Available from: https://www.scielo.br/j/bgoeldi/a/hSyxdPvjswVtSCCWTCfb8Yy/
NOVO, M.P. Territórios em expansão: reflexões sobre transformações recentes em uma aldeia Kalapalo. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum. [online]. 2023, vol. 18, no 1, e20220012 [viewed 22 May 2023]. http://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2022-0012. Available from: https://www.scielo.br/j/bgoeldi/a/3hnr5mqJFSmL4NDFHCxRffS/
RODRIGUES-NIU, P.F. and RAMOS, M. Entre o céu e a terra: subsídios para uma Arqueologia de territórios multitemporais altoxinguanos. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum. [online]. 2023, vol. 18, no 1, e20220022 [viewed 22 May 2023]. https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2022-0022. Available from: https://www.scielo.br/j/bgoeldi/a/BxTrG8tPj6XDGjNWDzNGv4z/
Links externos
Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas – BGOELDI: https://www.scielo.br/j/bgoeldi/
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