Gustavo Martins Piccolo, Doutor em Educação Especial, Professor do Departamento de Ciências Humanas da Universidade de Araraquara (UNIARA), Araraquara, SP, Brasil.
O artigo Por que devemos abandonar a ideia de educação inclusiva, publicado no periódico Educação & Sociedade (vol. 44), promove uma revisão crítica do conceito de inclusão, incorporado acriticamente como canto de sereia das sociedades modernas, mas cuja gênese histórica guarda antíteses vinculadas a suposições assimilacionistas, muitas das quais originando processos excludentes às pessoas com deficiência. O texto contesta frontalmente a ideia de que as sociedades, por via de regra, caminharam da exclusão para a inclusão, denunciando os elementos frágeis deste discurso que não se comprova na prática.
O estudo se fundamenta a partir de vasta pesquisa histórica sobre a categoria deficiência em textos filosóficos, sociológicos, antropológicos e religiosos. A pesquisa se desenvolveu por dois anos e teve como finalidade contestar supostos muitas vezes tomados como verdades incontestes, mas que apresentam contradições perceptíveis no campo da prática, sendo a ideia de inclusão certamente um destes conceitos ao ser anunciada pela modernidade como angular no forjar de uma sociedade plural e, concomitantemente, ostentar uma série de relações que não contestam o atual estado de coisas fundado sob uma lógica capacitista.
No universo cotidiano e nas escolas regulares temos percebido que a tão propalada inclusão carece de avanços significativos na prática, posto que temos presenciado diversos sujeitos que se encontram alocados nas mais variadas geografias sociais, contudo, não fazem parte do complexo de relações característicos daquele universo.
Nesse sentido, a ideia de acessibilidade apresenta diversos ganhos, inclusive históricos, pois pressupõe como ponto de partida a transformação das estruturas e relações de forma a promover uma participação que busca ser paritária em todas as dimensões e que, no caso escolar, objetiva ao fundo e fim a apropriação por todos os sujeitos dos saberes historicamente acumulados pela humanidade e o enriquecimento de cada um pelo caráter interferente desta relação sobre o desenvolvimento humano. A partir desta objetivação, esperamos batalhar quanto à configuração de espaços e relações nos quais as formas e funções dos corpos não entrem em conflito com as formas do mundo.
O estudo estimulará novas formas de pensar e analisar a ideia de inclusão, na medida em que aponta contradições internas e contesta sua utilização irrefletida a partir de um prisma desenhado pela própria modernidade para explicar a si mesma. Assim, um efeito direto do texto se traduz na visualização deste conceito como atendendo uma lógica não necessariamente libertária como ordinariamente se supôs. Um bom exemplo, neste sentido, pode ser encontrado na crítica manifestada por Bauman (2001) aos processos de normalização desenvolvidos no seio do capitalismo os quais derivaram no apagamento de diferenças tida como desvios.
Para tecimento desta análise, o autor se vale de uma analogia criada originalmente por Lévi-Strauss (2001) mediante a utilização dos termos antropoêmico e antropofágico, entendendo que, no ato de normalização, as estratégias antropoêmicas objetivavam o exílio daqueles definidos como outros, enquanto no esquema antropofágico se intuía a suspensão total desta alteridade, tomada como de menor valia. Segregar e, posteriormente, refazer àquele tido como outro a imagem pretendida por um abstrato conceito de norma constituem polos mediante os quais a modernidade configurou sua resposta política à deficiência, adjetivando aludida experiência em termos de invalidação e contrariedade ao corpo desejado.
Ademais, as teses abertas nesse texto permitem pensar a relação entre deficiência e sociedade de maneira original e antitética ao princípio escalar que tomava como verdade que as sociedades caminharam da exclusão para a inclusão. Com esta análise histórica e situada esperamos contribuir para que se possa visualizar na experiência da deficiência uma complexa cultura que amplia as possibilidades de objetivação humana; em vista disso, não basta somente aceitar as pessoas com deficiência nas mais variadas geografias sociais; é preciso transformar estes espaços a partir destas corporalidades.
A seguir, assista ao vídeo de Gustavo Martins Piccolo ampliando a discussão e o ponto de vista sobre a educação inclusiva.
Referências
BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
LÉVI-STRAUSS, C. Tristes trópicos. Lisboa: Ed. 70; São Paulo: Martins Fontes, 1981.
Para ler o artigo, acesse
PICCOLO, G.M. Por que devemos abandonar a ideia de educação inclusiva. Educ. Soc. [online]. 2023, vol. 44, e260386 [viewed 25 May 2023]. https://doi.org/10.1590/ES.260386. Available from: https://www.scielo.br/j/es/a/ywPj7Z3kdhmL5PLtQhN63hv/
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