Experiências de jovens periféricos nos espaços da casa e da cidade na pandemia de COVID-19

Mariana Tornelli de Almeida Cunha, Psicóloga, psicodramatista didata, Instituto Mineiro de Psicodrama, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. 

Érico Douglas Vieira, Psicólogo, Especialista em Psicodrama, Mestre e Doutor em Psicologia, Universidade Federal de Jataí, Jataí, Goiás, Brasil. 

Logo da Revista Brasileira de Psicodrama

O artigo A cidade, palco de tensões e ocupações criativas no espaço: experiências de jovens moradores de periferias, publicado pela Revista Brasileira de Psicodrama (vol. 31, 2023), buscou compreender, por meio de um sociodrama e de entrevistas, como um grupo de jovens vivenciavam os espaços de casa e da cidade, antes e durante a pandemia de COVID-19. A partir dos conceitos do Psicodrama, foram mapeados os usos e sentidos atribuídos a esses espaços. Desta forma, foi possível perceber o entrelaçamento de lógicas espaciais e sociais, ou seja, a maneira como se ocupa a cidade indica tanto mecanismos estruturais de opressão e repressão quanto experiências coletivas de resistência permeadas pela espontaneidade criadora, presença ativa na realidade, processo que pode ser coletivo e reflexivo (VIEIRA, 2017).  

O estudo mostra um sociodrama realizado em 2019 com a presença de 15 jovens incluídos em um programa de formação profissional cujo foco foi conhecer suas relações com a cidade pesquisada e ampliar o diálogo sobre estas relações. Posteriormente, em 2020, durante a pandemia de COVID-19, foram realizadas sete entrevistas com alguns desses jovens – e outros indicados por eles, com o intuito de investigar os significados tecidos sobre a vivência nos espaços da cidade, tanto comunitários quanto domésticos, nesse contexto.

As informações e histórias compartilhadas pelos entrevistados e as cenas dramatizadas no sociodrama trouxeram à tona dinâmicas de exclusão e de resistências vividas pelos participantes na cidade, com seus atravessamentos históricos, políticos e sociais. Para os jovens periféricos, a cidade é um espaço de festa e de bons encontros, onde podem se expressar e se relacionar. No entanto, as intervenções policiais hostis servem como formas de manutenção dos ganhos materiais da elite e dos privilégios da classe média e da branquitude: existem espaços na cidade que estariam interditados para as camadas populares.

Nas entrevistas, a experiência na periferia foi o ponto de partida em comum, revelando fronteiras ora mais rígidas, ora mais fluidas entre espaços comunitários e domésticos, periféricos e centrais. Os laços de intimidade e de pertencimento são tecidos para além do restrito espaço doméstico, produzindo uma extensão da casa. Foram compartilhados significados de que a casa onde se habita e se pode ficar à vontade seria toda a comunidade. 

Desenho de pessoas fazendo atividades físicas em um parque.

Imagem: Freepik.

Essa experiência de casa-comunidade representou uma vivência coletiva e ampliada de cuidado e acolhimento. Por outro lado, esta ampliação trouxe medo de contaminação pelo vírus durante a pandemia, por implicar a percepção de que no bairro não seria necessário dispor de medidas de proteção.

O espaço comunitário, seja vivido em um sociodrama, seja nos encontros entre os jovens na praça, pode representar possibilidades de questionamento de imaginários desqualificadores que perpetuam a desigualdade no Brasil. Para Moreno (2008, p. 143), a “espontaneidade produtiva popular”, seria a força revolucionária de um grupo que impele a mudanças que desafiam a ordem vigente. 

As forças espontâneas e criativas da comunidade podem produzir outras formas de sensibilidade que escapem aos olhares de desprezo provenientes dos preconceitos racistas e classistas. A ideia da casa-comunidade, trazida pelos jovens, pode representar um antídoto comunitário em relação à versão atual do capitalismo: o neoliberalismo.

 A Socionomia pode oferecer ferramentas para conhecer as relações entre espaço e subjetividade que articulem experiências subjetivas, sociais e históricas. Pode acolher sofrimentos e suscitar processos de transformação por meio de processos espontâneos criadores. Destaca-se a possibilidade da utilização da epistemologia psicodramática como referencial analítico para a compreensão dos processos intersubjetivos e sociais, bem como a potência do trabalho em contextos coletivos com grupos subalternizados, vocação originária do psicodrama com seu compromisso social.

A seguir, ouça o podcast de Mariana Tornelli de Almeida Cunha, trazendo outras informações sobre como jovens periféricos enfrentaram a pandemia de COVID-19 do ponto de vista casa/cidade. 

Referências

MORENO, J. L. Quem sobreviverá?: fundamentos da sociometria, da psicoterapia de grupo e do sociodrama. São Paulo: Daimon, 2008.

VIEIRA, É. D. O psicodrama e a pós-modernidade: espontaneidade como via de resistência aos poderes vigentes. Revista Brasileira de Psicodrama [online]. 2017, vol. 25, no. 1, pp. 59-67. e-ISSN: 2318-0498 [viewed 27 October 2023]. https://doi.org/10.15329/2318-0498.20170007. Available from: https://revbraspsicodrama.org.br/rbp/article/view/164 

Para ler o artigo, acesse

CUNHA, M.T. de A., and VIEIRA, É. D. A cidade, palco de tensões e ocupações criativas no espaço: experiências de jovens moradores de periferias. Revista Brasileira De Psicodrama [online]. 2023, vol. 31, e1423. e-ISSN: 2318-0498 [viewed 27 October 2023]. https://doi.org/10.1590/psicodrama.v31.616. Available from: https://www.scielo.br/j/psicodrama/a/Tyg6q4qz5FzPTgR4qXpP3gs/

Links externos

Revista Brasileira de Psicodrama – PSICODRAMA: https://www.scielo.br/j/psicodrama/

Revista Brasileira de Psicodrama: https://www.revbraspsicodrama.org.br/rbp

Revista Brasileira de Psicodrama – Instagram: https://instagram.com/revistabraspsicodrama

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

CUNHA, M.T.A. and VIEIRA, É.D. Experiências de jovens periféricos nos espaços da casa e da cidade na pandemia de COVID-19 [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2023 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2023/10/27/experiencias-de-jovens-perifericos-nos-espacos-da-casa-e-da-cidade-na-pandemia-de-covid-19/

 

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