Júlia Almeida Calazans, Pesquisadora do Centre d’Estudis Demogràfics (CED), Barcelona, Espanha.
Raphael Guimarães, Professor da Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Fiocruz/Ensp), Rio de Janeiro-RJ, Brasil.
Marília R. Nepomuceno, Pesquisadora do Max Planck Institute for Demographic Research (MPIDR), Rostock, Alemanha.
Ao longo das últimas décadas, o Brasil vem passando por um processo de reduções contínuas dos níveis gerais de mortalidade, em paralelo a uma mudança progressiva no perfil de mortalidade por idade e causa de óbito. O país vem, portanto, experimentando, ainda que não linearmente, mudanças no padrão de mortalidade, marcadas por um declínio acentuado da mortalidade infantil por doenças infectocontagiosas e outras causas preveníveis, acompanhadas pelo aumento da participação das doenças não transmissíveis sobre a mortalidade total, especialmente entre adultos e idosos.
Essas mudanças no perfil de morbimortalidade não ocorrem de forma homogênea entre as diversas regiões brasileiras, de modo que o processo de transição epidemiológica no país é marcado por uma série de ciclos de convergências e divergências regionais (VALLIN; MESLÉ, 2004; BORGES, 2017). Embora as regiões menos desenvolvidas também avancem progressivamente no processo de transição epidemiológica, o avanço é mais lento e tardio do que nas regiões mais desenvolvidas do país, em decorrência da pobreza, das condições de vida mais precárias e de um menor acesso a serviços públicos de saúde.
Ainda que a esperança de vida seja o indicador mais comumente utilizado na análise das desigualdades regionais no Brasil, ela não reflete certas especificidades da mortalidade, como a distribuição dos óbitos por idade. A esse respeito, as teorias clássicas de transição de saúde sugerem que a redução do nível de mortalidade de uma população é frequentemente acompanhada por uma concentração de mortes em torno de idades cada vez mais avançadas (WILMOTH; HORIUCHI, 1999; CANUDAS-ROMO, 2008).
No Brasil, alguns estudos já analisaram os diferenciais regionais por meio da distribuição da idade à morte, a partir de diferentes tipos de indicadores, como a distância interquartílica da idade à morte, o menor intervalo em que ocorre a concentração de 50% dos óbitos, o desvio-padrão da idade à morte e a idade modal (GONZAGA; QUEIROZ; MACHADO, 2007; GONZAGA; COSTA, 2016; GONZAGA; QUEIROZ; DE LIMA, 2017; PINHEIRO; QUEIROZ, 2018). Contudo, ainda há poucas evidências na literatura sobre o papel das causas de óbito sobre as desigualdades regionais a partir de outros indicadores, para além da esperança de vida.
Levando isso em consideração, o artigo Diferenciais regionais da mortalidade no Brasil: contribuição dos grupos etários e de causas de óbito sobre a variação da esperança de vida e da dispersão da idade à morte entre 2008 e 2018 se propôs a analisar a contribuição de grupos de causas de óbito sobre as mudanças na esperança de vida ao nascer e na dispersão da idade à morte no Brasil e grandes regiões, entre 2008 e 2018. A análise foi realizada pelos pesquisadores Júlia Almeida Calazans (Centre d’Estudis Demogràfics) Raphael Guimarães (Fundação Oswaldo Cruz) e Marília Nepomuceno (Max Planck Institute for Demographic Research).
Entre 2008 e 2018, o Brasil avançou de forma acelerada no processo de transição da mortalidade, de tal forma que se podem notar aumentos significativos na esperança de vida ao nascer, acompanhados por uma redução da dispersão da idade à morte no país. Essas mudanças são consequência direta do avanço das políticas públicas (SEVALHO, 2022), incluindo não apenas aquelas de transferência de renda – que reduzem a pobreza e a desigualdade socioeconômica, levando a melhorias consideráveis na saúde da população –, mas também as políticas públicas em saúde e a expansão do programa de saúde primária do Brasil, que desencadearam significativas reduções na mortalidade (ATUN et al., 2015).
No entanto, é possível observar um aumento das desigualdades regionais na esperança de vida ao nascer e uma relativa estabilidade das desigualdades regionais na variabilidade da idade à morte. Entre 2008 e 2018, o Nordeste avançou de forma mais acelerada no processo de transição da mortalidade, tornando-se mais próximo das regiões Sul e Sudeste. Por outro lado, o Norte ainda apresenta um ritmo de transição mais lento, mantendo-se distante das demais regiões.
A redução da mortalidade por doenças do aparelho circulatório é a principal determinante dos ganhos na esperança de vida, mas leva a um aumento das desigualdades regionais, uma vez que as regiões com as maiores esperanças de vida (Sul e Sudeste) apresentam os maiores incrementos.
Em contrapartida, a redução da mortalidade por doenças do aparelho circulatório contribui para um ligeiro aumento na dispersão da idade à morte, resultando em um aumento da participação nos grupos etários mais jovens, com exceção da região Norte. O declínio da mortalidade dos demais grupos de doenças crônicas analisados contribui para a ampliação dos diferenciais regionais na esperança de vida e à diminuição das diferenças regionais na dispersão da idade à morte.
A queda da mortalidade por causas externas, especialmente entre os homens de 15 a 35 anos, levou a um decréscimo da dispersão da idade à morte, mas contribuiu para um aumento dos diferenciais regionais, já que os ganhos são expressivamente maiores para o Sul e Sudeste. Por fim, a queda da mortalidade por doenças infecciosas, gravidez, parto e puerpério, afecções no período perinatal repercute mais sobre a redução da dispersão da idade à morte nas regiões Norte e Nordeste, levando a uma redução das desigualdades regionais.
A grande contribuição desse trabalho é olhar para os diferenciais regionais em mortalidade não apenas em termos de esperança de vida, mas também considerando a variabilidade da idade à morte como um indicador complementar nos estudos dos diferenciais regionais de mortalidade no Brasil. Considerando que uma maior variabilidade da idade à morte também pode ser interpretada, no nível individual, como uma maior incerteza sobre a idade à morte (WILMOTH; HORIUCHI, 1999; VAN RAALTE; SASSON; MARTIKAINEN, 2018), ações de saúde pública em âmbito nacional podem impactar as regiões brasileiras de maneira distinta.
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Referências
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Para ler o artigo, acesse
CALAZANS, J.A., GUIMARÃES, R. and NEPOMUCENO, M.R. Diferenciais regionais da mortalidade no Brasil: contribuição dos grupos etários e de causas de óbito sobre a variação da esperança de vida e da dispersão da idade à morte entre 2008 e 2018. Revista Brasileira de Estudos de População, 2023, vol. 40, e0244 [viewed 29 November 2023]. https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0244. Available from: https://www.scielo.br/j/rbepop/a/whYGB9rjGDJBrr6LZy64ymD/
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