Inovações educativas de José Veríssimo contribuíram para o desenvolvimento do ensino paraense

Felipe Tavares de Moraes, Professor do Magistério Superior, Universidade Federal do Oeste do Pará, PA, Brasil. 

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O estudo “Um Grande Operario da Civilisação Futura dos Povos da Amazonia”: José Veríssimo (1857-1916) e o Collegio Americano (1881-1890), conduzido por meio de uma pesquisa documental em jornais e documentos da época, investigou a implementação de inovações educativas no Collegio Americano da Província do Grão-Pará, durante o final do século XIX, analisando como as reformas educacionais propostas pelo então diretor da instituição privada, José Veríssimo, se relacionavam com o contexto político daquele período. A pesquisa evidencia justamente a dimensão política da experiência educacional de Veríssimo em um período de disputa entre a “tradição imperial” e a “política científica” no Brasil. Os resultados destacaram a influência da educação laica e moderna na atual região amazônica do Brasil, além dos debates intensos que surgiram em torno dessas mudanças. 

As inovações educativas promovidas por Veríssimo no Collegio Americano desafiaram os princípios tradicionais da educação confessional e erudita defendidos pelas figuras proeminentes da “tradição imperial”, como Dom Macedo Costa e Cônego Siqueira Mendes. Enquanto estes líderes políticos e educacionais apoiavam uma educação baseada na religião católica e na manutenção da ordem social, Veríssimo defendia uma abordagem laica e moderna, buscando formar cidadãos intelectualmente, moralmente e fisicamente preparados.

A “tradição imperial” e a “política científica” eram as forças políticas que disputavam a leitura do processo de modernização pelo qual o país passava na década de 1870 e 1880. Por um lado, a “tradição imperial” consistia em uma perspectiva católica e conservadora que legitimava a desigualdade social – sobretudo, a escravidão – e que contribuiu para a construção do Estado Imperial. Por outro lado, a “política científica” representou a apropriação das teorias cientificistas (evolucionismo cultural, positivismo, darwinismo social etc.) para a reforma social e política do Estado Imperial. 

Fotografia de época, em preto e branco, de José Veríssimo, um homem com barba, usando terno, com texto manuscrito na parte inferior.

Imagem: Acervo de Felipe Tavares de Moraes.

Na Província do Pará, a “tradição imperial” estava representada na atuação educacional e política de Dom Macedo Costa e Cônego Siqueira Mendes. Em função de ações caritativas destinada à infância desvalida, Dom Macedo Costa considerava que a educação deveria ser oferecida conforme o sexo: meninas aprenderiam prendas domésticas e meninos ofícios na agricultura sob o comando dos preceitos da religião católica. 

Para Cônego Siqueira Mendes, enquanto presidente da Assembleia Provincial, a religião católica consistia no firme fundamento da civilização. Em razão disso, deveria ser um dos preceitos fundamentais da educação – o que defendia respaldado no artigo 5º da Constituição do Império que tratava sobre a religião do Estado. Ambos defendiam uma educação tradicional, confessional e erudita. 

Por outro lado, as inovações educativas de José Veríssimo estavam pautadas na perspectiva da “política científica” de uma educação laica, científica e autointitulada como moderna. Nesse sentido, o programa educativo do Collegio Americano, entre 1884 e 1890, tinha uma clara inclinação reformista ao considerar a educação como formação integral. 

O lema da escola era “formar o homem bom, forte e instruído”. Isto ficava demonstrado na organização curricular que incluía história e geografia no ensino primário; introduzia a laicidade no ensino; promovia a coeducação de meninos e meninas; e incentivava a educação física – além da tentativa de implementar o jardim de infância, o Kindergarden, conforme modelo europeu. Tais inovações contestavam frontalmente os princípios rotulados como “tradicionais”, confessionais e eruditos da educação na perspectiva da “tradição imperial”. 

Tal programa educativo reformista não passou sem críticas. O embate entre estas diferentes perspectivas ficou evidente na chamada “Questão Veríssimo e Saraiva”, um debate público entre Veríssimo e João Saraiva, diretor do Collegio Franco-Brazileiro, que refletiu as visões antagônicas sobre o futuro da educação na região. O debate ocorreu entre novembro e dezembro de 1885, nas páginas do jornal “Diário de Belém”. 

Fotografia de um documento de época sobre o Collegio Americano, dirigido por José Veríssimo.

Imagem: Acervo de Felipe Tavares de Moraes.

O que estava em jogo neste conflito era a legitimidade das inovações educativas realizadas por Veríssimo no Collegio Americano. Tanto Saraiva quanto Veríssimo, ao defenderem suas posições políticas, procuravam formar a opinião pública paraense sobre a necessidade (ou não) daquelas reformas educativas. E, mais especificamente, desejavam influenciar a opinião das famílias, pois, afinal, eram duas escolas particulares em concorrência. 

O debate não ficou restrito a Veríssimo e a Saraiva, uma vez que os pais dos alunos do Collegio Americano escreveram um abaixo-assinado defendendo a reabertura da escola e depondo favoravelmente em defesa do seu diretor, quando a instituição foi fechada por supostamente ferir o decoro do espaço público à época. Ainda em 1888, o diretor da Instrução Pública, Raymundo Nina Ribeiro, escreveu uma carta ao jornal “O Liberal do Pará” congratulando o diretor do Collegio Americano, ao considerá-lo “um grande operario da civilisação futura dos povos da amazonia” – demonstrando a legitimidade conquistada por Veríssimo na opinião pública paraense. Por isso, o título serviu de mote a este artigo. 

A pesquisa utilizou-se de diversos documentos históricos, tais como a “Noticia Geral do Collegio Americano” e os jornais “O Liberal do Pará”, “Diário de Belém” e “A Constituição”, para analisar a experiência educacional de José Veríssimo à frente do Collegio Americano. Outros estudos acadêmicos também investigaram a atuação de José Veríssimo no Collegio Americano, ressaltando as inovações educativas realizadas em nome da educação moderna. Por pedagogia moderna entendia-se a defesa, por exemplo, da laicidade do ensino, do método intuitivo para um ensino mais prático e a introdução da educação física. 

No entanto, estes estudos não evidenciaram como tais inovações pedagógicas dialogavam com o contexto político na Província do Pará. Em outras palavras, não apontaram para a dimensão política da experiência educativa de José Veríssimo como diretor do Collegio Americano. Assim, esta é a principal contribuição do trabalho mencionado para os estudos no campo da História da Educação e História Intelectual na Amazônia e no Brasil. 

Os resultados da pesquisa estão reunidos no artigo publicado na Revista Brasileira de História da Educação (vol. 24, 2024).

Para ler o artigo, acesse

MORAES, F.T. “Um grande operario da civilisação futura dos povos da Amazonia” José Veríssimo (1857-1916) e o Collegio Americano (1881-1890). Revista Brasileira De História Da Educação [online]. 202424, no. 1, e317 [viewed 12 June 2024]. https://doi.org/10.4025/rbhe.v24.2024.e317. Available from: https://www.scielo.br/j/rbhe/a/55XjjNC4HRxvw5JNDZG9jSm/  

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MORAES, F.T. Inovações educativas de José Veríssimo contribuíram para o desenvolvimento do ensino paraense [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2024 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2024/06/12/inovacoes-educativas-de-jose-verissimo-contribuiram-para-o-desenvolvimento-do-ensino-paraense/

 

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