Comparação entre currículos críticos e pós-críticos na Educação Física

Rubens Antonio Gurgel Vieira, Doutor em Currículo pela Faculdade de Educação da Universidade de Campinas (FE/Unicamp), Professor Adjunto do Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Lavras, Lavras, MG, Brasil.

Pedro Xavier Russo Bonetto, Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP), Professor Adjunto da Escola Superior de Educação Física da Universidade de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.

Clayton Cesar de Oliveira Borges, Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP), Professor formador do curso de Licenciatura em Pedagogia EAD da UFSCar, Sorocaba, SP, Brasil.

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A partir da segunda metade dos anos 2000, irrompe uma perspectiva curricular no campo da Educação Física conhecida como pós-crítica. Em linhas muito gerais, pode ser compreendida como um dispositivo pedagógico que visa, entre outros, à ampliação do repertório cultural corporal dos estudantes. Some-se a isso que, a despeito da variedade de campos epistemológicos que a inspira, possui como ponto em comum uma prática educativa que afirma e valoriza as diferenças. 

Dada essa condição de emergência, alguns enfrentamentos teóricos – que, em alguma medida, já se apresentavam no âmbito das teorias críticas do componente – tornaram-se inevitáveis. Na maioria das vezes, trata-se de conflitos absolutamente legítimos que ocorrem em virtude do embate teórico entre filiações epistemológicas distintas.

Visando explorar essa temática, o artigo intitulado O conceito de currículo pós-crítico na educação física: uma análise geofilosófica, recentemente publicado no periódico Educação em Revista (vol. 40, 2024), objetivou, pois, marcar alguns possíveis distanciamentos entre as teorias do currículo críticas e pós-críticas da Educação Física, bem como problematizar o conceito de pós-criticidade nos usos curriculares no campo da Educação Física escolar e, assim, sinalizar alguns de seus possíveis efeitos.

Metodologicamente, o estudo em pauta se inspirou na geofilosofia de Deleuze e Guattari, que implica um duplo exercício intelectual, baseado nos conceitos de territorialização e desterritorialização. À vista disso e a partir de uma análise geofilosófica, não é impossível notar que as propostas críticas e pós-críticas da Educação Física se tratam de concepções distintas de conhecimento, sujeito, corpo, linguagem, ciência e função social. 

Importa destacar que a pluralidade epistemológica é bastante presente no campo da Educação Física, em que coexistem propostas pedagógicas distintas, com enfoques de atuação e encaminhamentos didáticos próprios. Assim, teorias críticas e teorias pós-críticas são categorias que levam a estratégias políticas distanciadas, ainda que algumas pautas, sobretudo as de caráter macro, articulem-se. O resultado das trilhas epistemológicas no campo curricular também é inequívoco: trata-se de apostas diferenciadas, perspectivas diferentes, teleologias distintas, estratégias afastadas.

Não obstante, em que pesem as discrepâncias epistemológicas e consequentes estratégias diferenciadas, teorizações críticas e pós-críticas miram alvos semelhantes, conforme supracitado. É por essa via que é possível pensar os currículos da Educação Física que buscam enfrentar as condições hegemônicas da contemporaneidade, seja pela ótica crítica, seja pela pós-crítica, como currículos minoritários, que visam resistir a partir da molecularidade da diferença aos autoritarismos capitalistas, conforme aponta Vieira (2022).

Não se pode ignorar que as apropriações em torno do conceito pós-crítico são parte de movimentações imanentes de um campo em processo, em um ritmo típico da academia. Entende-se, portanto, que importantes produções de curriculistas pós-críticos/pós-estruturalistas ainda estão gerando reverberações, mesmo que boa parte delas seja para superar certos elementos. Poder-se-ia dizer que a mesma processualidade se aplica ao campo da Educação Física. Ramificando-se como rizoma, em que novas teorizações ampliam as formas de olhar para o cotidiano escolar. 

Não se defende, assim, oposição radical e negação da comunicação entre as classificações denominadas como teorias críticas e pós-críticas. Com efeito, a diferença é que, distante da concepção de que “é tudo a mesma coisa”, o estudo em questão defende a ideia de que cada proposta curricular é uma multiplicidade de pensamentos que se aproximam ou se afastam na consecução de um projeto em comum: a luta contra as forças homogeneizantes da sociedade capitalista.

Sob tal ponto de vista, os autores deste estudo apresentam uma reflexão importante: que estratégias devem adotar aqueles e aquelas que engajam em determinada concepção crítica ou pós-crítica? Buscar as aproximações via debate acadêmico, em discussões rigorosamente bem fundamentadas em seus respectivos campos, ou buscar um pensamento de trincheira que se feche em suas proposições? Ressalte-se, pois, que, mesmo as proposições que se classificam como críticas possuem distinções relevantes e significativas, de modo que a resposta a essa questão não é relevante somente para a dicotomia crítico/pós-crítico.

Diante disso, talvez a geofilosofia apresente uma possibilidade mais interessante do que simplesmente julgar a (im)pertinência do conceito, pois não se buscarão sínteses dialéticas, mas a constante movimentação do pensar filosófico diante da imanência dos problemas; em comum, a vontade de colocar em ações forças que refutem a violência do mundo. Nesse sentido, os currículos minoritários, sejam eles críticos ou pós-críticos, são multiplicidades compostas de maneiras infindáveis, aproximando-se ou não uns dos outros na busca por uma micropolítica no chão da escola. 

Oxalá, um dia, ganharemos força na criação de uma sociedade melhor, independentemente de como a nomeiem. A estratégia, de forma inequívoca, é a criação incessante – muito distante de posicionamentos intransigentes que perdem de vista o que temos a perder.

A seguir, convidamos você, caro leitor, a assistir ao vídeo de Rubens Antonio Gurgel Vieira, ampliando a discussão.

Referências

DELEUZE, G. and GUATTARI, F. O que é a filosofia? 3. ed. São Paulo: Editora 34, 2010.

GALLO, S.D.O. Deleuze e a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

VIEIRA, R A.G. Educação física menor. Jundiaí: Paco, 2022.

Para ler o artigo, acesse

VIEIRA, R.A., BONETTO, P.X.R. and BORGES, C.C.O. O conceito de currículo pós-crítico na educação física: uma análise geofilosófica. Educação em Revista [online]. 2024, vol. 40, e40342 [viewed 20 August 2024]. https://doi.org/10.1590/0102-469840342. Available from: https://www.scielo.br/j/edur/a/7Cmc9j3hZGDVw65s9Lz4g8P/ 

Links externos

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Como citar este post [ISO 690/2010]:

BONETTO, P.X.R., BORGES, C.C.O. and VIEIRA, R.A.G. Comparação entre currículos críticos e pós-críticos na Educação Física [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2024 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2024/08/20/comparacao-entre-curriculos-criticos-e-pos-criticos-na-educacao-fisica/

 

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