Felipe Moralles e Moraes, Doutor em Filosofia, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC, Brasil
Rawls e Habermas estão entre os principais filósofos políticos da segunda metade do século XX, sendo bastante conhecidos por seus modelos normativos de justiça e democracia. Embora o debate entre eles tenha iniciado ainda em meados da década de 90 e já tenha sido largamente explorado pela literatura filosófica, o artigo Pensamento não-metafísico ou pós-metafísico? A controvérsia de Rawls e Habermas sobre o realismo político, recentemente publicado na Trans/Form/Ação (vol. 47, no. 6, 2024), seleciona um aspecto especialmente delicado para a teoria política contemporânea: a relação entre realidade e normatividade.
O objetivo mais geral da publicação é contribuir para uma teoria política que seja capaz de lidar com o pluralismo radical das sociedades contemporâneas sem cair em moralismo idealista, nem regredir a um conservadorismo cínico. As referências utilizadas são nacionais e internacionais, tanto clássicas como atuais, o que oferece um balanço sobre a repercussão da discussão nos últimos anos. A atualidade da proposta do artigo é defender a abordagem pós-metafísica não só a partir de argumentos habermasianos e da bibliografia secundária, mas também de uma interpretação filosófica própria: uma teoria crítica da injustiça.
Tanto Rawls quanto Habermas partem do realismo político, isto é, do caráter conflituoso da sociedade moderna. Ambos aceitam o desafio da (pós-)modernidade e do pluralismo das formas de vida. Eles divergem em como tratar desses conflitos dentro da filosofia política. Rawls defende que a teoria política adquire mais realismo e objetividade quando se abstém de se pronunciar sobre teorias metafísicas (não-metafísica). Habermas argumenta que o realismo surge quando a teoria política embate com teorias metafísicas e prioriza a práxis sobre a metafísica (pós-metafísica). A primeira abordagem remove questões sem possibilidade de solução racional da agenda político-constitucional, a segunda busca eliminar as barreiras à resolução razoável dos conflitos por meio de procedimentos deliberativos.
Para se posicionar nesse debate, o artigo estrutura-se a partir das objeções de Rawls à teoria de Habermas, a saber: (1) ao conteúdo metafísico da teoria da razão comunicativa; (2) à falta de interesse prático da teoria crítica da sociedade; e (3) à instabilidade dos fundamentos da teoria democrática deliberativa.
Em primeiro lugar, Rawls acusa a teoria de Habermas de um conteúdo metafísico excessivo, seja por questionar certas relações entre razão e mundo, seja por confiar em uma razão universal imanente às práticas comunicativas. Sucintamente, Habermas responde que não seria possível sustentar a separação entre metafísica e política sugerida pelo liberalismo rawlsiano, sob pena de esvaziar o conteúdo cognitivo da teoria política e de não conseguir enfrentar as visões de mundo irrazoáveis.
Em segundo lugar, Rawls critica a abordagem de Habermas pela falta de um princípio orientador capaz de ser aplicado em contextos políticos reais e, consequentemente, de não ter um interesse prático claro. A contribuição inovadora do artigo é mostrar o equívoco na leitura mais difundida da teoria habermasiana como uma teoria consensual da justiça, em vez de uma teoria crítica da injustiça. A acusação de falta de orientação prática pode ser superada se enfatizado o momento negativo nas práticas comunicativas. A finalidade primeira da justiça é conferir aos cidadãos as condições para um exercício igual do poder comunicativo, para que eles possam rejeitar, questionar e restabelecer livremente as regras de cooperação social.
Em terceiro lugar, Rawls aponta que os fundamentos da teoria democrática de Habermas são instáveis, devido à obrigação de considerar igualmente os interesses de todos os envolvidos. A exigência tornaria irrealista a perspectiva de uma sociedade justa e estável. Porém, é possível recolher, na obra do filósofo alemão, os limites hermenêuticos, pragmáticos e jurídicos das discussões, os quais são capazes de conferir estabilidade às instituições justas.
A conclusão do artigo é que a abordagem pós-metafísica da teoria política oferece uma perspectiva mais realista para defender a primazia da justiça contra instituições, valores e visões de mundo irrazoáveis.
Para ler o artigo, acesse
Moraes, F.M. Pensamento não-metafísico ou pós-metafísico? A controvérsia de Rawls e Habermas sobre o realismo político. Trans/Form/Ação [online]. 2024, vol. 47, no. 6, e02400243 [viewed 29 October 2024]. https://doi.org/10.1590/0101-3173.2024.v47.n6.e02400243. Available from: https://www.scielo.br/j/trans/a/NgjSH3TdRj7sXyKDCWJb7zH/
Referências
FINLAYSON, J. G. The Habermas-Rawls debate. New York: Columbia University, 2019.
HABERMAS, J. A nova obscuridade: pequenos escritos políticos V. Trad. Luiz Repa. São Paulo: Unesp, 2015.
RAWLS, J. Reply to Habermas. In: RAWLS, J. Political liberalism. Expanded edition. New York: Columbia University, 2005b. p. 372-434.
WERLE, D. L. Justiça e democracia: ensaios sobre John Rawls e Jürgen Habermas. São Paulo: Esfera Pública, 2008.
Sobre Felipe Moralles e Moraes
É doutor em filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisador na área de filosofia política moderna e contemporânea, com ênfase na teoria crítica da sociedade. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6591-7803.
Como citar este post [ISO 690/2010]:
Últimos comentários