Por uma noção de qualidade educacional que enfrente o avanço do autoritarismo no mundo

Rosa Emilia Moraes, Jornalista Científica para a Linceu Editorial, São José dos Campos, SP, Brasil. 

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A educação é um pilar essencial na construção de uma sociedade verdadeiramente democrática. É através da educação que as crianças, adolescentes, jovens e adultos são preparados para compreender o mundo, formam seus valores e apuram o discernimento, na direção de um pensamento libertador.

A escola e as instituições de ensino são espaços coletivos de aprendizado e desenvolvimento de habilidades sociais, oportunizando a convivência de crianças e jovens para além da esfera familiar, ampliando sua percepção e compreensão da pluralidade social e da realidade histórica e política. Educar, como já dizia Paulo Freire (1992), é em si um ato político.

Mas a descrença da população em relação à política tem contribuído para o avanço de propostas de grupos chamados ultraconservadores, que visam desestruturar políticas de enfrentamento das desigualdades e atacar direitos educativos ao promoverem agendas reacionárias.

Para investigar o quanto essas propostas conservadoras têm de fato o apoio da população, no primeiro semestre de 2022 a pesquisa “Educação, Valores e Direitos” entrevistou mais de duas mil pessoas em 130 municípios de todas as cinco regiões do Brasil (Ação Educativa; Cenpec, 2022). Uma das coordenadoras dessa pesquisa foi a professora Denise Carreira, da Faculdade de Educação da USP.

Analisando os resultados dessa pesquisa, e a forma como se alinham aos dados obtidos por levantamentos similares promovidos por articulações de direitos humanos latino-americanas entre 2022 e 2024 (Brasil, Colômbia, Peru e América Central), a professora destaca em artigo de Apresentação do dossiê O Lugar da Educação no Fortalecimento da Democracia, publicado no periódico Educação & Sociedade (vol. 45, 2024), do qual é organizadora, que é urgente se rever a noção hegemônica de qualidade educacional que pauta os sistemas educacionais, ancorada no gigantismo das avaliações de larga escala, desfavorável ao letramento político-democrático da população.

Fotografia mostrando um grupo de jovens, principalmente mulheres, com cartazes, protestando. Em alguns dos cartazes se lê "Escola em prol da construção de uma sociedade livre!"

Imagem: Fornecida pelo autor.

A autora também destaca a necessidade – para a defesa não somente dos direitos de meninas, mulheres e da população LGBTQIA+, mas da própria democracia – da abordagem da igualdade de gênero, raça e sexualidade na educação, questões silenciadas, manipuladas e sequestradas por movimentos autoritários com objetivo de gerar pânico moral, desinformação, censura, autocensura, perseguição a docentes e desqualificação de agendas progressistas, sobretudo em períodos eleitorais.

Como esforço coletivo de reflexão teórica, o dossiê tem como objetivo compreender a complexidade do fenômeno ultraconservador na educação, suas diversas, transnacionais e mutantes facetas, e as brechas surgidas das contradições e inconsistências apontadas na pesquisa “Educação, Valores e Direitos”, visando chamar a atenção dos sistemas do ensino para a necessidade de uma noção de qualidade educacional comprometida efetivamente com a sustentação  e fortalecimento da democracia e com o letramento político-democrático da população.

As contradições que abrem brechas evidenciam-se pelos resultados da pesquisa “Educação, Valores e Direitos” ao indicar, por exemplo, que enquanto mais da metade dos entrevistados (55,6%) acha que os professores deveriam evitar falar de política em sala de aula, em outra questão, 92,8% acreditam que temas como pobreza e desigualdades – temas essencialmente políticos – devem, sim, ser abordados pelas escolas brasileiras.

Apesar dos ataques ultraconservadores, a pesquisa revelou que a grande maioria da população brasileira é favorável à abordagem de gênero, raça e educação sexual nas escolas e que a adesão às agendas ultraconservadoras é limitada.

O dossiê “O lugar da educação no fortalecimento da democracia” reúne autoras e autores do Brasil, Argentina, Chile e Colômbia, reconhecidos por sua atuação no campo da pesquisa e, em sua maioria, no ativismo em direitos humanos. Em ordem alfabética, são eles: Beatriz Soares Benedito, Breno Barlach, Denise Carreira, Fernanda Moura, Fernando Penna, Gabriela Ardila Biela, Gustavo Paiva, Jaqueline Lima Santos, Joviles Vitório Trevisol, Juan Marco Vaggione, Juliana Martinez, Isadora Castanhedi, Marco Máximo Prado, Maria Teresa Rojas Fabris, Renata Aquino, Romualdo Portela de Oliveira, Roseli Fischmann, Salomão Ximenes, Sonia Côrrea, Suelaine Carneiro e Valentina Gómez.

Para ler o artigo, acesse

CARREIRA, D. Apresentação. Educação & Sociedade [online]. 2024, vol. 45, e280131 [viewed 24 January 2025]. https://doi.org/10.1590/ES.289349_port . Available from: https://www.scielo.br/j/es/a/PT69sYtTRCYq7wLBLYB6ngR/

Para ler o dossiê, acesse

Dossiê O Lugar da Educação no Fortalecimento da Democracia, Educação & Sociedade (vol. 45, 2024)

Referências

FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1992.

Pesquisa Educação, Valores e Direitos – Gênero e educação [online]. Gênero e Educação. 2022 [viewed 24 January 2025]. Available from: https://generoeeducacao.org.br/mude-sua-escola/pesquisa-educacao-valores-e-direitos

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Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP)

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

MORAES, R.E. Por uma noção de qualidade educacional que enfrente o avanço do autoritarismo no mundo [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2025 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2025/01/24/nocao-qualidade-educacional-enfrente-o-avanco-do-autoritarismo/

 

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