Daniela Cunha Blanco, Professora temporária na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Limeira, SP, Brasil.
O artigo Butler e a capacidade de agência dos sujeitos políticos: o debate com Fraser e as influências de Foucault e Derrida, publicado na Trans/Form/Ação, analisa a crítica feita por Fraser a uma suposta incapacidade de agência política de um sujeito pensado enquanto sujeito construído em Butler. Fraser parte da ideia de que, para pensar a agência política dos sujeitos, seria preciso apostar na existência de um horizonte normativo que a perspectiva butleriana de desconstrução das identidades e das subjetividades não apresentaria.
A autora afirma que, por ser inteiramente determinado pelo campo simbólico-cultural, inteiramente construído, o sujeito, em Butler, estaria alijado de sua capacidade de agência política. O debate de Fraser e Butler se insere, assim, não apenas no interior do debate sobre gênero na filosofia, mas, antes, diz respeito ao pensamento da política e das relações de poder de uma maneira mais ampla.
Nesse sentido, argumentamos que para compreender a capacidade de agência política em Butler é preciso, antes de mais nada, analisar a noção de poder que anima seu pensamento. Afinal, pensar em uma capacidade de agência política é refletir sobre as possibilidades de resistência política a um determinado funcionamento do poder. Tomamos partida, portanto, nesse debate, defendendo que a noção de poder em Butler deve ser pensada a partir do modo com que Foucault analisa o poder, qual seja, como um poder positivo, um poder que produz a realidade e as subjetividades, em oposição a um poder repressor. Assim, a capacidade de agência política não pode ser pensada como a de um sujeito que seria anterior ao poder, mas como a de um sujeito que é por ele constituído.
Para o desenvolvimento da reflexão apresentada, mobilizamos os conceitos de poder, subjetividade e de performatividade de gênero de Butler, compreendendo este último como ponto central do deslocamento da agência política para uma capacidade de transformação dos regimes de inteligibilidade que constituem as subjetividades normais e as abjetas.
Traçamos, ainda, um diálogo de Butler com o pensamento em torno do poder e da genealogia em Foucault, bem como com o pensamento da differance de Derrida, cujo modo específico de compreender a diferença como um processo ininterrupto de diferenciação, e não como diferença entre duas identidades, fundamenta a performatividade de gênero em Butler, bem como a compreensão dos movimentos sociais a partir de uma recusa às políticas identitárias.
Mobilizamos, também, as análises de Butler em torno do funcionamento dos movimentos sociais, em especial em suas discussões sobre o regime de inteligibilidade do gênero e sua pressuposta divisão entre sexo e gênero. O debate sobre gênero é compreendido como ponto central a partir do qual Butler opera uma reformulação de todo o campo da política, do poder e da agência política dos sujeitos.
O artigo mostra como Butler (2010) compreende que o gênero constitui as subjetividades a partir da inscrição de códigos culturais nos corpos. O que significa que a construção do regime de inteligibilidade do gênero funciona por processos de repetição dos códigos culturais nele configurados. Sendo assim, a repetição pode variar, deslocando e questionando os binarismos e as hierarquias da heterossexualidade compulsória.
Se o regime de inteligibilidade configura uma ideia de coerência entre sexo, gênero e desejo, trata-se de compreender a incoerência dos códigos e as descontinuidades que são traçadas nos diferentes contextos. A repetição dos códigos pode fazer variar as relações de continuidade, mostrando, na verdade, suas descontinuidades.
Nesse contexto, a ação política não é a ação de um sujeito absoluto, bem como as formas de organização política não são o conjunto desses sujeitos reunidos em torno de uma identidade. A ação deve ser compreendida no interior dessa possibilidade de variação dos códigos por sujeitos que, ao invés de se afirmarem a partir de uma identidade de gênero, performam gênero.
Butler (2010) substitui uma política da diferença que se pensa pela categoria da identidade de gênero por uma que se pensa a partir da performatividade de gênero. O que resulta na ideia de que não existe um sujeito a deliberar por seus atos, mas, sim, que o próprio modo operatório do poder, compreendido a partir da interseccionalidade radical entre forças difusas, é que possibilita o surgimento de fissuras, lacunas e deslocamentos na construção das subjetividades.
A capacidade de agência, assim, não é recusada por Butler, mas sim deslocada para o campo da variação na repetição dos códigos. Variação que, ao ser compreendida como uma política da diferença, assume a incoerência entre sexo, gênero e desejo como um campo aberto para a constituição de uma relacionalidade que assume os limites de qualquer ideia de identidade.
Para ler o artigo, acesse
BLANCO, C.D. Butler e a capacidade de agência dos sujeitos políticos: o debate com Fraser e as influências de Foucault e Derrida. Trans/Form/Ação [online]. 2024, vol. 47, no. 2, e02400286 [viewed 03 February 2025]. https://doi.org/10.1590/0101-3173.2024.v47.n2.e02400286. Available from: https://www.scielo.br/j/trans/a/5Grtw3wdYfTHkBjwLBh9JCb/?lang=pt
Referências
BUTLER, J. Corpos que importam: os limites discursivos do “sexo”. São Paulo: N-1 Edições, 2019.
BUTLER, J. Fundações contingentes: feminismo e a questão do “pós-modernismo”. Campinas: Cadernos Pagu, 2013.
BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janiero: Civilização Brasileira, 2003.
FRASER, N. Justiça interrompida: reflexões críticas sobre a condição “pós-socialista”. São Paulo: Boitempo, 2022.
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