Nadya Araújo Guimarães, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil.
Jurema Brites, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil.
Thays Monticelli, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
O dossiê “Casa, mercado e política: uma análise crítica sobre o trabalho doméstico”, organizado por Nadya Araujo Guimarães, Jurema Brites e Thays Monticelli, reúne artigos que destacam a relevância dos estudos sobre o trabalho doméstico nas últimas cinco décadas, abordando questões sobre desigualdades de gênero, raça e classe na sociedade brasileira.
As análises partem das dinâmicas envolvidas na contratação e na divisão das tarefas reprodutivas e de cuidado dentro dos lares, avançando para as lutas pela institucionalização de direitos. Os artigos revelam tanto as continuidades identificadas pelas pesquisadoras pioneiras da área quanto novas possibilidades analíticas para compreender as transformações sociais contemporâneas. Sublinha-se, nesse cenário, a emergência das trabalhadoras domésticas sindicalizadas como sujeitos políticos decoloniais, tanto no plano nacional quanto internacional.
O artigo de abertura do dossiê Fronteiras no trabalho remunerado em domicílio: Dilemas analíticos e identitários, de Anna Bárbara Araujo, Nadya Araujo Guimarães e Luana Simões Pinheiro, explora a complexa relação entre trabalho doméstico e de cuidado no Brasil, destacando os desafios analíticos e as disputas identitárias que marcam essas ocupações. A partir das categorias “trabalhadoras domésticas” e “cuidadoras”, as autoras analisam a evolução da literatura acadêmica sobre o tema, evidenciando a transição de abordagens fragmentadas para uma visão mais integrada do trabalho de cuidado.
Utilizando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, o estudo compara os perfis e as condições de trabalho dessas duas categorias, revelando tanto divergências quanto convergências. Além disso, investiga o papel das empresas de intermediação de trabalho doméstico e de cuidado na construção das identidades profissionais e na definição das fronteiras entre as ocupações. O artigo conclui, destacando os desafios analíticos para compreender a interação entre trabalho doméstico, trabalho de cuidado e as identidades das trabalhadoras.
O artigo Os sentidos do afeto nos estudos do trabalho doméstico, de Jurema Brites, Thays Monticelli e Cecy Bezerra de Mello, examina a intrincada relação entre afeto e trabalho doméstico no Brasil, apresentando uma visão plural das abordagens teóricas que permeiam as pesquisas sobre o tema. As autoras revisitam a literatura existente, com ênfase em perspectivas feministas marxistas, antropológicas e decoloniais, mostrando como o afeto pode funcionar simultaneamente como um instrumento de opressão e como um espaço de resistência e agência para as trabalhadoras.
Integrando estudos de caso durante a pandemia de covid-19, o artigo ilustra as complexas interações entre afeto, desigualdade e resistência, desafiando visões simplistas sobre o tema. A análise revela a ambiguidade das relações afetivas no contexto do trabalho doméstico e as estratégias de negociação adotadas pelas trabalhadoras para lidar com suas condições. As autoras, por fim, defendem a necessidade de politizar as relações de intimidade, sem ignorar suas contradições intrínsecas.
Em Sempre elas? Valores e divisão do trabalho doméstico em perspectiva comparada, Felícia Picanço, Maira Couvre-Sussai, Isadora Vianna Sento-Sé e Clara Araújo investigam a divisão sexual do trabalho doméstico em 41 países, utilizando dados do International Social Survey Programme (ISSP). A pesquisa explora como valores de gênero e práticas relacionadas ao trabalho doméstico variam entre países e indivíduos, levando em conta fatores como gênero, educação, horas trabalhadas e religiosidade.
Imagem: Felipe Urbanetto
A análise multinível revela que, embora o contexto nacional influencie os valores de gênero, as práticas relacionadas ao trabalho doméstico apresentam maior uniformidade global, com as mulheres ainda assumindo a maior parte dessa carga. As pesquisadoras concluem que mudanças nos valores de gênero e maiores investimentos em educação são fundamentais para promover a igualdade na divisão do trabalho doméstico.
O texto Serviço doméstico e equiparação legal: Disputa argumentativa e fatores associados, de Alexandre Barbosa Fraga, contribui para o estudo da trajetória legislativa da equiparação de direitos trabalhistas para empregados domésticos no Brasil, com foco na aprovação da Convenção 189 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 2011 e da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) das Domésticas de 2013. A pesquisa examina os argumentos a favor e contra essa equiparação, revelando uma disputa entre justificativas econômicas e sociais/éticas.
O artigo identifica seis fatores cruciais para a conquista tardia desses direitos: a mobilização política das trabalhadoras, parcerias estratégicas, o papel do governo Lula, a influência da Convenção 189, o contexto econômico favorável e o aumento da proporção de diaristas. Embora histórica, a quase equiparação deixou lacunas, especialmente no que diz respeito às trabalhadoras diaristas.
Fechando o dossiê, o artigo Ativismo das trabalhadoras domésticas: Da cozinha à arena nacional e internacional, de Joaze Bernardino-Costa, Meg Weeks e Renata Monteiro Lima, analisa o ativismo político das trabalhadoras domésticas brasileiras, traçando sua trajetória desde a fundação da primeira associação, em 1936 até sua atuação no cenário internacional. O estudo destaca a importância desse ativismo na conquista de direitos trabalhistas, mostrando a articulação com movimentos sindicais, negros e feministas.
A pesquisa evidencia a correlação entre o ativismo e os avanços legais, caracterizando o movimento como uma luta decolonial contra desigualdades de classe, raça e gênero. A análise se baseia em dados de pesquisas anteriores, congressos nacionais e entrevistas com trabalhadoras.
No conjunto da obra, o dossiê estabelece conexões entre três elementos-chave: a Casa, enquanto espaço de organização e divisão sexual, social e racial do trabalho; o Mercado, entendido como um microcosmo dentro do ambiente doméstico, onde fronteiras, identidades, funções, afetos e direitos relacionados ao cuidado são intensamente negociados; e o Estado, como arena de disputas por direitos trabalhistas.
GUIMARÃES, A.N., BRITES, J. and MONTICELLI, T. Uma Análise Crítica sobre o Trabalho Doméstico na Casa, no Mercado e na Política [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2025 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2025/02/25/uma-analise-critica-sobre-o-trabalho-domestico-na-casa-no-mercado-e-na-politica/
O dossiê “Casa, mercado e política: uma análise crítica sobre o trabalho doméstico”, organizado por Nadya Araujo Guimarães, Jurema Brites e Thays Monticelli, reúne artigos que destacam a relevância dos estudos sobre o trabalho doméstico nas últimas cinco décadas, abordando questões sobre desigualdades de gênero, raça e classe na sociedade brasileira.
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