Lacunas no ensino de Libras em cursos de formação docente em Química e Biologia

Thalita Gabriela Comar Charallo, Professora do Centro de Ciências Humanas e da Educação, Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), Apucarana, PR, Brasil.

O artigo A disciplina de Libras em cursos de Licenciatura em Química e Ciências Biológicas: tendências atuais e propostas de mudança, publicado no periódico Pro-Posições (vol. 36, 2025), trata da análise da disciplina de Libras nos cursos de licenciatura em Química e Ciências Biológicas em instituições públicas brasileiras. A partir de análise documental de ementas, entrevistas com professores e questionários aplicados a estudantes o a pesquisa investigou se o conteúdo ministrado contribui efetivamente para a formação de professores na perspectiva da educação inclusiva, considerando o período de 2022 e 2024.

Buscou-se compreender como os tópicos da disciplina vêm sendo trabalhados e em que medida preparam os futuros docentes para incluir os alunos surdos. O estudo revelou grandes discrepâncias entre o que consta nas ementas, o que os professores ensinam e o que os estudantes de fato aprendem, evidenciando a ausência de diretrizes claras para a oferta da disciplina e a consequente diversidade de abordagens. Essa realidade, tão presente nas universidades brasileiras, reflete diretamente no cotidiano escolar, no qual os professores, muitas vezes, não se sentem preparados para promover uma educação realmente inclusiva.

A metodologia da pesquisa seguiu uma abordagem qualitativa, com base na análise de conteúdo categorial de Bardin (2016), permitindo explorar com profundidade as percepções de professores e estudantes sobre a disciplina de Libras. Os dados foram obtidos por meio de análise documental de ementas de 139 cursos de licenciatura em Química e Ciências Biológicas de instituições públicas com boas avaliações no Exame Nacional de Desempenho dos Estudante (Enade), além de entrevistas semiestruturadas com cinco professores e aplicação de questionários a 59 estudantes.

A motivação para realização do estudo surgiu diante das lacunas identificadas na formação de professores para o trabalho com alunos surdos, especialmente no ensino de Ciências, e da ausência de diretrizes claras no Decreto n. 5.626/2005 quanto ao conteúdo e à organização da disciplina de Libras.

Imagem: Canal CECIERJ

A pesquisa dialoga com trabalhos relevantes no contexto nacional, como os de Charallo e Andrade (2022), que analisaram ementas da disciplina em cursos de Ciências, e os de Philippsen et al. (2023), Reuter e Cavalcante (2024) e Brito, Silva e Nascimento (2024), que reforçam o cenário nacional de desafios para consolidar a disciplina de Libras como componente formativo crítico, e não apenas formal, apontando caminhos de maior articulação entre teoria e prática, criação de sinais científicos, investimento em metodologias visuais e reconhecimento da surdez como uma questão cultural e linguística. No âmbito internacional, estudos como o de Lenzer et al. (2024) e Wen et al. (2024) reforçam a importância de abordagens pedagógicas estruturadas e recursos tecnológicos inovadores para enriquecer a formação prática.

Os resultados da pesquisa evidenciaram importantes discrepâncias entre os conteúdos previstos nas ementas, o que os professores realmente abordam em sala de aula e o que os estudantes de licenciatura em Química e Ciências Biológicas efetivamente aprendem na disciplina de Libras. Temas fundamentais, como o papel do intérprete, o uso de metodologias visuais e a criação de estratégias específicas para o ensino de Ciências a alunos surdos, são pouco ou nada contemplados. O estudo revela que a ausência de diretrizes claras sobre a organização da disciplina nas licenciaturas gera formações fragmentadas, que não preparam adequadamente os futuros professores para promover práticas inclusivas de fato.

Ao aprofundar o debate sobre a formação docente no campo da educação inclusiva e indicar lacunas que precisam ser sanadas por políticas públicas e pesquisas futuras, o trabalho contribui para a área científica. Já para a sociedade, os resultados chamam atenção para a necessidade de transformar a formação inicial dos professores, de modo que as escolas sejam espaços mais preparados para acolher alunos surdos, respeitando suas especificidades linguísticas e culturais e assegurando o direito a uma educação de qualidade.

As conclusões do estudo reforçam, assim, a necessidade de repensar a formação docente, ampliando a carga horária da disciplina e reformulando o currículo para garantir a abordagem de conteúdos que articulem teoria e prática, voltados às reais necessidades do ensino de Ciências para alunos surdos.

Os dados indicam a necessidade de um maior diálogo da disciplina de Libras com outras áreas do currículo, além do fortalecimento de práticas que contemplem o ensino de Ciências para alunos surdos. O estudo defende, ainda, uma maior articulação entre universidades e escolas, para que os futuros docentes tenham experiências reais com alunos surdos durante a formação inicial.

Para ler o artigo, acesse

CHARALLO, T.G.C., CASTRO JÚNIOR, G. and ANDRADE, M.A.B.S. A disciplina de Libras em cursos de Licenciatura em Química e Ciências Biológicas: tendências atuais e propostas de mudança. Pro-Posições [online]. 2025, vol. 36, e2025c0302BR [viewed 05 September 2025]. https://doi.org/10.1590/1980-6248-2024-0040BR. Available from: https://www.scielo.br/j/pp/a/77K7Xc3npRmgN6thsgVM5zy

Referências