Tiago Seminatti, Assistente Editorial da Machado de Assis em linha – revista eletrônica de estudos machadianos, São Paulo, SP, Brasil
Cid Ottoni Bylaardt, professor da Universidade Federal do Ceará, empreende estudo acerca da condição singular do narrador-personagem de Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), o defunto autor Brás Cubas, e sua repercussão na feitura de um universo em que não há conclusões. Trata-se do artigo “Memórias Póstumas de uma morte impossível: a prosa de quem não pode mais contar”, que integra o número 23 da Machado de Assis em linha.
Em seu trabalho, Bylaardt estabelece um diálogo entre as Memórias, romance de Machado de Assis, e as ideias de Blanchot presentes nas obras O espaço literário (1987) e A parte do fogo (1997). O pesquisador parte da concepção de romance de Agamben (2014), que vê nesse gênero uma narrativa de perdas ou a construção de um “reino da falta, da ausência” (BYLAARDT, 2018, p. 133). A partir dessa observação, recorre a Blanchot e seu pensamento sobre o literário e a morte para assinalar que Brás, uma vez morto, não tem direito à morte e escreve de um lugar no qual não há “fim que permite compreender”, produzindo uma narrativa sem conclusões (BYLAARDT, 2018, p. 134). A condição singular de Brás não lhe permite formular respostas, apenas vaguear sem finalidade, algo que coincidiria com o campo da palavra literária, pois “Cessadas as amarras que propiciam compreender, a palavra da literatura erra sem destino ou porto seguro” (BYLAARDT, 2018, p. 134).
Para fundamentar tais afirmações, Bylaardt analisa o capítulo “O senão do livro”, mostrando como a condição de Brás afeta também seu estilo narrativo, marcado pela dificuldade de negar e de afirmar e também de sustentar qualquer método. Representante da vida e da busca por sentido, o leitor, por outro lado, vê-se introduzido no mundo do morto, cujo estilo errante só aponta para a ausência de sentido. Assim, em face dessas questões, o pesquisador analisa a dedicatória e os capítulos “O delírio” e “O recluso”, momentos em que articula mais diretamente a teoria de Blanchot com as Memórias, explorando questões como a busca pela origem, a relação da escrita com o mundo da fascinação e o jogo entre razão e desrazão no fazer literário. Então, indaga por qual caminho o discurso empreendido por Cubas envereda, se pela trilha da ordem ou da desordem. No percurso, relembra diferentes leituras críticas desta obra machadiana, como as de Capistrano de Abreu, Roberto Schwarz, Regina Zilberman e José Guilherme Merquior, e define o seu viés de leitura: “Optamos por vislumbrar o caminho de Cubas escritor para si mesmo, para o ponto em que ele que não tem mais direito à morte, não pode mais falar a palavra dos homens, que falam pelos deuses, que defendem os oprimidos etc., e esse ponto é feito de linguagem” (BYLAARDT, 2018, p. 140).
A condição de Brás permitiria, assim, recriar um mundo que fascinou seus leitores, mas isso não se daria por sua matéria, cheia de vulgaridades, ou por atender ou deixar de atender a determinados padrões formais, mas por se inserir radicalmente no universo do literário, que utiliza a palavra sem atender a uma finalidade e vagueia sem compromissos: “O conteúdo e a forma são palpáveis, a obra é inatingível” (BYLAARDT, 2018, p. 144).
Referências
BLANCHOT, M. O espaço literário. Rio de Janeiro: Rocco, 1987.
BLANCHOT, M. A parte do fogo. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
Para ler o artigo, acesse
BYLAARDT, C. O. Memórias Póstumas de uma morte impossível: a prosa de quem não pode mais contar. Machado Assis Linha [online]. 2018, vol.11, n.23, pp.132-145. ISSN 1983-6821. [viewed 24 May 2018]. DOI: 10.1590/1983-6821201811238. Available from: http://ref.scielo.org/phmnrk
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