A pedagogia da revolução de Paulo Freire faz 50 anos

Paulo Guanaes, jornalista, editor executivo de Trabalho, Educação e Saúde, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Trabalho, Educação e Saúde (v. 17, n. 1), periódico científico editado pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fiocruz, celebra-se os 50 anos do livro “Pedagogia do oprimido”, obra magna do educador popular Paulo Freire, concluída no outono de 1968, quando ele vivia no exílio em Santiago, no Chile.

Segundo levantamento feito pelo prof. Elliot Green, da London School of Economics para o Google Scholar (MONTESANTI, 2016), “Pedagogia do Oprimido” é a terceira obra mais citada em trabalhos na área de humanas, constituindo-se em uma referência constante em estudos dessa área. Contestado em nosso país, mas respeitado em diversas nações por onde lecionou, como Chile, Bolívia e Estados Unidos, Freire, Patrono da Educação brasileira, é um dos precursores do pensamento pós-colonial no Brasil.

Katia Reis de Souza e André Luís de Oliveira Mendonça, autores do ensaio “A atualidade da ‘Pedagogia do oprimido’ nos seus 50 anos: a pedagogia da revolução de Paulo Freire”,  assinalam que em quatro grandes capítulos, “o livro tem dois eixos centrais: um referente à temática considerada de domínio da pedagogia (capítulos 2 e 3: sobre a disputa entre as concepções bancária e libertadora/problematizadora da educação; sobre a metodologia dos temas geradores/conteúdo programático, respectivamente) e outro concernente à questão da revolução propriamente dita (capítulos 1 e 4: sobre a contradição libertação-opressão; sobre as teorias dialógica e antidialógica da ação coletiva, respectivamente)”.

O ensaio é resultado das observações e reflexões, em cinco anos de exílio, sobre as atividades educativas que exerceu no Brasil e na América Latina. Uma pedagogia claramente formulada sob as bases da experiência concreta, ancorada na ação pedagógica junto a operários, camponeses e outros trabalhadores, o que já mostra a coerência entre a teoria contida na obra e a prática efetiva do autor.

Em tempos de cogitação da volta ao emprego de eletrochoque no tratamento de pacientes com transtorno mental, os pesquisadores Fernando Sérgio Pereira de Sousa e Maria Salete Bessa Jorge alertam, no artigo “O retorno da centralidade do hospital psiquiátrico: retrocessos recentes na política de saúde mental”, que a inserção do hospital psiquiátrico na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) caracteriza-se, na visão dos defensores da Reforma Psiquiátrica, um retrocesso, pois a resolução n. 32/2017 privilegia os serviços de lógica manicomial e segregadora em detrimento de investimentos no modelo de atenção psicossocial.  Há evidências históricas, segundo os autores, por meio de relatos e denúncias, de que instituições psiquiátricas tradicionais, como os hospitais psiquiátricos, baseiam-se na tutela, hierarquia entre trabalhadores e usuários, e afastamento dos internos do convívio em sociedade. Promovem um processo de cronificação e institucionalização das pessoas com transtornos mentais (BASAGLIA, 2005). A Reforma Psiquiátrica defende “a implantação de políticas públicas alicerçadas em valores democráticos e garantidores de direitos humanos […] com maior interlocução com a comunidade, proporcionando um curso diferente daquele atribuído à suposta ‘doença mental’ nas internações psiquiátricas”, propiciando “a geração de cuidados, de subjetividades mais autônomas e de inclusão social (YASUI, 2010).

No segundo ensaio deste número, “Das possibilidades de um conceito de saúde”, Marcelo José de Souza e Silva e Lilia Blima Schraiber trazem um estudo sobre o ‘conceito’, com base no referencial marxista, com o objetivo de responder se é possível ou não existir um conceito de saúde. Os autores apoiaram-se na leitura de autores marxistas, que tratam da relação entre o pensamento e a realidade objetiva, para enriquecer o debate contemporâneo sobre a Saúde Coletiva. Souza e Silva e Schraiber concluem que, “apesar de a saúde ser um objeto extremamente complexo, é possível existir seu conceito, o qual, segundo nossos referenciais, deve remeter ao todo sócio-histórico e à politização da dimensão técnica que esteja implicada historicamente com este social”.

Além de ter apresentado um dos invernos mais rigorosos do Brasil, o emblemático ano de 2013, um ano antes da Copa do Mundo no Brasil, foi marcado por uma onda de greves de trabalhadores. Laís Oliveira de Souza, José Augusto Pina e Katia Reis de Souza produziram um estudo, publicado no artigo “Resistência e práxis na greve dos professores da rede pública municipal do Rio de Janeiro”, que tem por objetivo analisar as relações entre trabalho, educação e saúde na greve dos profissionais de educação da rede municipal do Rio de Janeiro naquele ano. Os autores optaram pela pesquisa qualitativa e realizaram entrevistas individuais e pesquisa documental baseada na imprensa sindical, o que resultou, por meio de análise temática (MINAYO, 2013), na identificação de três temas de interpretação: trabalho e defesa da educação pública de qualidade; aprendizado coletivo e pedagogia da luta; e luta coletiva pela saúde. Concluíram que “ações coletivas de trabalhadores são espaços de aprendizagem, de produção de conhecimento e intervenção em saúde […] uma perspectiva ampliada de educação e saúde, como práxis pedagógica, que se processa na luta e na valorização da experiência coletiva do trabalho”.

Ainda é possível encontrar em Trabalho, Educação e Saúde, na seção artigos os seguintes temas: a construção por agentes de saúde de identidades no controle da dengue; a visão de usuárias sobre ausência de doença e cuidado possível na Estratégia Saúde da Família; e a formação profissional em saúde de adultos.

Referências

BASAGLIA, F. A destruição do hospital psiquiátrico como lugar de institucionalização: mortificação e liberdade do “espaço fechado”. In: AMARANTE, Paulo (Org.). Escritos selecionados em saúde mental e reforma psiquiátrica. Rio de Janeiro: Garamond, 2005. p. 23-34.

MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, 2013.

MONTESANTI, B. Paulo Freire é o terceiro pensador mais citado em trabalhos pelo mundo. Nexo, 2016. [viewed 19 February 2019] Available from: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/06/04/Paulo-Freire-%C3%A9-o-terceiro-pensador-mais-citado-em-trabalhos-pelo-mundo

YASUI, S. Rupturas e encontros: desafios da reforma psiquiátrica brasileira. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2010.

Para ler os artigos, acesse

SILVA, M. J. S. and SCHRAIBER, L. B. Das possibilidades de um conceito de saúde. Trab. educ. saúde, v. 17, n. 1, e0019320, 2019. ISSN: 1678-1007 [viewed 19 February 2019]. DOI: 10.1590/1981-7746-sol00193. Available from: http://ref.scielo.org/sdk7hh

SOUSA, F. S. P. and JORGE, M. S. B. O retorno da centralidade do hospital psiquiátrico: retrocessos recentes na política de saúde mental. Trab. educ. saúde, v. 17, n. 1, e0017201, 2019.  ISSN: 1678-1007 [viewed 19 February 2019]. DOI: 10.1590/1981-7746-sol00172. Available from: http://ref.scielo.org/jghnxb

SOUZA, K. R. and MENDONÇA, A. L. O. A atualidade da ‘pedagogia do oprimido’ nos seus 50 anos: a pedagogia da revolução de Paulo Freire. Trab. educ. saúde, v. 17, n. 1, e0018819, 2019. ISSN: 1678-1007. DOI: 10.1590/1981-7746-sol00188 [viewed 19 February 2019]. Available from: http://ref.scielo.org/jjtp6n

SOUZA, L. O., PINA, J. A. and SOUZA, K. R. Resistência e práxis na greve dos professores da rede pública municipal do Rio de Janeiro. Trab. educ. saúde, v. 17, n. 1, e0017002, 2019. ISSN: 1678-1007 [viewed 19 February 2019]. DOI: 10.1590/1981-7746-sol00170. Available from: http://ref.scielo.org/xcbcc3

Link externo

Trabalho, Educação e Saúde – TES: www.scielo.br/tes

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

GUANAES, P. A pedagogia da revolução de Paulo Freire faz 50 anos [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2019 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2019/03/12/a-pedagogia-da-revolucao-de-paulo-freire-faz-50-anos/

 

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