As consequências da financeirização do ensino superior no trabalho docente

Ana Valéria Carneiro Dias, Professora Associada, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.

Maria Ângela Clauver de Lucena, Engenheira de Produção, iFood, Osasco, SP, Brasil.

Marina Quirino Magalhães, Engenheira de Produção, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (ESALQ-USP), Piracicaba, SP, Brasil.

Logo do periódico Educação em Revista.O modo de produção capitalista busca gradualmente integrar as atividades humanas em sua lógica para se manter operante, afetando as organizações, incluindo as de educação. No capitalismo financeirizado, a necessidade de flexibilidade, liquidez e resultados de curto prazo induz a transformações de grande impacto para atividades de educação.

Desde 2007, com a oferta pública de ações em bolsa de valores dos grupos educacionais Anhanguera, Pitágoras e Estácio de Sá, o Brasil tem visto um crescimento no número de empresas de serviços educacionais que possuem capital aberto, com ações cotadas em bolsas de valores. Em 2023, seis dessas empresas estavam cotadas na B3 (São Paulo) e outras quatro, na Nasdaq (Nova York). Nesse contexto, é importante discutir como as demandas e lógicas próprias ao mercado financeiro refletem-se no trabalho de professores que atuam no setor educacional privado e financeirizado no Brasil.

Pesquisadoras do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) investigaram esse fenômeno em estudo realizado junto a professoras e professores inseridos no contexto da financeirização do ensino superior privado brasileiro. No artigo Financeirização do ensino superior: uma análise das implicações sobre o trabalho docente, publicado pelo periódico Educação em Revista (vol. 41, 2025), a análise de conteúdo das entrevistas e da documentação disponível apontou impactos no trabalho docente, não apenas relativos à precarização e intensificação, já demonstrados em pesquisas anteriores no Brasil, mas também ao aumento da padronização do trabalho e ao aumento da distância entre a gestão da educação e o ensino propriamente dito, além da introdução de novas lógicas, tais como a gestão de aparências e a consequente exigência por auto comercialização e autopromoção dos docentes.

Aos olhos dos acionistas, o ensino é uma opção de investimento comparável a qualquer outro processo produtivo. A financeirização aprofunda o processo de transformação do trabalho docente iniciado pela mercantilização da educação, tornando o ato de ensinar uma mercadoria, transferível no espaço e no tempo e avaliável conforme padrões que permitam a sua comparação com outros processos de trabalho quaisquer.

Fotografia de uma parede de azulejos vermelhos com três pôsteres colados. O primeiro mostra um desenho de uma mãe com o filho nos braços, que sangra de um ferimento na região abdominal, onde se lê: Nossos filhos e filhas sangram junto com nossa esperança de uma sociedade justa. O segundo pôster tem uma imagem do personagem Mr Burns dos Simpsons rindo, onde se lê: Quanto mais você trabalha, mais rico fica o patrão. O terceiro pôster, em estilo agitprop, mostra um desenho de um homem segurando uma chave inglesa, onde se lê: Trabalhador defenda seus direitos! Marcha antifascista, Praça da Sé, 13 de maio, 12h.

Imagem: Arquivo pessoal

Um achado importante do trabalho é a importância das aparências dentro dessas organizações e a necessidade de auto comercialização e autopromoção dos professores. Tais temas são centrais ao processo de financeirização, uma vez que, além do resultado imediato do trabalho, o valor de um empreendimento para o acionista está na expectativa de geração de caixa futura, que se reflete no valor da ação atual. Nesse contexto, há um conflito entre a necessidade de resultado financeiro real no curto prazo, obtido por reduções de custos — redução de investimento em infraestrutura, corte de pessoal, contratos temporários… — e a necessidade de resultado financeiro provável no longo prazo, para aumento do valor da ação.

Sem investimentos que possam de fato significar um aprimoramento da qualidade de ensino em longo prazo, a gestão fundamenta-se, quase que exclusivamente, nas aparências, por meio das narrativas disponibilizadas aos investidores nos Relatórios Institucionais, mas também pela performance do docente em sua atividade, tornando-se elemento de intensificação.

Assim, a financeirização, através dos pressupostos analisados e de outros que ainda podem ser pesquisados, como a relação entre a autopromoção e a construção de discursos de empregabilidade, propicia diferentes formas de exploração do trabalho docente com o objetivo de atender às demandas de um mercado financeirizado.

Para ler o artigo, acesse

DIAS, A.V.C., LUCENA, M.A.C. and MAGALHÃES, M.Q. Financeirização do ensino superior: uma análise das implicações sobre o trabalho docente. Educação em Revista [online]. 2025, vol. 41, e45583 [viewed 24 June 2025]. https://doi.org/10.1590/0102-469845583. Available from: https://www.scielo.br/j/edur/a/M7hQYN6S7ddtRGsxQZkZH8R/

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Como citar este post [ISO 690/2010]:

DIAS, A.V.C., LUCENA, M.A.C. and MAGALHÃES, M.Q. As consequências da financeirização do ensino superior no trabalho docente [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2025 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2025/06/24/as-consequencias-da-financeirizacao-do-ensino-superior-no-trabalho-docente/

 

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