A teoria do romance de Bakhtin em tempos de globalização

João Vianney Cavalcanti Nuto, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF, Brasil

bak_logoNa curta extensão de um ensaio, Peter Hitchcock (Graduate Center and Baruch College — CUNY, New York) estabelece uma polêmica ideológica com Gary S. Morson e também analisa as possibilidades de diálogo com a teoria do romance de Bakhtin para a compreensão de fenômenos contemporâneos como a nação e sua constituição/representação por meio do romance no contexto da cultura e sociedade globalizada. Polêmica e análises, no artigo, se apresentam por meio de quatro tipos de diálogo: entre intérpretes de Bakhtin; entre Bakhtin e outros pensadores do seu tempo (Lukacs, Spet, Vinogradov, Cassirer); entre Bakhtin e seu contexto político (o stalinismo); e entre Bakhtin e o contexto político-cultural da atualidade (a globalização).

Dialogar com Bakhtin não é apenas recuperar suas ideias, mas responder-lhes a partir de uma singularidade ligada a um contexto cultural diverso, seja no tempo (Bakhtin no século XXI), seja no espaço (Bakhtin lido a partir de diversos lugares culturais). No primeiro tipo de diálogo, Hitchcock — concordando com Hirshkop e Sheperd —polemiza com Gary Morson sobre uma questão que certamente interessa a todos os estudiosos da obra bakhtiniana: era Bakhtin marxista? Não se trata de mera curiosidade histórica, mas de uma questão que encaminha direções ideológicas de leitura, em que a polêmica com Morson aponta para uma divergência entre uma leitura “de direita” (antimarxista e antieslavófila) e uma leitura “de esquerda” (Bakhtin como marxista, embora não ortodoxo). Essa divergência não implica afastar Bakhtin completamente do marxismo, mas reforça a impressão de que Bakhtin é bem menos marxista nos textos que assina que naqueles assinados por outros membros do Círculo e supostamente escritos por ele.

Os demais diálogos do ensaio de Hitchcock são centrados na teoria bakhtiniana do romance — particularmente no conceito de romancização — voltados para uma análise das relações entre essa teoria e o problema da nação no contexto globalizado. Afirma o autor que Bakhtin não refletiu sobre a imbricação entre romancização e nação — e, de fato, o termo “nação” não aparece em sua teoria. Porém, como escreve Tihanov (citado por Hitchcock), Bakhtin apresenta uma teoria latente da nação. Quem não leu o livro de Tihanov permite-se indagar se ele se refere às tensões entre forças centrípetas e forças centrífugas da língua e entre cultura oficial e culturas marginais. Os estados nacionais que abrigam essas tensões seriam os cronotopos da nação, cuja ausência (mais apropriadamente ausência de termos mais explícitos) na obra de Bakhtin Hitchcock observa.

Essas reflexões conduzem à análise principal do ensaio de Hitchcock, que trata das relações entre romancização e serialização e suas contribuições para constituir e representar a nação. Estabelecendo um diálogo entre Bakhtin, Anderson e Balibar, Hitchcock associa a romancização seriada com a representação problematizada do tempo em contextos de crise, incluindo o problema da permanente construção e da representação artística da nação nesses tempos de multiculturalismo e globalização.

O papel fundamental da alteridade para Bakhtin implica também a valorização da diferença de contextos culturais entre escritura e leitura, em que a riqueza de uma obra permite uma variedade de respostas, no “longo tempo”, pois — em que pesem os riscos de anacronismos impertinentes – a alteridade é dimensão enriquecedora da compreensão responsiva. Enfim, o pensamento de Bakhtin — que corresponde conceitual e formalmente ao mundo inacabado representado no e pelo romance — não apenas articula conceitos entre si e com fecundas análises literárias como também orienta futuras interpretações baseadas no dialogismo, na não finalização (inacabamento) e na articulação entre o discurso literário e outros discursos e práticas culturais.

Para ler o artigo, acesse

HITCHCOCK, P. Novelization and Serialization: Or, Forms of Time Otherwise. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso [online]. 2016, vol.11, n.1], pp.187-207. [viewed 31th March 2016]. ISSN 2176-4573. DOI: 10.1590/2176-457324995. Available from: http://ref.scielo.org/pf674r

Link externo

Bakhtiniana – BAK: www.scielo.br/bak

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

NUTO, J. V. C. A teoria do romance de Bakhtin em tempos de globalização [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2016 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2016/04/28/a-teoria-do-romance-de-bakhtin-em-tempos-de-globalizacao/

 

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