Qual é a ideologia das eleições nos municípios brasileiros? Novo indicador, novas análises

Sergio Simoni Junior, Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil

Costuma-se pensar que a ideologia política do nível local no Brasil é do tipo conservadora (MAINWARING; MENEGUELLO; POWER, 2000; MONTERO, 2014; SOARES, 1973), principalmente nos chamados “grotões”, enquanto que nos grandes centros urbanos a esquerda teria mais força. De fato, isso se verifica? A passagem do PT no governo federal alterou essa configuração? Se sim, em que medida? E, por fim, a eleição de 2018 representou um ponto fora da curva de força da direita?

Questões como essas, especialmente oportunas considerando o momento da vida política nacional, podem ser elucidadas com o trabalho de Timothy Power, da Universidade de Oxford (Inglaterra), e Rodrigo Rodrigues-Silveira, da Universidade de Salamanca (Espanha). No artigo “Mapping ideological preferences in Brazilian elections, 1994-2018: a municipal-level study” publicado no periódico Brazilian Political Science Review (v. 13, n. 1), os autores mostram que a ideologia dos resultados eleitorais ao nível municipal no Brasil tende, de fato, no período de 1994 a 2018, à direita.

Essa tendência, é verdade, não ocorre sem flutuações. Durante os governos do PT, principalmente no auge da alta aprovação de Lula, observou-se uma inclinação à esquerda na ideologia. No entanto, os autores sublinham que esse movimento, rapidamente revertido após a subida de Temer ao poder, não implicou em profundos realinhamentos político-ideológicos.

Para realizar essa análise, Power e Rodrigues-Silveira elaboraram um indicador original de ideologia ao nível municipal a partir de perguntas de um survey nacional com parlamentares e dos resultados das eleições para vereador e deputado federal mensurados em cada localidade. Combinando as duas fontes de dados, os autores obtêm um índice de ideologia por cidade para cada ano eleitoral de 1994 a 2018.

A visão temporal revela, ao lado da já mencionada tendência à direita, um aumento da fragmentação partidária, e, contrariando certas expectativas, uma diminuição da polarização ideológica.  Em outras palavras, no começo da séria histórica as cidades mais esquerdistas e as cidades mais direitistas eram mais extremas que nos anos mais recentes. Os autores avançam na apresentação dos dados e mostram como essas tendências variam entre os estados, alguns com preferência majoritariamente pela direita, como Tocantins e Santa Catarina, e outros mais voltados à esquerda, como Ceará e Espírito Santo.

Além dos dados descritivos, os autores propõem testes de hipótese. O que explicaria essa configuração ideológica? Power e Rodrigues-Silveira (2019) apresentam então quatro abordagens possíveis sobre o fenômeno. A primeira, que se pode denominar alinhamento político ou, coloquialmente, “governismo”, afirma que a ideologia e a popularidade do presidente influenciam a ideologia política local.  A segunda abordagem defende que quanto maior o nível de desenvolvimento social de uma localidade, maior é a força da esquerda. A terceira possível explicação argumenta que, antes, a esquerda é mais forte quanto maior é a taxa de pluralidade política (nível de comparecimento às urnas, nível de competição eleitoral); e por fim, a última abordagem ressalta que a configuração ideológica é influenciada pela taxa de inclusão social ao nível local.

Por meio de modelos estatísticos, os autores encontram evidências favoráveis, em maior ou menor grau, a cada uma dessas hipóteses. No entanto, ressaltam a importância da primeira abordagem, o “governismo” ou alinhamento político. Presidentes mais à esquerda tendem a “puxar” a ideologia dos municípios para mais perto de si. Além disso, esse efeito varia de acordo com a popularidade do mandatário federal. Isso explicaria, por exemplo, que a ideologia dos resultados eleitorais durante o segundo governo de Lula esteja mais à esquerda que durante os governos de Dilma.

No entanto, o ponto reforçado pelos autores é o de que, mesmo com esses efeitos oriundos do nível federal, a ideologia local ainda é majoritariamente de direita. Ou seja, a passagem pela Presidência da República de um partido de tradição na esquerda não representou um realinhamento político-ideológico na base do sistema representativo no Brasil.

A análise política brasileira tem uma longa tradição que ressalta a importância do governismo e da força da direita no nível local. O estudo contribui para esse debate por meio da aplicação de indicadores originais e métodos estatísticos ao período recente.

Referências

MAINWARING, S., MENEGUELLO, R. and POWER, T. Partidos conservadores no Brasil contemporâneo. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

MONTERO, A. Brazil: explaining the rise and decline of the conservatives. In: LUNA, J. P.; KALTWASSER, C. R. (Ed.). The Resilience of the Latin American Right. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2014.

SOARES, G. Sociedade e política no Brasil. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1973.

Para ler o artigo, acesse

POWER, T. J. and RODRIGUES-SILVEIRA, R. Mapping ideological preferences in brazilian elections, 1994-2018: a municipal-level study. Bras. Political Sci. Rev., vol. 13, no. 1, e0001, 2019. ISSN: 1981-3821 [viewed March 21 2019]. DOI: 10.1590/1981-3821201900010001. Available from: http://ref.scielo.org/9mmzqh

Link externo

Brazilian Political Science Review – BPSR: www.scielo.br/bpsr

https://dataverse.harvard.edu/dataset.xhtml?persistentId=doi:10.7910/DVN/5P03UL

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

SIMONI JUNIOR, S. Qual é a ideologia das eleições nos municípios brasileiros? Novo indicador, novas análises [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2019 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2019/05/20/qual-e-a-ideologia-das-eleicoes-nos-municipios-brasileiros-novo-indicador-novas-analises/

 

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