Patricia Vieira da Costa, Editora-assistente da Revista Brasileira de Ciência Política (RBCP) e doutoranda em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF, Brasil.
A Revista Brasileira de Ciência Política — RBCP (n. 30) apresenta a pluralidade ao acomodar várias perspectivas teóricas e metodológicas, abrangendo diferentes áreas do conhecimento que tratam de fenômenos sociais contemporâneos. Este número traz uma combinação de artigos sobre fenômenos empíricos atuais e sobre questões teóricas fundamentais da política. Entre os temas práticos da atualidade estão conflitos macroeconômicos, migrações e mercado de trabalho, filiação de jovens a partidos políticos e responsabilidade humanitária internacional. Já os artigos mais teóricos versam sobre liberdade republicana, sociologia e socialismo, populismo e modernidade.
Conflitos macroeconômicos nas sabatinas de indicados ao Banco Central
Em seu artigo “Economia, política e democracia: as sabatinas no Senado Federal dos indicados ao Banco Central nos governos FHC e Lula”, os autores Mateus Coelho Martins de Albuquerque e José Carlos Martines Belieiro Júnior investigam como a atuação política dos senadores durante as sessões de arguição ocorridas na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado reflete os conflitos macroeconômicos existentes na economia brasileira. O trabalho é baseado em análise de notas taquigráficas das sabatinas de Gustavo Loyola (1995), Gustavo Franco (1997), Francisco Lopes (1999) e Armínio Fraga (1999), presidentes do Banco Central no governo de Fernando Henrique Cardoso; e de Henrique Meirelles (2002), presidente do Banco no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
A análise levou os autores à conclusão de que a atuação dos parlamentares “reflete os principais debates macroeconômicos de maneira ampla, utilitária e contida” (p. 44). “Ampla” porque, segundo os pesquisadores, “todos os conflitos macroeconômicos que envolvessem o Banco Central estiveram presentes nas sabatinas”. “Utilitária” porque prestou-se a “chancelar a racionalidade neoliberal hegemônica” (p. 39). E “contida”, porque os temas debatidos, de modo geral, não levaram a mudanças significativas nem na atuação dos presidentes do Banco Central nem na política econômica.
Limitações e possibilidades da teoria neorrepublicana
O artigo “Sobre alguns dilemas da teoria neorrepublicana da liberdade”, de Gleyton Trindade e Juarez Guimarães, tem como pano de fundo o resgate da tradição republicana como resposta à “insatisfação com os rumos das democracias e das sociedades liberais contemporâneas, sob fogo cerrado das dimensões mercantis e privatistas da vida (p. 47)”. Nesse contexto de embate entre liberalismo e republicanismo, os autores apresentam a concepção de liberdade que deveria governar a vida pública na visão de dois expoentes da teoria neorrepublicana: Quentin Skinner e Philip Pettit.
Embora esses dois teóricos tenham o mérito de procurar estabelecer um conceito de liberdade republicano em contraposição ao conceito liberal, “restituindo o valor da vida pública em relação às versões mais privatistas do liberalismo” (p. 48), há críticas liberais quanto à conceituação que propõem. Os autores do artigo apresentam duas dessas críticas, e para contornar os problemas colocados por elas, sugerem que o conceito de liberdade republicana deveria estar associado a uma “gramática” republicana, da mesma fora que o liberalismo criou “uma gramática da liberdade centrada no mundo privado, delimitando e organizando o mundo público em função de suas necessidades e interesses (p. 67)”. Segundo os autores, essa “gramática” republicana colocaria “a dimensão pública como lugar de origem e fundamento da própria liberdade” (p. 68).
Textos teóricos e artigos empíricos
Os demais artigos do número 30 da RBCP também se enquadram nesse “mix” que inclui fenômenos empíricos da atualidade e discussões teóricas fundamentais.
Em “Fronteiras de Estados emergentes: migração, cidadania pós-nacional e trabalhadores latino-americanos no Brasil”, os autores Marcelo de Almeida Medeiros, Teresa Cristina de Souza Cardoso Vale, Davidson Afonso de Ramos, Enivaldo Carvalho da Rocha e Leticia Suely de Souza analisam quais fatores influenciam a inserção de imigrantes na força de trabalho brasileira. Partindo da hipótese de que nacionalidade, gênero, raça e educação dos imigrantes influenciam salário e tipo de ocupação, os autores empregam métodos quantitativos para chegar à conclusão de que nacionalidade é o fator que mais importa para a inserção no mercado de trabalho.
Já em “Juventudes partidárias no Brasil: motivações e perspectivas dos jovens filiados a partidos políticos”, Antonio Teixeira de Barros, Ricardo Senna Guimarães, Sérgio Freitas da Silva e Terezinha Elisabeth da Silva analisam o recrutamento de jovens pelos partidos políticos brasileiros na atualidade. Os autores concluem que capital familiar e capital militante são os fatores mais importantes na filiação. No caso da família, pais e irmãos têm mais influência. No caso da militância, destacam-se os movimentos estudantis e sociais.
No artigo “Carnaval revolucionário: Max Weber e a Revolução de Novembro (1918-1919) na Alemanha”, Carlos Eduardo Sell discute os impactos que esse processo revolucionário teve sobre a análise de Max Weber acerca do socialismo. O autor conclui que a interlocução com as teorias econômicas de um dos personagens-chave da revolução, Otto Neurath, bem como a análise crítica da atuação dos intelectuais e das lideranças políticas do movimento, foram fundamentais no amadurecimento da compreensão sociológica de Max Weber sobre o socialismo, refletindo-se em seus escritos de sociologia econômica e de sociologia política.
Em “Soberania e responsabilidade internacional humanitária: avaliando o processo de ajuste normativo no âmbito da ONU”, Mikelli Marzzini L. A. Ribeiro trata do processo pelo qual crises humanitárias em conflitos domésticos passaram a ser consideradas assuntos de segurança internacional no âmbito do Conselho de Segurança das Nações Unidas. A partir daí, discute as questões que esse processo suscita no que diz respeito à soberania dos países onde ocorrem tais crises. O texto aponta movimentos de resistência a tal processo, a partir de contestações advindas de Estados do Sul Global, destacando ações de países como Rússia e China.
No artigo “El concepto de populismo: una revisión crítica de sus ‘clásicos’ y ‘nuevos’ marcos teórico-interpretativos”, María Cecilia Ipar aponta a falta de especificidade da categoria “povo” e a descrição do fenômeno populista como um estágio de deterioração, atraso ou precariedade no desenvolvimento capitalista moderno como argumentos críticos clássicos em relação ao populismo. Segundo a autora, tais argumentos partem de pressupostos discutíveis e reforçam a carga negativa do conceito. Por outro lado, a autora descreve novas abordagens do populismo que o inserem em um campo teórico mais amplo: a construção e cristalização de identidades políticas.
Por fim, em “Inflexão na abordagem genealógica da modernidade em Michel Foucault: do arcaísmo disciplinar à sociedade de segurança”, Lucas Trindade da Silva trata de uma mudança de rumo no pensamento de Foucault. Segundo Trindade da Silva, de uma concepção de poder arcaico, ainda preso aos horizontes da soberania e da razão de Estado, observada na obra “Vigiar e Punir” (1975), Foucault transita para a modernidade dos dispositivos de segurança acionados pela governamentalidade liberal, observada em seu curso Segurança, Território, População (1977–1978).
Esta edição conta ainda com uma resenha do livro “How democracies die”, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, escrita por Natália Cordeiro Guimarães.
Referências
FOUCAULT, Michel (1987). Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes.
Para ler os artigos, acesse
Rev. Bras. Ciênc. Polít. no.30 Brasília set./dez. 2019
Link externo
Revista Brasileira de Ciência Política – RBCPOL: www.scielo.br/rbcpol
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