Como as tecnologias da comunicação vêm interferindo na política?

Daniel do Nascimento e Silva, Professor no Programa de Pós-Graduação em Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.

Blommaert em seu artigo “Political discourse in post-digital societies”, publicado no periódico Trabalhos em Linguística Aplicada (vol. 59, no. 1), propõe que, para entender as radicais transformações nos modos em que a política é articulada hoje, é preciso primeiro abandonar os modelos tradicionais de propaganda política. Ancorados em imaginações modernistas sobre o funcionamento da linguagem, esses modelos tradicionais imaginavam que a transmissão da mensagem política se dava de forma linear: essa mensagem partiria do político, que, pelos meios de comunicação em massa, faria essa mensagem chegar a suas audiências. No entanto, com a digitalização da vida e da comunicação que estamos experienciando, esse modelo linear não se sustenta mais (ver também BONNIN, 2020; CESARINO, 2020; MALY, 2020; VARIS, 2020).

Nem os emissores da mensagem, nem os meios, nem os receptores são mais os mesmos. Blommaert aponta que esses papéis e canais são muito mais fragmentados, monetizados e distribuídos, o que tem sido proporcionado pela própria arquitetura das novas mídias. Por exemplo, os públicos hoje são setorizados a partir de dados demográficos, de preferências, de rotinas coletadas pelas mídias, o que permite que políticos segmentem as mensagens para esses públicos, guiados inclusive pela transformação de “likes” em valor econômico; além disso, esses públicos são muito mais efêmeros e dinâmicos, podendo se tornar eles mesmos produtores de mensagens políticas. Nessa visão “policêntrica” da comunicação, as próprias máquinas se tornam também produtoras de mensagens políticas. Como Ico Maly (2020) sugere, a interação entre agentes políticos, públicos e atores algorítmicos transformam a própria noção de populismo. O populismo algorítmico se torna assim “a relação de comunicação digitalmente mediada entre diferentes atores humanos e não humanos” (MALY, 2020).

Em seu texto, Blommaert aponta que esse modelo policêntrico exige uma nova sociologia e uma nova linguística para que possamos compreender as novas bases da ação política. A própria esfera pública hoje é setorizada e policêntrica, composta por audiências que utilizam sistemas normativos diferentes, o que explica por exemplo o fato de (o que certas audiências veriam como) gafes, erros, truculência verbal ou índices de pouca educação serem valorizados por outras audiências como índices de autenticidade e mudança satisfatória. Esse processo de enregistramento (AGHA, 2007) tem se transformado no capital político em parte responsável pela ascensão de políticos como Trump ou Bolsonaro (ver SILVA, 2019). O artigo de Blommaert aponta finalmente que essas transformações das formas, infraestruturas e registros em que se faz a política globalmente são um terreno fértil para novas análises do discurso político contemporâneo.

Assista ao vídeo a seguir de Daniel Silva e Jan Blommaert apresentando perspectivas desse estudo.

Referências

AGHA, A. Language and social relations. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.

BONNIN, J.E. Rethinking populist discourse from Latin America: algorithmic activism and the constitution of a people in Chile. Trab. linguist. apl. [online]. 2020, vol. 59, no. 1, pp. 469-490, ISSN: 2175-764X [viewed 29 May 2020]. DOI: 10.1590/01031813680231620200331.Avaliable from: http://ref.scielo.org/hgwk7t

CESARINO, L. How social media affords populist politics: remarks on liminality based on the Brazilian case. Trab. linguist. apl. [online]. 2020, vol. 59, no. 1, pp. 404-427, ISSN: 2175-764X [viewed 29 May 2020]. DOI:  10.1590/01031813686191620200410. Avaliable from: http://ref.scielo.org/g7qvv9

MALY, I. Algorithmic populism and the datafication and gamification of the people by Flemish interest in Belgium. Trab. linguist. apl. [online]. 2020, vol. 59, no. 1, pp. 444-468. ISSN: 2175-764X [viewed 29 May 2020]. DOI: 10.1590/01031813685881620200409. Avaliable from: http://ref.scielo.org/nttrsr

SILVA, D. Enregistering the nation: Bolsonaro’s populista branding of Brazil. To appear, In: THEODOROPOULOU, I.; WOYDACK, J. (eds). Language and country branding. London: Routledge, 2019.

VARIS, P. Trump tweets the truth: metric populism and media conspiracy. Trab. linguist. apl. [online]. 2020, vol. 59, no. 1, pp. 428-443, ISSN: 2175-764X [viewed 29 May 2020]. DOI: 10.1590/01031813683411620200406. Avaliable from: http://ref.scielo.org/7tqqn4

Para ler o artigo, acesse

BLOMMAERT, J. Political discourse in post-digital societies. Trab. linguist. apl. [online]. 2020, vol. 59, no. 1, pp. 390-403, ISSN: 2175-764X [viewed 22 May 2020]. DOI: 10.1590/01031813684701620200408. Avaliable from: http://ref.scielo.org/hj526n

Link externo

Trabalhos em Linguística Aplicada – TLA: www.scielo.br/tla

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

SILVA, D. N. Como as tecnologias da comunicação vêm interferindo na política? [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2020 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2020/06/05/como-as-tecnologias-da-comunicacao-vem-interferindo-na-politica/

 

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