Thomaz Ademar Nascimento Ribeiro, Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do Instituto de Saúde coletiva – ISC Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, MT, Brasil.
Luís Henrique da Costa Leão, Professor do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do Instituto de Saúde coletiva – ISC Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, MT, Brasil.
O artigo “Movimentos sociais, escravidão contemporânea e saúde: saberes, práticas e implicações para o Sistema Único de Saúde (SUS)”, publicado no periódico Interface – Comunicação, Saúde, Educação (vol. 24), traz à tona uma problemática que nem sempre recebe a devida atenção na sociedade brasileira: a realidade do trabalho escravo contemporâneo (TEC) e os riscos e danos à saúde dos trabalhadores submetidos à essa condição. Trabalho escravo ou escravidão contemporânea é definido pela Lei 10.803 de 2003 como formas coercitivas de controle de pessoas para fins de exploração econômica com uso de violência, submissão a trabalhos forçados, jornadas exaustivas, condições degradantes e restrição de locomoção por dívidas.
Considerando que se trata de uma grave situação de injustiça social com grande probabilidade de impactos na saúde das suas vítimas, realizamos uma pesquisa no ano de 2018, buscando compreender a escravidão contemporânea no Brasil do ponto de vista dos movimentos sociais engajados no combate a essa grave violação de direitos no cenário brasileiro. Fizemos entrevistas com militantes de MS no estado de Mato Grosso, porque essa é uma região com altos índices de ocorrência de trabalho escravo tendo libertado 4.394 trabalhadores dessas condições entre 2003 e 2018. Com base nessas entrevistas apresentamos o ponto de vista de militantes com experiência de prevenção ao TEC, denúncias de casos, assistência e apoio às vítimas, sobre os impactos do trabalho escravo na saúde dos trabalhadores e suas implicações para o sistema de saúde pública brasileiro.
O estudo é resultado de pesquisa de mestrado de Thomaz Ribeiro, motivado pela necessidade de preencher lacunas no campo da Saúde Coletiva com relação ao fenômeno da escravidão contemporânea. O que se observa é que o TEC tem um caráter potencializador de danos à saúde, mas as instituições de Saúde Pública têm negligenciado esta problemática e ainda não dispõe de estratégias de atenção, vigilância e de cuidados às pessoas submetidas à escravidão no Brasil. Por outro lado, existem muitas experiências, saberes e práticas de movimentos sociais fundamentais para compreensão e erradicação da escravidão. Assim, foi feita uma pesquisa qualitativa onde entrevistamos pessoas de movimentos sociais que conhecem de perto à escravidão e trabalham para combatê-la. As entrevistas buscaram compreender como esses movimentos caracterizam a escravidão, entendem as consequências do TEC para a saúde e para o SUS, como se organizam, quais as atividades desempenhadas, como coletam informações, acolhem denúncias de pessoas escravizadas, quais as suas conquistas, impedimentos e dificuldades enfrentadas. Os relatos foram analisados por meio de Análise do Discurso partindo do princípio de que a fala é atravessada pela história social, pelo contexto cultural, político e econômico.
Os resultados demonstraram os profundos impactos da escravidão contemporânea na saúde física e mental das vítimas que levam os movimentos sociais a caracterizarem o TEC como destruição dos potenciais corporais e mentais humanos. Com isso também fica nítido que esta problemática deve estar no arcabouço de ações estratégicas do setor saúde brasileiro e existem diversas possibilidades do SUS avançar nessa direção. O artigo destaca ainda que, diante dos processos de adoecer e morrer que ocorrem na escravidão, novos passos podem ser dados visando fortalecer as práticas de erradicação do TEC e isso passa pelo fortalecimento das articulações e intercâmbios de saberes e práticas entre o setor saúde e os movimentos sociais anti-escravidão, para ampliar ações de prevenção, vigilância e recuperação da saúde.
É evidente que existem muitas barreiras e desafios para serem superados como a ampliação do reconhecimento dos profissionais e serviços de saúde acerca da escravidão como objeto de suas responsabilidades e também mais investimentos em pesquisas no campo da saúde para melhor caracterização e identificação das repercussões da escravidão na saúde para gerar estratégias de intervenção com participação mais ativa do setor saúde.
No vídeo a seguir, o pesquisador Thomaz Ademar Nascimento Ribeiro amplia a discussão sobre o tema.
Referências
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003. Altera o art. 149 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Diário Oficial da União, Brasília, 11 dez. 2003. Available from: https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=LEI&numero=10803&ano=2003& ato=f55ETQE50dRpWT7e6
LEÃO, L. H. da C. Trabalho escravo contemporâneo como um problema de saúde pública. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2016, vol. 21, no. 12, pp. 3927-3936, ISSN: 1678-4561 [viewed 10 August 2020]. DOI: 10.1590/1413-812320152112.12302015. Available from: http://ref.scielo.org/z64xgj
Para ler o artigo, acesse
RIBEIRO, T. A. N. and LEÃO, L. H. da C. Movimentos sociais, escravidão contemporânea e saúde: saberes, práticas e implicações para o Sistema Único de Saúde (SUS). Interface (Botucatu) [online]. 2020, vol. 24, e200004. ISSN: 1807-5762 [viewed 10 August 2020]. DOI: 10.1590/interface.200004. Available from: http://ref.scielo.org/3kjbt3
Link externo
Interface – Comunicação, Saúde, Educação – ICSE: www.scielo.br/icse
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