Paulo Guanaes, editor executivo da Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Carla Martins, editora científica da Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Em bom português lusitano, Raquel Varela analisa, no ensaio “O ‘direito ao trabalho’, saúde, educação e o nascimento do Estado social”, o golpe militar de 25 de abril de 1974, em Portugal, que emergiu dos processos revolucionários e contrarrevolucionários pós-ditadura salazarista. A intervenção militar depôs a ditadura salazarista e determinou a entrada em cena de milhões de trabalhadores e setores da classe média da sociedade portuguesa, dando início a uma situação revolucionária de tipo democrático naquele país. Segundo a pesquisadora portuguesa da Universidade Nova de Lisboa, “há uma ligação histórica entre as conquistas dos direitos sociais e o desenvolvimento do controle operário no processo revolucionário a partir de fevereiro de 1975”. Pressionado, o governo do Movimento das Forças Armadas, que pôs fim à ditadura, se viu obrigado a pôr em prática uma série de medidas sociais que visavam impedir a insurreição e que vão constituir o que se convencionou chamar Estado social, isto é, a alocação de recursos para o trabalho por meio das funções sociais do Estado: educação, saúde, segurança social, lazer, desporto, transportes públicos subsidiados, rendas subsidiadas etc.
O primeiro número de 2016 da Trabalho, Educação e Saúde traz à discussão a questão da interdisciplinaridade na saúde, particularmente nas áreas de Saúde Coletiva e Farmácia. O tema é exposto em dois artigos, que são unânimes em apontar o modelo biomédico como um ponto a ser revisto. No primeiro, intitulado “Interdisciplinaridade e formação na área de Saúde Coletiva”, os autores Marta Pimenta Velloso, Maria Beatriz Lisbôa Guimarães, Claudio Roberto Rodrigues Cruz e Teresa Cristina Carvalho Neves assinalam um rompimento da visão estritamente biológica da saúde nos últimos trinta anos, sublinhando o aparecimento de uma outra concepção de saúde que compreende a paz, renda, habitação, educação, alimentação adequada, ambiente saudável, recursos sustentáveis, equidade e justiça social, como fatores determinantes para a promoção da saúde. Tal contexto “demarca [a saúde coletiva como] uma concepção mais abrangente do que saúde pública”. Os quatro autores argumentam que a saúde coletiva “permite ver o ser humano na sua multidimensionalidade […] só passível de ser compreendido interdisciplinarmente, e cuja ação sobre ele deva ser interprofissional” (p. 258).
No segundo artigo, os autores Iane Franceschet de Sousa e Paulo Roberto Haidamus de Oliveira Bastos consideram a interdisciplinaridade um desafio e uma necessidade no setor saúde. De acordo com os autores do artigo “Interdisciplinaridade e formação na área de Farmácia”, o cenário dominante na formação de farmacêuticos reflete o perfil flexneriano de ensino, enfatizando o modelo biomédico, centrado na doença e no hospital. “São incipientes as iniciativas que visam alterar o modelo de formação dos farmacêuticos, valorizando a atuação em equipe de saúde, a prática interdisciplinar, o currículo integrado e o foco na atenção básica” (p. 98), defendem os autores a favor da adoção da interdisciplinaridade na formação do farmacêutico.
Márcia Cristina Godoy Siqueira e Maria Tereza Leopardi, autoras do artigo “O processo ensino-aprendizagem na formação de trabalhadores do SUS: reflexões a partir da experiência da ETSUS”, apresentam uma pesquisa que avaliou o desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem, sustentado por metodologia participativa problematizadora, na perspectiva de professores e alunos de uma escola técnica do SUS no Tocantins. Gestores da instituição admitem que o resultado da pesquisa acabou por influenciar nas medidas administrativas, no planejamento das atividades e no estímulo à dialogicidade entre os sujeitos acerca do cotidiano das práticas da docência.
O objetivo do artigo “O modelo organizacional da unidade de saúde familiar de Portugal: uma análise dos discursos oficiais”, de Josefa Lusitânia de Jesus Borges, Maria Helena Santana Cruz e Maria Amélia da Costa Lopes, é refletir sobre as transformações do trabalho, as demandas de qualificação e de novas competências no âmbito da política de saúde primária, atribuindo especial destaque aos impactos no trabalho dos médicos nas unidades de saúde familiar em Portugal. A investigação de caráter qualitativo realizou-se por meio da consulta a fontes documentais: decretos, leis, planos de ação e relatórios referentes às políticas e à estrutura organizacional nas unidades de saúde, adotando-se a análise de conteúdo para o tratamento dos dados.
Seguindo uma tendência que ocorre em escolas médicas de todo o mundo, Valdir Reginato, Maria Auxiliadora Craice De Benedetto e Dante Marcello Claramonte, autores do artigo “Espiritualidade e saúde: uma experiência na graduação em medicina e enfermagem”, introduziram, na Universidade Federal de São Paulo, a disciplina eletiva Espiritualidade e Medicina, dirigida a estudantes de medicina e enfermagem com o objetivo de promover o reconhecimento da dimensão espiritual do paciente e, consequentemente, um atendimento mais humanizado. Após quatro anos de curso, procedeu-se a um estudo qualitativo para determinar o perfil dos estudantes que escolheram a disciplina eletiva, sua percepção em relação ao tema espiritualidade e saúde e a importância atribuída ao curso no que concerne à sua formação pessoal, profissional e humanística.
Esta edição apresenta ainda artigos que tratam de ensino-aprendizado na graduação em saúde, movimento de humanização na saúde, desafios de uma escola técnica do SUS, avaliação do nível de desempenho do enfermeiro docente na educação de adultos, atuação do trabalhador da Estratégia Saúde da Família no interior do Amazonas e singularidades do processo de trabalho na área de saúde bucal.
Por fim, Trabalho, Educação e Saúde publica também uma entrevista e duas resenhas que analisam os livros “Riqueza e miséria do trabalho no Brasil III”, organizado por Ricardo Antunes, da Coleção Mundo do Trabalho, da Boitempo Editorial, e “Saúde coletiva: teoria e prática”, organizado por Jairnilson Silva Paim e Naomar de Almeida-Filho, da Medbook Editora. Boa leitura!
Para ler os artigos, acesse
CAMPOS, G. W. S. XV Conferência Nacional de Saúde: o que comemorar e o que criticar?. Trab. educ. saúde [online]. 2016, vol.14, n.1, pp.5-6. [viewed 30th March 2016]. ISSN 1981-7746. DOI: 10.1590/1981-7746-sip00102. Available from: http://ref.scielo.org/7bktnx
VARELA, R. and PEREIRA, L. B. O ‘direito ao trabalho’, saúde, educação e o nascimento do estado social. Trab. educ. saúde [online]. 2016, vol.14, n.1, pp.11-32. [viewed 30th March 2016]. ISSN 1981-7746. DOI: 10.1590/1981-7746-sip00088. Available from: http://ref.scielo.org/ptksgp
RIBEIRO, I. L. and MEDEIROS JUNIOR, A. Graduação em saúde, uma reflexão sobre ensino-aprendizado. Trab. educ. saúde [online]. 2016, vol.14, n.1, pp.33-53. [viewed 30th March 2016]. ISSN 1981-7746. DOI: 10.1590/1981-7746-sip00099. Available from: http://ref.scielo.org/nzdh4r
MATIAS, M. C. S., VERDI, M. I. M. and FINKLER, M. A dimensão ético-política da humanização e a formação de apoiadores institucionais. Trab. educ. saúde[online]. 2016, vol.14, n.1, pp.55-75. [viewed 30th March 2016]. ISSN 1981-7746. DOI: 10.1590/1981-7746-sip00095. Available from: http://ref.scielo.org/8tkg58
MONTEGUTI, B. R. and DIEHL, E. E. O ensino de farmácia no sul do Brasil: preparando farmacêuticos para o sistema único de saúde?. Trab. educ. saúde [online]. 2016, vol.14, n.1, pp.77-95. [viewed 30th March 2016]. ISSN 1981-7746. DOI: 10.1590/1981-7746-sol00008. Available from: http://ref.scielo.org/p8ps5p
SOUSA, I. F. and BASTOS, P. R. H. O. Interdisciplinaridade e formação na área de farmácia. Trab. educ. saúde [online]. 2016, vol.14, n.1, pp.97-117. [viewed 30th March 2016]. ISSN 1981-7746. DOI: 10.1590/1981-7746-sip00092. Available from: http://ref.scielo.org/3kh3vy
SIQUEIRA, M. C. G. and LEOPARDI, M. T. O processo ensino-aprendizagem na formação de trabalhadores do SUS: reflexões a partir da experiência da ETSUS. Trab. educ. saúde [online]. 2016, vol.14, n.1, pp.119-136. [viewed 30th March 2016]. ISSN 1981-7746. DOI: 10.1590/1981-7746-sip00094. Available from: http://ref.scielo.org/4npp8r
MARINS, B. R. and ARAUJO, I. S. Materiais educativos de vigilâncias sanitárias: perfil de produção e circulação no tema dos alimentos. Trab. educ. saúde[online]. 2016, vol.14, n.1, pp.137-154. [viewed 30th March 2016]. ISSN 1981-7746. DOI: 10.1590/1981-7746-sip00090. Available from: http://ref.scielo.org/mg9hqr
DRAGANOV, P. B. and SANNA, M. C. Competências andragógicas dos docentes enfermeiros que atuam na graduação em enfermagem paulistana. Trab. educ. saúde [online]. 2016, vol.14, n.1, pp.155-182. [viewed 30th March 2016]. ISSN 1981-7746. DOI: 10.1590/1981-7746-sip00098. Available from: http://ref.scielo.org/jf8q2v
KATSURAYAMA, M., PARENTE, R. C. P. and MORETTI-PIRES, R. O. O trabalhador no programa saúde da família no interior do estado do Amazonas: um estudo qualitativo. Trab. educ. saúde [online]. 2016, vol.14, n.1, pp.183-198. [viewed 30th March 2016]. ISSN 1981-7746. DOI: 10.1590/1981-7746-sip00096. Available from: http://ref.scielo.org/gzgdy5
BORGES, J. L. J., CRUZ, M. H. S. and LOPES, M. A. C. O modelo organizacional da unidade de saúde familiar de Portugal: uma análise dos discursos oficiais. Trab. educ. saúde [online]. 2016, vol.14, n.1, pp.199-220. [viewed 30th March 2016]. ISSN 1981-7746. DOI: 10.1590/1981-7746-sip00101. Available from: http://ref.scielo.org/qxz5tn
NETA, A. A. and ALVES, M. S. C. F. A comunidade como local de protagonismo na integração ensino-serviço e atuação multiprofissional. Trab. educ. saúde [online]. 2016, vol.14, n.1, pp.221-235. [viewed 30th March 2016]. ISSN 1981-7746. DOI: 10.1590/1981-7746-sip00089. Available from: http://ref.scielo.org/4gsb9s
REGINATO, V., BENEDETTO, M. A. C. and GALLIAN, D. M. C. Espiritualidade e saúde: uma experiência na graduação em medicina e enfermagem. Trab. educ. saúde [online]. 2016, vol.14, n.1, pp.237-255. [viewed 30th March 2016]. ISSN 1981-7746. DOI: 10.1590/1981-7746-sip00100. Available from: http://ref.scielo.org/32fcb7
VELLOSO, M. P., GUIMARAES, M. B. L., CRUZ, C. R. R. and NEVES, T. C. C. Interdisciplinaridade e formação na área de saúde coletiva. Trab. educ. saúde [online]. 2016, vol.14, n.1, pp.257-271. [viewed 30th March 2016]. ISSN 1981-7746. DOI: 10.1590/1981-7746-sip00097. Available from: http://ref.scielo.org/7f9zgc
GALVEAS, E. A., OLIVEIRA, A. E., ESPOSTI, C. D. D. and SANTOS NETO, E. T. Singularidades no processo de trabalho entre técnicos em saúde bucal e cirurgiões-dentistas. Trab. educ. saúde [online]. 2016, vol.14, n.1, pp.273-292. [viewed 30th March 2016]. ISSN 1981-7746. DOI: 10.1590/1981-7746-sip00091. Available from: http://ref.scielo.org/dtykj5
VIEIRA, L. M. et al. Formação profissional e integração com a rede básica de saúde. Trab. educ. saúde [online]. 2016, vol.14, n.1, pp.293-304. [viewed 30th March 2016]. ISSN 1981-7746. DOI: 10.1590/1981-7746-sip00093. Available from: http://ref.scielo.org/hn8pvs
Entrevista: Domingos Sávio Alves. Trab. educ. saúde [online]. 2016, vol.14, n.1, pp.305-309. [viewed 30th March 2016]. ISSN 1981-7746. DOI: 10.1590/1981-7746-sip00105. Available from: http://ref.scielo.org/3sydsr
CHINELLI, F. Riqueza emiséria do trabalho no Brasil III. Ricardo Antunes (org.). Coleção Mundo do Trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial, 2014, 464 p. Trab. educ. saúde [online]. 2016, vol.14, n.1, pp.311-313. [viewed 30th March 2016]. ISSN 1981-7746. DOI: 10.1590/1981-7746-sip. Available from: http://ref.scielo.org/ndtcms
FRAGA, L. and CARNEIRO, C. C. G. Saúde coletiva: teoria e prática. Jairnilson Silva Paim e Naomar de Almeida-Filho (orgs.). 1.ed. Rio de Janeiro: Medbook, 2014. 720p. Trab. educ. saúde [online]. 2016, vol.14, n.1, pp.313-315. [viewed 30th March 2016]. ISSN 1981-7746. DOI: 10.1590/1981-7746-sip00104. Available from: http://ref.scielo.org/xtj6p7
Links externos
Trabalho, Educação e Saúde – TES: www.scielo.br/tes
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