Marilena Chaui discute democracia e direito à educação

Marília Pinto de Carvalho, Editora Assistente de Educação e Pesquisa, São Paulo, SP, Brasil

EP_logoA reedição do clássico “Ideologia e educação”, de Marilena Chaui, é acompanhada de entrevista concedida a Homero Silveira Santiago e Paulo Henrique Fernandes Silveira. Entre outros temas, Chaui retoma seus tempos como professora de filosofia no Colégio Estadual Alberto Levy, em São Paulo, e discute a luta pela democracia e pelo direito à educação. No texto de 1980 que republicamos, há reflexões cuja atualidade ilumina movimentos atuais no campo da educação pública, em especial as ocupações de escolas, em São Paulo, Goiás e Rio de Janeiro.

Desde novembro de 2015, secundaristas vêm ocupando escolas para barrar reformas regidas pela lógica da racionalização econômica que foram impostas, sem debate público, por governos estaduais. Neste processo, os estudantes cozinharam, limparam e cuidaram de suas escolas, mas também reinventaram a educação escolar, ao promover oficinas, debates e rodas de conversa sobre temas de seu interesse; e ao construírem um sem números de formas de expressão, que vão do diário à composição musical, dos vídeos, cartazes e murais às peças de teatro, desenhos e grafites. Com isso, mais do que ocupar prédios escolares, alunos e alunas ocuparam o imaginário dos movimentos sociais e particularmente dos educadores, reascendendo esperanças. Sem dúvida, as questões colocadas por este movimento ainda levarão tempo para ser adequadamente debatidas, mas, 36 anos depois de sua publicação, as reflexões contidas no artigo de Marilena Chaui podem ajudar em sua compreensão e análise.

A professora afirma que, baseada na lógica da dissimulação, a ideologia tem como operação fundamental “passar do discurso de ao discurso sobre”, calando aqueles que vivem as experiências. Ora, um dos aspectos mais poderosos do movimento secundarista de 2015-2016 foi exatamente ter feito o caminho inverso, ao contrapor um discurso da juventude àquilo que dizem sobre ela educadores, governos, psicólogos, intelectuais e tantos outros que insistem em afirmar o que a juventude é e o que deveria ser.

O discurso dos estudantes, pautado na liberdade e na autonomia, se organizou a partir da ruptura com aquilo que Chaui denomina de “regra da competência”, segundo a qual “não é qualquer um que pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquer lugar e em qualquer circunstância”. Eram jovens “imaturos” (mais um termo contestado no artigo), que diziam aos adultos suas propostas, nos pátios, quadras, redes sociais e nas ruas. E o faziam em circunstâncias definidas por elas e eles — por exemplo, ao transformar o que chamaram de “entrevista coletiva” num jogral de muitas vozes e muitos rostos; ou ao ocupar as avenidas com “aulas na rua”.

Está bem caracterizado no texto até mesmo o eixo do movimento — a luta contra reformas do sistema educacional pautadas por uma lógica de eficiência e economia de recursos, e definidas a portas fechadas por economistas contratados por governos. Chaui critica essa “racionalidade” que já naquele momento era aplicada à educação e que “consiste pura e simplesmente em separar de modo radical aqueles que decidem ou dirigem e aqueles que executam ou são dirigidos, retirando destes últimos todo e qualquer poder sobre sua própria atividade.”

A mesma atualidade poderia ser destacada em muitas outras partes do artigo, mas deixamos ao leitor o prazer de encontrar esses paralelos que nos ajudam a responder aos desafios atuais da educação, entre eles os colocados pela explosão de autonomia que emergiu com as ocupações de escolas. Pois, ainda segundo Chaui, os alunos, tal qual as classes sociais “são um acontecer, um fazer-se, ação e reação, conflito e luta, movimento de autodescoberta e de autodefinição pelo seu próprio agir em cujo curso a classe, tanto quanto o aluno, se constituem sabendo de si.”

Além desse material, o primeiro número de Educação e Pesquisa em 2016 conta, ainda, com quinze artigos inéditos cujos temas incluem a reflexão teórica e metodológica, a formação de professores, a experiência das crianças na educação infantil, o bullying no Brasil e em Portugal, a educação à distância e a escolarização entre o povo Mapuche do Chile.

Para ler os artigos, acesse

CHAUI, M. S. Ideologia e educação. Educ. Pesqui. [online]. 2016, vol.42, n.1, pp.245-258. [viewed 16th May 2016]. ISSN 1678-4634. DOI: 10.1590/S1517-97022016420100400. Available from: http://ref.scielo.org/brrhnw

SANTIAGO, H. S. and SILVEIRA, P. H. F. Percursos de Marilena Chaui: filosofia, política e educação. Educ. Pesqui. [online]. 2016, vol.42, n.1, pp.259-277. [viewed 16th May 2016]. ISSN 1678-4634. DOI: 10.1590/S1517-97022016420100201. Available from: http://ref.scielo.org/pkrmxb

Link externo

Educação e Pesquisa – EP: www.scielo.br/revistas/ep/

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

CARVALHO, M. P. Marilena Chaui discute democracia e direito à educação [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2016 [viewed 24 December 2024]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2016/05/25/marilena-chaui-discute-democracia-e-direito-a-educacao/

 

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