Como os chineses passaram a amar cerveja?

Jeffrey Pilcher, Professor no Departamento de Estudos Históricos e Culturais na Universidade de Toronto, Toronto, Canadá

O artigo “‘Cerveja com características chinesas’: Marketing de cerveja sob o regime maoísta”, publicado na RAE-Revista de Administração de Empresas (v. 58, n. 3), mostra que, tal como acontece com tantas indústrias, a China é hoje o maior produtor e consumidor de cerveja do mundo. Esta é uma mudança notável, isso porque até a virada do século XX, praticamente nenhum chinês jamais havia bebido cerveja ocidental, e os poucos que a tinham experimentado, a compararam com remédio amargo (HÖLLMANN, 2014). Como os chineses aprenderam a amar cerveja?

Os economistas geralmente atribuem a ascensão da indústria de cerveja chinesa às reformas econômicas pós-maoístas e, de fato, o volume de produção de cerveja subiu drasticamente junto com as melhorias gerais na agricultura e na indústria (DAVIS, 2000; GERTH, 2010; JUN, 2000). No entanto, as estruturas da indústria da cerveja cresceram a partir de mudanças anteriores (LU, 1999).

No início do século XX, os imperialistas ocidentais construíram as primeiras cervejarias modernas da China nas cidades de Tsingtao (hoje Qingdao, na concessão alemã), Harbin (russo) e Hong Kong (inglês). Os intelectuais modernistas adotaram a nova bebida, mas somente depois de terem estabelecido uma linhagem chinesa que remontava a bebidas fermentadas de trigo e cevada produzidas há dois mil anos na dinastia Han. Empresários chineses também estabeleceram cervejarias na década de 1920 em Pequim, Yantai e Hangzhou, e o primeiro mestre cervejeiro chinês, Zhu Mei, estudou no Instituto Pasteur em Paris na década de 1930.

No entanto, foi sob Mao Zedong, que a indústria foi nacionalizada na esperança de fornecer bebidas alcoólicas modernas ao proletariado chinês (LU, 1999). A produção cresceu sob o Grande Salto Adiante, um programa governamental de modernização industrial e coletivização agrícola que durou de 1959 até 1961. Esta campanha foi justamente culpada por sua tentativa equivocada de construir usinas siderúrgicas locais e pela fome resultante que matou cerca de 30 milhões de pessoas (DIKÖTTER, 2010; THAXTON, 2008). Mas, ao contrário das economias de escala necessárias para a indústria pesada, as microcervejarias defendidas por Zhu Mei realmente eram um meio eficiente de produzir cerveja, embora não em um momento de fome.

Apesar desses contratempos, os chineses continuaram a desenvolver a indústria nacional, treinando técnicos e estabelecendo cadeias de fornecimento locais para cevada e lúpulo. Na década de 1970, a cerveja tornou-se um bem de consumo socialista típico, distribuído por uma rede de lojas do Ministério da Indústria Levem onde os consumidores podiam fazer compras com cadernetas de racionamento e cupons, com acesso preferencial aos trabalhadores urbanos. Os agricultores do campo só podiam sonhar com uma cerveja gelada. Assim, durante a Revolução Cultural, os chineses adquiriram o gosto pela cerveja como um marcador cotidiano de privilégio urbano que sobreviveu ao radicalismo maoísta e permanece até hoje como uma característica definidora da China comunista (DAVIS, 2000; CAO, 1982; QINGDAO SHIZHI SHANGYE JUAN, 2000).

A seguir, Jeffrey Pilcher comenta em vídeo os principais aspectos dessa pesquisa, confira:

Referências

CAO, Z.  Zhong guo ming jiu zhi [Famous alcoholic beverages from China]. Beijing, China: Zhong guo lu you chu ban she, 1982.

DAVIS, D. S. (Ed.). The consumer revolution in urban China. Berkeley: Washington, Government Printing Office, 2000.

DIKÖTTER, F. Mao’s great famine: The history of China’s most devastating famine. New York, USA: Walker & Co, 2010.

GERTH, K. As China goes, so goes the world: how Chinese consumers are transforming everything. New York: Hill and Wang, 2010.

HÖLLMANN, T. O. The land of five flavors: a cultural history of Chinese cuisine. New York: Columbia University Press, 2014.

JUN, J. (Ed.). Feeding China’s little emperors: food, children, and social change. Stanford: Stanford University Press, 2000.

LU, H. Beyond the neon lights: everyday Shanghai in the early twentieth ventury. Berkeley: University of California Press, 1999.

QINGDAO SHIZHI SHANGYE JUAN [Qingdao Municipal Gazetteers: Commerce volume]. Beijing, China: Wu zhou chuan bo chu ban she, 2000.

THAXTON, R. A., Jr. Catastrophe and contention in rural China: Mao’s great leap forward, famine, and the origins of righteous resistance in Da Fo village. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2008.

Para ler o artigo, acesse

PILCHER, J., WANG, Y. and GUO, Y. J. “Beer with chinese characteristics”: marketing beer under mao. Rev. adm. empres. [online]. 2018, vol.58, n.3, pp.303-315. [viewed 26 June 2018]. ISSN 0034-7590. DOI: 10.1590/s0034-759020180310. Available from: http://ref.scielo.org/96gnbm

Link externo

Revista de Administração de Empresas – RAE: www.scielo.br/rae

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

PILCHER, J. Como os chineses passaram a amar cerveja? [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2018 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2018/06/26/como-os-chineses-passaram-a-amar-cerveja/

 

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