Sobre o legado do grande imortal: cartas revelam documentos perdidos na transferência do espólio de Machado de Assis para a Academia Brasileira de Letras

Flávia Lobato, Assessora de comunicação da Machado de Assis em Linha – revista eletrônica de estudos machadianos, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

“Dentre as folhas velhas de e sobre Machado de Assis, muita coisa ainda está por ser revelada, muita mais ficou esquecida” (p. 200). É assim que as pesquisadoras Flávia Barretto Corrêa Catita e Luciana Antonini Schoeps, da Universidade de São Paulo (USP), abrem o artigo “Três cartas de Mário Alencar a José Veríssimo e o legado machadiano das folhas velhas”. O material, que trata da transferência do espólio machadiano para a Academia Brasileira de Letras (ABL) em 1908, é tema da seção “Páginas recolhidas” do periódico Machado de Assis em Linha – MAEL (v. 12, n. 26).

O trabalho apresenta especificidades do material, constituindo-se num inventário do que ficou perdido no processo de institucionalização do legado do escritor. Para isso, as autoras reproduzem cartas entre dois amigos: o crítico literário José Veríssimo, com quem Machado se correspondeu por mais de 25 anos, e o acadêmico Mário de Alencar, de quem o autor se tornou confidente já em seus últimos anos de vida. Amizades reconhecidas pelo “Bruxo do Cosme Velho” também em cartas. Numa delas, destinada a Magalhães de Azeredo, Machado diz que Mário é “um dos [amigos] que me tem valido nestes dias de solidão e de velhice” (ASSIS, 1969, p. 288).

Já as três cartas escritas por Mário e enviadas a Veríssimo – apesar de já parcialmente publicadas e comentadas por Josué Montello (1961) – estavam esquecidas no arquivo pessoal do filho de José de Alencar, guardado na ABL. Elas também relatam que Machado deixara instruções tanto nas cartas quanto em seu testamento sobre qual destino gostaria que fosse dado a seus papéis e a alguns objetos valiosos após sua partida. Nesta correspondência, Catita e Schoeps recolhem preciosas linhas, evidenciando as preocupações destes amigos quanto à transmissão, guarda e organização dos papéis do autor de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”.

Além disso, a pesquisa documental demonstra o quanto Machado de Assis zelava por suas “folhas velhas”.  A carta de Alencar para Veríssimo (24 de dezembro de 1908) é exemplar neste sentido: “Surpreendeu-me, como lhe disse, o pequeno número de cartas recebidas por ele [Machado de Assis] durante cinquenta anos pelo menos […]. Ele guardava tudo: cartas, cartões, convites impressos, tudo. Dos jornais não perdia coisa nenhuma, ao menos dos jornais que lia habitualmente: Jornal do Commercio, Gazeta e nos últimos anos o Correio da manhã” (p. 206).

Outra grata surpresa do artigo é conhecer um pouco mais sobre o processo de composição ficcional de Machado de Assis, que teria sido, de alguma forma, compartilhado com Alencar. Um momento raro, já que o escritor era conhecido por ser pouco afeito a declarações sobre sua obra.

Nas cartas, Alencar — um dos principais responsáveis por organizar o testamento literário do autor — conta que o romance “Dom Casmurro” (1899) inicialmente seria um conto. Ele acreditava que Machado de Assis adotou o mesmo processo de trabalho para criar todos as outras obras do gênero. “Ele não os delineava [romances] à maneira de Flaubert. O próprio assunto ia dando a matéria. Uma vez que eu lhe falei da dificuldade de compor um romance, disse-me ele que o principal, tendo-se um assunto, era pôr mãos à obra: o mais viria, a inspiração, os episódios, e o resto; e que a ele muita vez lhe acontecera achar no meio e no fim de um trabalho ideias em que não cogitara ao começá-lo” (p. 206).

No fim do artigo, as pesquisadoras comentam que há muito o que descobrir nas entrelinhas da correspondência, sugerindo novos estudos. Então, mãos à obra de Machado!

Referências

ASSIS, M. de. Correspondência de Machado de Assis com Magalhães de Azeredo. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1969.

MONTELLO, J. Um diálogo epistolar sobre Machado de Assis. In: MONTELLO, J.  O presidente Machado de Assis. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1961. p. 229-240.

Para ler o artigo, acesse

CATITA, F. B. C. and SCHOEPS, L. A. Três cartas de Mário de Alencar a José Veríssimo e o legado machadiano das folhas velhas. Machado Assis Linha, v. 12, n. 26, p. 199-219, 2019. ISSN: 1983-6821 [viewed 19 June 2019]. DOI: 10.1590/1983-68212019122611. Available from: http://ref.scielo.org/y6zck6

Link externo

Machado de Assis em Linha – MAEL: www.scielo.br/mael

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

LOBATO, F. Sobre o legado do grande imortal: cartas revelam documentos perdidos na transferência do espólio de Machado de Assis para a Academia Brasileira de Letras [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2019 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2019/06/19/sobre-o-legado-do-grande-imortal-cartas-revelam-documentos-perdidos-na-transferencia-do-espolio-de-machado-de-assis-para-a-academia-brasileira-de-letras/

 

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