Entrevista com Marina Toneli discute os desafios da participação social na Operação Urbana Água Espraiada na cidade de São Paulo

Camila Rodrigues da Silva, Assessora de comunicação do Cadernos Metrópole, São Paulo, SP, Brasil

Marina Toneli Siqueira

Marina Toneli Siqueira

No artigo “Novas políticas urbanas, novas formas de participação social? Os desafios da Operação Urbana Água Espraiada em São Paulo, Brasil”, publicado nos Cadernos Metrópole (v. 21, n. 45), a professora Marina Toneli Siqueira,  do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina, analisou o trabalho do seu grupo de gestão de 2001 a 2014 e expôs as disputas entre os agentes, suas estratégias e os desafios para a participação efetiva. Marina Toneli é doutora em planejamento urbano e políticas públicas pela Universidade de Illinois em Chicago. Professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina. Tem experiência na área de estudos urbanos, com ênfase em teoria e fundamentos de planejamento urbano. Atualmente coordena a pesquisa “Operando” cidades: operações urbanas consorciadas e a promessa de reforma urbana, financiada pelo CNPq.

O perímetro da operação urbana estudada inclui a nova centralidade econômica da cidade, onde estão localizadas as sedes e escritórios de importantes agentes econômicos. No mesmo espaço, porém, há uma série de comunidades informais que, conforme o previsto em lei, tiveram seu espaço de representação no conselho gestor. Entretanto, o que se percebe, segundo a autora conta nesta entrevista é uma série de assimetrias de poder entre os atores que compõem o conselho. Confira:

 

1. Você comenta no artigo sobre a falta de transparência do grupo de gestão da Operação Urbana Água Espraiada. Qual é a importância desses conselhos nas operações urbanas consorciadas?

A Água Espraiada é um caso específico devido à sua localização e complexidade. Localizada em São Paulo, o perímetro dessa operação inclui a nova centralidade econômica da cidade, onde estão localizadas as sedes e escritórios de importantes agentes econômicos. Se essa é uma área de investimento na arquitetura corporativa, esse perímetro também recebeu investimentos importantes em infraestrutura e equipamentos públicos, como a ponte estaiada que se transformou em um novo cartão postal da cidade. O plano da operação também tem outros investimentos, em especial em mobilidade – como a própria extensão da Avenida Roberto Marinho e sua conexão com a Rodovia dos Imigrantes –, que dizem respeito à cidade como um todo. Ainda, o perímetro inclui partes significativas de bairros consolidados, como Brooklin, Brooklin Novo, Vila Cordeiro, Campo Belo e Jabaquara, e ainda engloba um grande contingente de comunidades informais representando uma alta demanda por projetos de regularização, urbanização e/ou provisão de habitação de interesse social. Ou seja, esse é um projeto com alta complexidade, e isso se reflete nas ações do grupo de gestão da operação.

O Estatuto da Cidade impõe uma forma de controle da operação, obrigatoriamente compartilhado com representação da sociedade civil. Entretanto, não existem maiores especificações sobre a composição, atribuições, metodologia de trabalho e de tomada de decisão.

O que é importante ressaltar é que a participação da sociedade civil normalmente é tomada como um bem em si mesmo. Ela aumenta a transparência das decisões e a inclusão dos diversos agentes que produzem, reproduzem e vivem as cidades. Se a nossa sociedade é plural e heterogênea, os conselhos de participação social nas políticas públicas são arenas de negociação de conflitos entre diferentes grupos e interesses, bem como de reconhecimento desses participantes. Entretanto, como o artigo aponta, existe muito ainda a ser aprimorado na sua atuação. No caso da Operação Urbana Água Espraiada, se realizarmos uma análise da participação com base nos critérios de Sherry Arnstein, estaríamos ainda com uma participação abaixo do desejado para a efetiva delegação de poder e controle cidadão. Neste caso, temos momentos de informação, consulta e pacificação/apaziguamento.

2. Na sua avaliação, o que precisaria ser modificado na votação de projetos e na divulgação das ações desses conselhos?

No caso específico da Operação Urbana Água Espraiada, os representantes relataram pouca informação sobre o conteúdo das reuniões e das decisões sendo tomadas. Neste sentido, embora as convocatórias normalmente apresentem uma pauta, não havia material suplementar. No dia da reunião, eram apresentadas informações acerca das decisões a serem tomadas logo em seguida. Ou seja, segundo esses representantes, não havia tempo para análise e reflexão acerca das informações disponibilizadas. Portanto, seria necessária a disponibilização desse material com alguma antecedência, bem como a possibilidade de acesso a mais dados para tomar decisões informadas.

As reuniões aconteciam sem uma periodicidade fixa, muitas vezes com um longo intervalo de tempo entre elas. A maior regularidade e frequência permitiriam um acompanhamento mais sistemático do trabalho. Uma vez que as reuniões não eram gravadas, que o registro era feito à mão e que as atas disponibilizadas online eram muito sucintas, os representantes acreditavam que não existia o intuito de dar transparência ao trabalho sendo realizado no núcleo gestor. Portanto, não só a disponibilidade de material antes da reunião é fundamental para embasar as decisões, como também após as reuniões.

Ainda, segundo os entrevistados, por diversas vezes parecia haver decisões já tomadas, uma vez que a votação era feita de forma acelerada e em diversos casos os representantes dos órgãos públicos se uniam aos representantes do mercado imobiliário e de associações profissionais relacionadas à construção civil. Segundo um desses representantes, “a gente vai lá para saber o que já foi decidido”. Portanto, a efetividade dos conselhos depende também da sua composição para garantir equilíbrio na representação social.

Em nossa pesquisa atual, estamos levantando os casos de operação urbana consorciada com leis específicas e encontramos uma diversidade de casos, desde projetos que foram paralisados pela falta de participação social em sua elaboração até aqueles que foram implementados sem qualquer mecanismo de controle da operação compartilhado com a sociedade civil.

3. De 18 cadeiras no conselho gestor, somente três são de representantes de moradores da região. Ao longo dos anos, quais são as principais tensões entre os representantes de residentes formais e informais? Eles já se uniram por conta de algum interesse em comum?

As relações entre residentes formais e informais no perímetro da Operação Urbana Água Espraiada é algo que permeia não só o núcleo de gestão, mas a vida cotidiana da área, por conta da proximidade espacial. Assim, além das entrevistas com os representantes, o tema emergiu nas conversas com moradores, presidentes de associações de bairros e movimentos sociais.

Existe, por um lado, o respeito às comunidades informais e ao problema habitacional dessas famílias. Por outro, existe uma preocupação tanto com os efeitos negativos usualmente associados a estas comunidades (casos de tráfico de drogas e violência urbana, entre outros), quanto com o objetivo de “otimizar” os gastos públicos. Foi alegado em diversas entrevistas, inclusive com técnicos da Prefeitura de São Paulo, que seria melhor para todos se as realocações fossem realizadas fora do perímetro da operação urbana, já que os terrenos nessa área são muito caros e menores comparativamente a outras localizações em São Paulo, gerando um custo maior e um número menor de unidades no final. Finalmente, de formas diversas, foi expressada uma preocupação de que a legislação hoje garantiria mais direitos aos moradores informais do que aos proprietários por causa da existência de ZEIS, da obrigatoriedade do atendimento habitacional e do acionamento da Defensoria Pública e do Ministério Público para a defesa das comunidades informais.

O projeto original da Operação Urbana Água Espraiada previa uma via parque para a extensão da Avenida Água Espraiada (atualmente Avenida Roberto Marinho) e a conexão com a Rodovia dos Imigrantes a partir de um túnel de aproximadamente 400 metros. Em 2011, uma nova lei foi aprovada, alterando essa extensão da avenida para um parque linear enquanto a via foi transformada em um túnel de 2,3 quilômetros, obra estimada em R$3,7 bilhões e que colocou o orçamento da operação acima de sua capacidade de arrecadação.

Naquele momento se formou uma aliança entre moradores formais e informais devido à falta de consulta ao conselho e de transparência com relação às alterações do projeto. Por um lado, para os moradores formais, houve o aumento drástico no número de desapropriações e o risco de que os acordos e valores pagos pela Prefeitura fossem baixos frente à valorização imobiliária da área. Por outro, os moradores informais não haviam sido informados da transformação e de como seria feito o atendimento habitacional. Essa aliança, no entanto, não foi duradoura, já que foi divulgado que o Edital Público da obra previa a sua divisão em quatro lotes e cada um destes lotes estaria atrelado à construção de 1.000 unidades habitacionais, totalizando 4.000 unidades. Algumas dessas comunidades informais, bem como o Fórum de Moradores, passaram a apoiar a alteração do projeto, uma vez que traria a resolução do problema habitacional. Essa posição ia de encontro aos moradores formais a serem desapropriados e às diretrizes do movimento municipal de luta pela habitação de interesse social. Segundo um informante dessas comunidades, isso não significava que eles estavam contrários aos moradores formais, mas que cada um estava defendendo seu próprio interesse.

A obra foi paralisada em 2013 pela gestão municipal seguinte. Enquanto os moradores formais conseguiram continuar em suas casas, os informais continuaram em situação de precariedade habitacional e com futuro incerto, sofrendo pressões para a sua remoção. Ou seja, a versão da proteção e do privilégio da legislação para as comunidades de renda mais baixa apresentada nas entrevistas não é coerente com as condições de vulnerabilidade social, econômica, urbanística e jurídica enfrentadas no seu dia-a-dia. A existência de uma operação urbana não conseguiu solucionar as dificuldades dessas comunidades tão complexas.

4. Você identificou algum movimento de êxodo dos moradores formais e informais para outras regiões fora da área da operação urbana?

Existe uma pressão sobre moradores formais e informais que gera a sua mudança para fora do perímetro. Isso não acontece, no entanto, de forma homogênea no extenso perímetro da operação, e o projeto não é a sua única causa.

Por um lado, os setores mais próximos à Marginal Pinheiros e à Avenida Berrini possuem o maior interesse do mercado imobiliário. Por outro, parte da valorização imobiliária dessa área e dos investimentos públicos em infraestrutura precederam a operação urbana. De fato, nas minhas entrevistas com agentes da Prefeitura Municipal de São Paulo foi relatado que o interesse na região já existia, mas que o perímetro inicial era mais restrito às áreas próximas do Córrego Água Espraiada e primava pela sua canalização, bem como pela construção da avenida que conectaria à Rodovia dos Imigrantes. Esse perímetro inicial já atingia um grande número de comunidades informais e a necessidade de atendimento habitacional para essas famílias. Segundo as entrevistas, percebeu-se que esse tipo de perímetro não teria interesse do mercado imobiliário enquanto o sucesso comercial da Operação Urbana Faria Lima demonstrava a viabilidade do instrumento na consolidação do vetor sudoeste de São Paulo e para o financiamento de obras de infraestrutura. Assim, o perímetro foi expandido para o formato de “T deitado” atual, compreendendo os setores mais próximos à Marginal Pinheiros, à Avenida Berrini e aos bairros formais. Por sinal, essas decisões não foram tomadas com participação dos moradores e são anteriores ao núcleo de gestão da operação, embora tenham impacto direto na vida desses moradores.

Para o setor Brooklin foram estipulados índices urbanísticos mais restritivos. Mas o impacto da densificação e verticalização é sentido neste setor também. Segundo os moradores de áreas formais, agentes imobiliários fazem pressão para a venda dos imóveis. Se são proprietários, podem tentar um acordo vantajoso o uma unidade no futuro empreendimento. No caso de unidades menores ou daqueles que vivem de aluguel, a situação é mais frágil. É relatado também que o aumento no valor do metro quadrado desses bairros também foi acompanhado por uma mudança no perfil de moradores, com maior escolaridade, mais jovens e maior renda.

Por fim, existe uma grande preocupação com aqueles proprietários que já sofreram ou possam vir a sofrer desapropriações. Com o caso do túnel e do parque linear relatados anteriormente, o número de desapropriações aumentou e, segundo os moradores, o tipo de acordo a ser realizado com a Prefeitura não garantiriam a compra de um imóvel no bairro original, significando a mudança para localizações possivelmente piores.

Já no caso dos moradores informais, existe uma pressão em todas as comunidades, embora de diferentes formas. No geral, o que se percebe é que os investimentos em habitação social nesta operação urbana são menores do que a demanda e um número pequeno de habitações sociais foram entregues até o presente momento. Ainda, segundo o movimento de moradia, originalmente havia aproximadamente 12.000 famílias no perímetro, enquanto a Secretaria de Habitação identificou 8.748 famílias no levantamento original da operação e que seriam removidas e realocadas no perímetro do projeto. Em 2010, o registro oficial identificava 7.608 famílias e havia a previsão de construção de 7.590 unidades. Ou seja, ao longo do tempo de estudo, existiu uma diminuição do número de moradores e das unidades a serem construídas, mesmo se considerarmos apenas os dados oficiais e não as denúncias dos moradores locais.

Portanto, dentro do ciclo do projeto, essas unidades ou projetos de urbanização têm demorado mais do que outras obras públicas e investimentos privados.

Referências

FERREIRA, J. S. W. São Paulo: o mito da cidade global. 336 f. 2003. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.

FIX, M. Parceiros da exclusão. Duas histórias de construção de uma “Nova Cidade” em São Paulo: Faria Lima e Água Espraiada. São Paulo: Boitempo, 2001.

NOBRE, E. Reestruturação econômica e território: expansão recente do terciário na Marginal do Rio Pinheiros. 288 f. 2000. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.

Para ler o artigo, acesse

SIQUEIRA, M. T. New urban policies, new forms of social participation? The challenges of the Água Espraiada Urban Consortium Operation in São Paulo, Brazil. Cad. Metrop., v. 21, n. 45, p. 417-438, 2019. ISSN: 1517-2422 [viewed 14 August 2019]. DOI: 10.1590/2236-9996.2019-4503. Available from: http://ref.scielo.org/hqyh9g

Link externo

Cadernos Metrópole – CM: http://www.scielo.br/cm

Sobre Camila Rodrigues da Silva

Camila Rodrigues da Silva

Camila Rodrigues da Silva

Jornalista, assessora de comunicação do Cadernos Metrópole e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Demografia no IFCH-Unicamp, vinculada ao Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó”.

 

 

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

SILVA, C. R. Entrevista com Marina Toneli discute os desafios da participação social na Operação Urbana Água Espraiada na cidade de São Paulo [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2019 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2019/08/30/entrevista-com-marina-toneli-discute-os-desafios-da-participacao-social-na-operacao-urbana-agua-espraiada-na-cidade-de-sao-paulo/

 

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