O viés empregatício como elo entre grupos geograficamente próximos e socialmente distantes

Stephan Treuke, Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil

 

 

A socióloga Saskia Sassen (1999) afirma que a interdependência funcional de grupos localizados no espectro oposto da estratificação social manifesta-se particularmente nas regiões urbanas fronteiriças: de um lado, os guetos abrigando grupos étnico-raciais minoritários com um baixo perfil econômico e, por outro, os prédios involucrados em processos de gentrificação. Ela afirma também que essa proximidade geográfica entre os grupos socialmente distantes favorece as articulações pelo viés empregatício.

Tal elaboração teórica se confirma na pesquisa de Stephan Treuke que embasou seu artigo “Proximidade espacial versus distância social: examinando as articulações entre grupos socialmente distantes em três bairros populares de Salvador, Brasil”, publicado no Cadernos Metrópole (v. 21, n. 45).

Enfocando os momentos reprodutores da pobreza urbana a partir da sua dimensão espacial, o estudo qualitativo demonstrou que o contexto sociorresidencial afeta a mobilidade socioeconômica e nas condições de vida dos 90 entrevistados. Essa mobilidade socioeconômica dos entrevistados, assim como suas possibilidades de acessar recursos materiais e não materiais, e de mobilizar suas redes sociais para mitigar situações de vulnerabilidade se veem estreitamente condicionadas pelas estruturas de oportunidades promovidas pelo mercado de trabalho e pelas políticas sociais.

Para a análise, o autor utilizou o arcabouço metodológico proposto pelo sociólogo alemão Häußermann (2003), que examina o efeito-território a partir das três dimensões: material, social e simbólica. A dimensão material remete à localização geográfica do bairro em relação ao conjunto da cidade, abordando-se aspectos do acesso do indivíduo ao mercado de trabalho, ao transporte público, aos serviços urbanos e à infraestrutura comercial, social e cultural. Já a dimensão social abrange três componentes analíticos: a estrutura das redes sociais, a capacidade de eficiência coletiva (collective efficacy) e a influência de grupos de pares e modelos de referência locais em processos de socialização. Por fim, na dimensão simbólica, se questiona sobre o impacto negativo provocado na mobilidade socioeconômica e nas condições de vida do indivíduo através da estigmatização territorial. Esta pode produzir diversas experiências de desintegração nos indivíduos e causar disrupções na sua autoestima. O autor analisou, então, as distintas formas de discriminação territorial, por exemplo, na hora de procurar um emprego ou na abordagem pela polícia.

Os resultados enfatizam que a proximidade geográfica aos condomínios beneficia a integração econômica dos moradores no setor dos serviços pessoais, mas essa integração econômica ocorre a partir de formas de emprego que podem ser consideradas como não qualificadas e de baixa remuneração – e que, na sua grande maioria, não dão direito à carteira assinada. Logo, tal integração não viabiliza uma mobilidade econômica ascendente da população em nenhum dos três bairros no longo prazo.

Além disso, observou-se que bairros com uma população de perfil socioeconômico baixo não são internamente homogêneos, e os indivíduos não se veem afetados igualmente pelo contexto sociorresidencial no qual eles se inserem. No entanto, a associação causal entre os fatores atrelados à escala do bairro e os fatores que se reportam ao próprio indivíduo não pode ser considerada como arbitrária, mas se baseia em estruturas similares.

Outra conclusão importante é que, nos três bairros analisados, articulações entre grupos socialmente distantes extrapolando o vínculo empregatício raramente acontecem, corroborando as considerações de Ruiz-Tagle (2016) de que a integração da população pobre unilateralmente pelo viés econômico – ainda que beneficiando alguns poucos entrevistados no nosso caso – não promove sua integração social vis-à-vis seu entorno geográfico.

Referências

HÄUßERMANN, H. Armut in der Großstadt. Die Stadtstruktur verstärkt soziale Ungleichheit. Informationen zur Raumentwicklung, v. 3/4, p. 147-159, 2003. ISSN: 0303-2493 [viewed 15 August 2019]. Avaliable from: https://www.bbsr.bund.de/BBSR/DE/Veroeffentlichungen/IzR/2003/Downloads/3_4Haeussermann.pdf?__blob=publicationFile&v=2

RUIZ-TAGLE, J. La persistencia de la segregación y la desigualdad en barrios socialmente diversos: un estudio de caso en La Florida, Santiago. EURE (Santiago), v. 42, n. 125, p. 81-108, 2016. ISSN: 0250-7161 [viewed 15 August 2019]. DOI: 10.4067/S0250-71612016000100004. Available from: https://scielo.conicyt.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0250-71612016000100004&lng=es&nrm=iso

SASSEN, S. Service employment regimes and the new inequality. In: MINGIONE, E. (Org.). Urban poverty and the underclass: a reader. Malden: Blackwell Publishers, 1999. p. 64-82.

Para ler o artigo, acesse

TREUKE, S. Proximidade espacial versus distância social: examinando as articulações entre grupos socialmente distantes em três bairros populares de Salvador, Brasil. Cad. Metrop., v. 21, n. 45, p. 619-646, 2019. ISSN: 1517-2422 [viewed 15 August 2019]. DOI: 10.1590/2236-9996.2019-4512. Disponível em: http://ref.scielo.org/svwz3b

Link externo

Cadernos Metrópole – CM: http://www.scielo.br/cm

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

TREUKE, S O viés empregatício como elo entre grupos geograficamente próximos e socialmente distantes [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2019 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2019/08/29/o-vies-empregaticio-como-elo-entre-grupos-geograficamente-proximos-e-socialmente-distantes/

 

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