Davis Moreira Alvim, Docente do Instituto Federal do Espírito Santo, Serra, ES, Brasil.
Izabel Rizzi Mação, Doutoranda na Universidade Federal do Espírito Santo, Serra, ES, Brasil.
Steferson Zanoni Roseiro, Professor da Rede Municipal de Ensino de Cariacica, Viana, ES, Brasil.
É praticamente impossível visitar uma ocupação secundarista e não sair dela transformado. Por exemplo, em uma roda de conversa com ocupantes de uma escola da rede estadual do Espírito Santo, um ocupante evangélico disse aos pesquisadores que conviveu por muito tempo com um grupo de amigos que odeiam homossexuais e abominam qualquer forma de contato com essa orientação sexual. O estudante, porém, falou em seguida que depois de sua experiência na ocupação passou a dormir ao lado de seu novo amigo gay e que jamais iria permitir novamente que tratem pessoas LGBT dessa forma: “Pô velho, são irmãos, são irmãs, como a gente pode querer distância? Eu tô saindo daqui uma pessoa nova, uma pessoa transformada”, disse ele. Na sequência, outro ocupante concluiu: “A gente poderia ser visto como uma fênix, porque quando nossos preconceitos chegam aqui eles morrem e nós renascemos pessoas renovadas”. As ocupações e suas fênix convocam a mudança para todos: estudantes, professores, gestores e, por que não, filosofias da educação.
Não faltam artigos, livros, palestras e aulas para se falar sobre as escolas e, mais especificamente, para explicar como as escolas funcionam ou como elas deveriam funcionar. Sobre a escola debruçam-se os tradicionalistas, os fatalistas, os defensores da desescolarização, os politicamente engajados, os preocupados com a formação da humanidade, os defensores da essência escolar e até mesmo os adeptos do autodidatismo. De algum modo, todos fazem filosofias da educação e, entretanto, silenciam sobre uma temática: as lutas e as resistências operadas por estudantes e suas participações ativas na invenção da educação escolar. Afetados pela incrível potência educativa das ocupações secundaristas, Davis Moreira Alvim, Izabel Rizzi Mação e Steferson Zanoni Roseiro se debruçam sobre as filosofias da educação para perguntar sobre o papel das resistências estudantis. Afinal, qual o papel das resistências estudantis na criação da escola?
Sendo professores e pesquisadores das infinitas possibilidades de resistência da vida, os autores produzem o que chamam de uma cartografia a partir da análise de trabalhos de autores renomados no campo da educação, como Paulo Freire, Ivan Illich, Dermeval Saviani, Jan Masschelein e Maarten Simons.
Os autores do artigo “Ano 2091 – silêncio nas filosofias da educação: por uma cartografia das resistências escolares”, publicado na Educação & Pesquisa (vol. 46) se depararam com alguns silêncios incômodos. Seja em uma concepção da escola regrada pelas amarras do poder ou nas propostas libertadoras e progressistas da educação, as resistências estudantis são, frequentemente, silenciadas. Ainda que algumas filosofias da educação questionem o caráter meramente “educável” e passivo dos estudantes, emerge ali certo desejo dominador que invalida ou silencia as resistências estudantis enquanto força criadora de escolas.
Em meio às brechas da escola, vemos alunas e alunos se organizarem em movimentos de ocupação escolares, fazendo marchas em prol do empoderamento feminino, realizando práticas de autogestão e formando coletivos estudantis. Às avessas da lógica de um poder controlador, vemos, então, um verdadeiro tratado da “alunalogia” se fazendo nas escolas. É uma linha que percorre de maneira tímida as obras pedagógicas, mas que, por sua vez, faz surgir, em meio às filosofias da educação, a força criadora dos movimentos estudantis. Aqui, não mais viveríamos as distopias do ano de 2020 ou 2091, antes, estaríamos em outro calendário. É o ano um do calendário escolar!
Referências
ALVIM, D. M. and MAÇÃO, I. R. Uma filosofia das crianças: forças, meios e invenções. In: RODRIGUES, A. (org.). Crianças em dissidência: narrativas, desobediência da infância. Salvador: Devires, 2018.
ALVIM, D. M. and RODRIGUES, A. Coletivos, ocupações e protestos secundaristas: a fênix, o leão e a criança. ETD-Educação Temática Digital [online]. 2017, vol. 19, no. esp., pp. 75-95. DOI: 10.20396/etd.v19i0.8647747, ISSN: 1676-2592 [viewed 20 July 2020]. Available from: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/etd/article/view/8647747
CAMPOS, A. J. M.; MEDEIROS, J. and RIBEIRO, M. M. Escolas de luta. São Paulo: Veneta, 2016.
MASSCHELEIN, J.; SIMONS, M. Em defesa da escola: uma questão pública. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
PELBART, P. P. Carta aberta aos secundaristas. São Paulo: n-1 edições, 2016.
ROSEIRO, S. Z.; GONÇALVES, N. T. L. P. and RODRIGUES, A. Escola, problemas de escuta? Childhood & Philosophy [online]. 2019, vol. 15, pp. 1-21, E-ISSN: 1984-5987. DOI: 10.12957/childphilo.2019.40339. Available from: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/childhood/article/view/40339/29386
TAVARES, D. R. Autodidatismo libertário: evolução e educação na ontogênese do homo ciberneticus. Curitiba: Itahala, 2014.
Para ler o artigo, acesse
ALVIM, D. M.; MACAO, I. R. and ROSEIRO, S. Z. Ano 2091 – silêncio nas filosofias da educação: por uma cartografia das resistências escolares. Educ. Pesqui. [online]. 2020, vol. 46, e223171, ISSN: 1678-4634 [viewed 5 August 2020]. DOI: 10.1590/s1678-4634202046223171. Available from: http://ref.scielo.org/zfxk4c
Link externo
Educação e Pesquisa – EP: www.scielo.br/ep/
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