Eliana Rosa de Queiroz Barbosa, Professora visitante do Programa de mestrado em Planejamento e Política Urbana no Politecnico di Milano (2020) e pesquisadora afiliada à Universidade Federal do Rio de Janeiro, pós-doutoranda do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC), Milão, Itália.
Uma área que originalmente acomodava as cheias do rio Tietê e hoje se caracteriza por ser um espaço urbano dinâmico em reestruturação: o território entre Lapa de Baixo, Água Branca e Barra Funda é o objeto de estudo do artigo “O rio, a ferrovia e a marginal: infraestrutura e ambiente na ocupação da várzea do Tietê em São Paulo”, publicado no Cadernos Metrópole (vol. 22, no. 48). O objetivo da pesquisa é explicar a materialização deste espaço por meio da construção de uma narrativa histórica e do método de cartografia interpretativa. A conclusão é de que o rio Tietê e sua várzea determinam as lógicas da paisagem natural deste lugar, enquanto a ferrovia pode ser entendida como a primeira tentativa de impor uma racionalidade técnica sobre a paisagem natural.
A pesquisa se propôs a construir figuras conceituais para interpretar a paisagem ambiental urbana. Urbanização, parcelamento e edificação são apresentados em suas interações, como processos que, de acordo com Solà-Morales (1997), enquadram a materialização deste território.
De acordo com esta interpretação, a urbanização se iniciou com a formação das vias tradicionais (Figura 1-B). Antes uma paisagem natural (Figura 1-A), esse território foi atravessado por estradas vicinais que chegavam a pontos de travessia do rio. Posteriormente, foi implantada a ferrovia, dividindo o território em dois, separando fisicamente as áreas inundáveis – espaços secundários – das áreas fora das várzeas – espaços primários. A ferrovia formou uma plataforma no território, atraindo indústrias ao longo do seu eixo, através de edificações colocadas diretamente conectadas aos seus trilhos, elementos desassociados do entorno e alimentados pelos trilhos como seu único acesso. Até a década de 1950, a ferrovia e as vias tradicionais foram informando a ocupação, atraindo edificações e usos para o seu entorno imediato. O último grande elemento infraestrutural realizado, compondo as estratégias de urbanização, foi a construção da marginal (Figura 1-D, E), um sistema viário que se expande a partir do rio, interrompendo antigas lógicas de circulação.
O parcelamento do território (Figura 1-G, H, I) ocorreu paralelamente ao processo de infraestruturação. Os primeiros fragmentos de tecido urbano de uso misto foram as áreas da Lapa de Baixo e do Bom Retiro (Figura 1-G). Nesse mesmo período, o bairro vila Anastácio foi parcelado dentro de um dos antigos meandros do Tietê. Apenas na década de 1960 que outros processos de parcelamento ocorreram (Figura 1-H), dentro de uma lógica espacial distinta. Observa-se um fragmento de tecido industrial, confinado entre dois córregos a norte da fábrica Santa Marina, em área na qual havia os reservatórios das fábricas. Em malha ortogonal, as vias locais são maiores – adequadas para o tráfego de veículos de grande porte, como caminhões. O último parcelamento iniciou-se em 2007 (Figura 1-I), seguindo a lógica das tipologias contemporâneas: os condomínios fechados verticais.
Ao entender a área de acordo com essas categorias, pode-se relacionar sua fragmentação à multiplicação de estratégias de materialização nesse fragmento urbano. Até a retificação do rio, a ocupação da várzea seguia a lógica do regime de inundações. Com a multiplicação da infraestrutura, a estrutura da paisagem – nomeadamente a várzea – permaneceu fixa, mas os elementos da paisagem, como os córregos, foram consecutivamente artificializados. Apesar disso, suas funções como elementos da paisagem permanecem inalteradas: ainda há cheias, visto que esses elementos compõem um sistema de drenagem e o território é uma várzea.
O artigo também permite compreender as mudanças dos agentes de construção da infraestrutura. Do fim do século XIX até a década de 1930, o poder público foi o responsável por deflagrar projetos e intervenções na área da várzea. Ao longo dos anos 1940, 1950 e 1960, o mesmo poder construiu infraestrutura de escala metropolitana. A partir de meados da década de 1970, com o fim do milagre econômico, as atividades do setor industrial passaram a recuar e diminuir sua participação na cidade. Portanto, desse período em diante, a infraestrutura pouco guiou a ocupação, que se deu por meio da materialização de fragmentos distintos. A área tornou-se novamente uma paisagem expectante até o início dos anos 2000, quando uma mudança na regulação urbana, combinada a uma nova onda de crescimento econômico, definiu as bases da reestruturação espacial contemporânea, desconsiderando a questão ambiental.
Para além da análise da região da várzea do Tietê, a pesquisa traz como contribuição a construção de alegorias que articulam uma reflexão sobre o papel da infraestrutura na ocupação do território natural.
Veja no vídeo a seguir, será mais detalhado de que forma a cartografia foi usada como metodologia de análise histórica do território estudado.
Referências
BARBOSA, E. R. de Q. Da norma á forma: urbanismo contemporâneo e a materialização da cidade. 2016. 387 f. Tese (Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Presbiteriana Mackenzie São Paulo, 2016. Available from: http://tede.mackenzie.br/jspui/handle/tede/2908
PESSOA, D. F. Utopia e cidades: proposições. Annablume, 2006. Available from: encurtador.com.br/agFI7
SOLÀ-MORALES, M.D. Las formas de crecimiento urbano. Barcelona: Ediciones UPC, 1997. Available from: encurtador.com.br/gloqQ
Para ler o artigo, acesse
BARBOSA, E. R. de Q.; SOMEKH, N. and MEULDER, B. De. The river, the railway and the highway: infrastructure and environment in the occupation of the Tietê floodplain in São Paulo. Cad. Metrop. [online]. 2020, vol. 22, no. 48, pp. 527-553, ISSN: 2236-9996 [viewed 12 August 2020]. DOI: 10.1590/2236-9996.2020-4809. Available from: http://ref.scielo.org/h6bv39
Link externo
Cadernos Metrópole – CM: http://www.scielo.br/cm
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