Mariana Arantes Nasser. Médica sanitarista e professora. Departamento de Medicina Preventiva (DMP), Escola Paulista de Medicina (EPM), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). São Paulo, SP, Brasil.
Marília Oliveira Calazans. Historiadora e estudante de Pós-graduação. Centro de Antropologia e Arqueologia Forense, Unifesp. São Paulo, SP, Brasil.
Claudia Fegadolli. Farmacêutica e professora. Departamento de Ciências Farmacêuticas, Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas (ICAQF), Unifesp. Diadema, SP, Brasil.
Sandro Barbosa de Oliveira. Cientista social, professor e educador popular. Centro de Estudos Periféricos do Instituto das Cidades, Unifesp. São Paulo, SP, Brasil.
Joana de Fátima Rodrigues. Jornalista e professora. Departamento de Letras, Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Unifesp. Guarulhos, SP, Brasil.
Rosângela Calado da Costa. Cientista ambiental e professora. Departamento de Ciências Ambientais, ICAQF, Unifesp. Diadema, SP, Brasil.
Eduardo Henrique Moraes Santos. Assistente social, Estudante de Pós-Graduação. Programas de Serviço Social (PUC São Paulo) e Políticas Públicas (UFABC). São Paulo, SP, Brasil.
Giovanna Moreira Zanchetta. Estudante de Graduação do Curso de Educação Física. Instituto Saúde e Sociedade, Unifesp, Santos, SP, Brasil.
Lumena Almeida Castro Furtado. Psicóloga sanitarista e professora. DMP, EPM, Unifesp. São Paulo, SP, Brasil.
Um grupo de 108 pesquisadores, entre professores e estudantes de graduação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), jovens estudantes do ensino médio e moradores de 16 territórios metropolitanos dos municípios de São Paulo e de Santos, desenvolveu a pesquisa Desigualdades e vulnerabilidades na epidemia de Covid-19: monitoramento, análise e recomendações, de maio a dezembro de 2020. O artigo Vulnerabilidade e resposta social à pandemia de Covid-19 em territórios metropolitanos de São Paulo e da Baixada Santista (SP, Brasil), escrito a partir deste estudo e publicado na Interface – Comunicação, Saúde e Educação, tem o objetivo de analisar a vulnerabilidade e os modos de enfrentamento à pandemia de Covid-19.
Esperamos contribuir para as populações participantes e para outros territórios metropolitanos, no tempo presente e no futuro, ao favorecer a compreensão sobre as vulnerabilidades a epidemias e ensejar possibilidades de transformação da realidade, por meio do compartilhamento e da análise de experiências de resposta social.
Participaram os territórios de: Heliópolis, Vila São José, Jardim Helian, Vila Miguel Ignácio Curi, Vila da Paz, Vila Mariana e Luz (São Paulo); Portal D’Oeste, Quitaúna, Bandeira e Morro do Socó (Osasco); Residencial Esplanada e Núcleo Mabel Assis (Uneafro), ambos no bairro dos Pimentas (Guarulhos); Eldorado (Diadema); Alemoa e Saboó (Santos).
As condições de vida são diferentes entre os territórios; como rimam os Racionais MC’s: “o mundo é diferente da ponte pra cá.” 14 áreas são classificadas como aglomerados subnormais, as Comunidades, na expressão dos moradores. A Vila Mariana, bairro paulistano reconhecido como de classe média, também abriga comunidades vulneráveis. A denominação “Luz” foi preferida pelos pesquisadores do “fluxo”, à de “Cracolândia”.
Nas Comunidades, moradias precárias, trabalho informal, desemprego e transporte deficitário caracterizam as condições de vida, agravadas nos tempos de Coronavírus. Houve redução da renda para 87,3% das 450 pessoas que citaram alteração. Já a fome, aumentou: 79% dos pesquisados referiu insegurança alimentar. A concentração de pessoas no mesmo espaço dificultou o isolamento social nos casos de infecção por Covid-19. O estudo mostrou divisão mais desigual do trabalho na pandemia, com sobrecarga das mulheres no cuidado com a família e no trabalho fora do lar.
Na Vila Mariana (Classe Média), a maioria dos entrevistados pôde aderir ao teletrabalho, mas muitos experimentaram redução de renda ou desemprego. Foram frequentes os relatos de dificuldade de convivência familiar e solidão.
A Luz é um território “transitório”. Há quem está no “fluxo”, mas também outros que transitam por ali. Na quarentena, ocorreu limitação da possibilidade de “manguear” e fazer “corres” (na linguagem das ruas, pedir e fazer trabalhos informais, respectivamente).
O quadro da vulnerabilidade e dos direitos humanos foi tomado como referencial teórico3 pela contribuição para a compreensão e transformação da realidade social. A vulnerabilidade diz respeito às chances para adoecer ou para se proteger e apresenta três componentes interrelacionados, dos quais destacamos alguns aspectos para a infecção e a doença pelo Coronavírus:
- a vulnerabilidade individual – em todos os territórios, os participantes manifestaram desconfiança nas fontes de informação governamentais, uma atitude protetiva frente à propaganda contra a saúde pública e às fake news sistemáticas e institucionais. As possibilidades de prevenção se relacionam com poder acessar e aplicar as informações, o que depende do sentido para a vida de cada pessoa;
- a vulnerabilidade social – nas Comunidades, as relações de trabalho são mais precárias, mas há maior apoio entre os vizinhos, em comparação com a solidão da Classe Média. Na Luz, a violência nas relações interpessoais e institucionais, incluindo violação dos direitos humanos pelas forças públicas, impacta a proteção ao Coronavírus e o acesso a auxílios;
- a vulnerabilidade programática – o acesso a serviços, insumos de proteção, e internação (quando necessária) foi muito menor na Vila Mariana (Classe Média), e maior nas Comunidades e, principalmente, na Luz.
Trabalhar com a vulnerabilidade (AYRES, et al.) demanda compromisso universal e propostas específicas para cada população. Os direitos humanos são um marco fundamental, contribuindo para a construção da resposta social.
As necessidades urgentes, amplificadas na pandemia, demandaram organizações imediatas de redes de apoio. Foi relevante a participação de movimentos sociais organizados e lideranças comunitárias, com protagonismo feminino, principalmente de mulheres negras. As redes tiveram como foco a garantia da sobrevivência e o acesso aos direitos. “Tudo que nós tem é nós,” afirmavam os participantes, conforme Emicida dá a letra.
Para a nossa pesquisa, marcada pelo compromisso social, foi importante o engajamento dos movimentos sociais de cada território. O encontro das redes de solidariedade possibilitou seu (re)conhecimento e a potencialização de ações de transformação, além de momentos de reflexão, mediados por ciência e arte, contribuindo para a análise.
Para enfrentar os desafios da pandemia e das vulnerabilidades, foram exemplos as estratégias de: formulação de políticas públicas dirigidas ao poder público; elaboração de vídeos, compondo a série Pandemia das Desigualdades, disponíveis no Canal do YouTube da Unifesp; e a criação coletiva de produtos informativos e educativos para distribuição e compartilhamento nos territórios.
Destacamos o MegaZine TERRITÓRIOS – de olhos abertos contra as desigualdades, que, na linguagem dos quadrinhos, aborda temas escolhidos pelos movimentos sociais: auxílios; reabertura de comércio e bares; retorno ao trabalho; uso do transporte público; procedimentos contra violência doméstica; estatísticas da pandemia; fontes sobre reintegração de posse e violência estatal.
Figura 1. Fotografia da capa do MegaZine.
Nossa metodologia combinou o estudo de casos múltiplos e a pesquisa participante, com comitês locais para acompanhamento. Cada território constituiu um caso, conhecido a partir de: questionários estruturados; entrevistas individuais e coletivas; observação participante, com diário de campo; inquérito de soroprevalência para Covid-19; e inquérito nutricional. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unifesp (processo 31165120.7.0000.5505). Os movimentos sociais manifestaram anuência para a participação. Contamos com o apoio de Edital Unifesp / Fundação Tide Setubal.
A pandemia de Covid-19 expôs ao mundo e ao Brasil iniquidades sociais e problemas de saúde pública. Consideramos que as desigualdades socioeconômicas não são naturais, ou culpa de indivíduos e coletivos, o que implicaria em estigmas e na desresponsabilização do Estado.
A infecção e a doença por Covid-19 constituíam (como ainda) um desafio: as medidas de proteção específica, representadas pelas vacinas, eram inexistentes; as estratégias populacionais de isolamento, distanciamento social e prevenção geral baseadas na barreira e na higiene, embora fundamentais, eram difíceis de praticar.
A ausência de terapêutica específica e eficaz persiste: os cuidados seguem restritos à paliação dos sintomas e suporte para a vida. A desigualdade no acesso aos direitos humanos – direitos fundamentais à vida, saúde e integridade física, especificamente – foi tomada como um pressuposto do estudo, com vistas a conhecer a luta das populações participantes por maneiras de (sobre)viver à ameaça pandêmica e às privações nas cidades.
Referências
AYRES, J.R.C.M., et al. O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. In: CZERESNIA, D. and FREITAS, C.M. (org). Promoção em saúde: conceitos, reflexões e tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003.
FURTADO, L.A.C. (coord.). Pesquisa desigualdades e vulnerabilidades na epidemia de COVID-19: monitoramento, análise e recomendações. São Paulo: Unifesp/Fundação Tide Setubal, 2021 [viewed 26 November 2021]. Available from: https://repositorio.unifesp.br/handle/11600/61363
Para ler o artigo, acesse
NASSER, M.A., et al. Vulnerabilidade e resposta social à pandemia de Covid-19 em territórios metropolitanos de São Paulo e da Baixada Santista, SP, Brasil. Interface (Botucatu) [online]. 2021, vol. 25 [viewed 25 November 2021]. https://doi.org/10.1590/interface.210125. Available from: https://www.scielo.br/j/icse/a/jJYXk4xFdhCmMhjsDVWNTHg/?lang=pt
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