O que pode ensinar um muro de escola com pichações racistas e homofóbicas?

Anderson Ferrari, Professor associado da Faculdade de Educação, Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora, MG, Brasil.

Roney Polato de Castro, Professor adjunto da Faculdade de Educação, Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora, MG, Brasil.

Felipe Bastos, Professor de biologia do Colégio de Aplicação João XXIII, Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora, MG, Brasil.

A sociedade enfrenta momentos difíceis no que se refere aos discursos de violências direcionados a alguns grupos considerados vidas não passíveis de luto, como nos propõe a filósofa norte-americana Judith Butler (2018, 2019). Essas situações têm afetado e provocado o modo de se pensar as problematizações e os possíveis confrontos no campo da educação. Assim, nesse contexto foi possível analisar duas pichações – uma de cunho racista e outra de cunho homofóbico – produzidas, em momentos distintos, em um muro de uma escola pública, numa cidade do interior de Minas Gerais. As condições de emergência dessas duas pichações, bem como as respostas da escola, são discutidas no artigo Marcas inscritas nos muros da escola: imagens, educação e vidas precárias, publicado no periódico Educação & Sociedade (vol. 42), o qual analisa os enquadramentos que nos constituem e que atuam como organizadores de violências imputadas atribuídas a pessoas negras e homossexuais, posicionadas como “outros”.

O estudo toma as duas pichações como fio condutor para as análises em uma perspectiva foucaultiana e butleriana, a qual considera os modos pelos quais nos tornamos o que somos como processos educativos, aprendendo e ensinando determinados saberes, atravessados por relações de poder. Os argumentos centrais do artigo defendem que esses processos envolvem as potencialidades de colocar sob suspeita os saberes que reiteram e legitimam as violências e como eles nos constituem, assim como, a partir deles, somos capazes de produzir outras formas de pensar, ser e agir, inventando outros modos de existências.

Imagem: Do autor.

A principal estratégia discursiva presente nas pichações é o recurso à vulnerabilidade e à condição precária de determinados corpos, afastando-os do sentido de humanidade, tornando possível, portanto, que a violência simbólica se perpetue. Na pichação racista, uma suposta origem da raça negra é assumida de forma vexatória com o cruzamento de macacos; na pichação homofóbica, os gays são associados a AIDS, o que os tornariam pessoas excluídas da sociedade. A ideia de que as vidas de pessoas negras e gays não importam, de que seriam vidas não enlutadas, passa a preencher o muro monótono da escola, ensinando e reiterando os lugares histórica e socialmente atribuídos a essas pessoas. O caráter pedagógico das pichações, portanto, está na sua capacidade de afetar e produzir determinados tipos de sujeitos.

Outro argumento levantado no artigo é a forma como essa mesma escola é incitada a tomar para si o debate sobre questões raciais e de sexualidade. Há dois posicionamentos distintos da instituição: a tinta da pichação homofóbica foi apenas apagada do muro; já a pichação racista foi coberta por uma intervenção artística, um grafite pintado com cores quentes que celebrava a presença de pessoas negras naquela escola. Tal forma de intervenção diz dos modos como as lutas antirracistas e dos movimentos LGBTQIA+ produzem efeitos nas relações sociais: embora o racismo e a homofobia sejam, ambas, formas de violências desumanizadoras, que potencializam a precariedade das vidas das pessoas negras e gays, a escola se posiciona destacando e valorizando a luta antirracista, enquanto silencia as discussões das sexualidades.

A seguir, ouça o podcast de Roney Polato de Castro ampliando a discussão sobre posicionamentos racistas e homofóbicos na escola.

Leia mais

BUTLER, J. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.

BUTLER, J. Corpos que importam: os limites discursivos do “sexo”. São Paulo: n-1 edições, 2019.

Para ler o artigo, acesse

FERRARI, A., CASTRO, R.P. and BASTOS, F. Marcas inscritas nos muros da escola: imagens, educação e vidas precárias. Educação & Sociedade [online]. 2021, vol. 42, e231389, ISSN: 1678-4626 [viewed 13 December 2021]. https://doi.org/10.1590/ES.231389. Available from: https://www.scielo.br/j/es/a/Z56vPk9gBCkscnYNnWJrvFP/?lang=pt#

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FERRARI, A., CASTRO, R.P. and BASTOS, F. O que pode ensinar um muro de escola com pichações racistas e homofóbicas? [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2021 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2021/12/13/o-que-pode-ensinar-um-muro-de-escola-com-pichacoes-racistas-e-homofobicas/

 

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