Wanderson Ferreira Alves, Professor da Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Educação, Programa de Pós-graduação em Educação, Goiânia, GO, Brasil.
Faz trinta anos que o sociólogo espanhol Mariano Fernández Enguita publicou um artigo que fez sucesso no meio acadêmico brasileiro. Um dos pontos centrais foi a constatação de que havia uma crescente degradação do trabalho docente, condição esta que distava muito daqueles que no passado lecionavam em suas próprias casas ou locais nos quais eles mesmos tinham o total controle dos tempos, dos conteúdos e espaços escolares. Mestres autônomos ou semiautônomos que, em termos de Brasil, corresponderiam à figura do nosso mestre-escola. Essa figura, vista como portadora de um trabalho unitário, não-parcelado e tido como autônomo, é alçada no texto à condição e exemplo do trabalho que se degrada ao longo do tempo com a modernização da sociedade.
Essa visão crítica parece muito sedutora e não foram poucos os autores brasileiros que a incorporaram, aderindo consciente ou inconscientemente à tese da proletarização do trabalho. Mas, considerando detidamente, não parece paradoxal recorrer a tal imagem laboral que remete ao artesanato para pensar à docência contemporânea? Partir de um passado idealizado, o mestre-escola e sua autonomia, para pensar o trabalho presente é um bom método? O que nos leva a uma questão maior: como pensar, nos marcos de nossa sociedade, as qualidades humanas requeridas, adquiridas e mobilizadas no trabalho?
Compreender a problemática destacada envolve sair da área da educação e buscar os fundamentos da questão em sua área de origem, a sociologia do trabalho. Esse é o propósito do artigo Trinta anos de um texto-fetiche: Mariano Fernández Enguita e o tema da proletarização do trabalho, publicado no periódico Educação & Sociedade (vol. 43). O texto recorre aos fundadores da sociologia do trabalho francesa, Georges Friedmann e Pierre Naville, retomando o debate entre esses dois importantes estudiosos do trabalho em torno do tema de sua qualificação.
O artigo evidencia os limites da tese da proletarização do trabalho e joga luz sobre seus pressupostos, investigando as matrizes que lhe dão sustentação, cujas fontes estão na imagem anacrônica da lida artesanal sobreposta ao trabalho industrial e, também, no romantismo econômico do século XIX. Tudo isso leva a perguntar os motivos pelos quais mesmo diante de tais impropriedades a tese da proletarização do trabalho encontrou importante acolhida no meio acadêmico brasileiro. Uma hipótese é que a perspectiva teórica de fundo que dominou o meio acadêmico no Brasil corresponde à perspectiva de qualificação do trabalho que pode ser encontrada em Georges Friedmann, figura que terá certo papel na constituição da sociologia do trabalho no Brasil e na qual o ideário do trabalho qualificado repousa sobre o modelo artesanal. Outra hipótese, complementar à primeira, é que a área da educação por sua natureza faz interface com diversas outras áreas e acaba por repercutir teorias e conceitos forjados em outras instâncias, cujos debates e questões de fundo os pesquisadores na área da educação por vezes desconhecem.
A seguir, assista ao vídeo de Wanderson Ferreira Alves ampliando a discussão sobre o tema da qualificação do trabalho e a profissão docente.
Para ler o artigo, acesse
ALVES, W.F. Trinta anos de um texto-fetiche: Mariano Fernández Enguita e o tema da proletarização do trabalho. Educ. Soc. [online]. 2022, vol. 43, e258419 [viewed 13 July 2022]. https://doi.org/10.1590/ES.258419. Available from: https://www.scielo.br/j/es/a/tbdzC3mYkGBp44LXXKJs5JF/?lang=pt
Links externos
Educação & Sociedade – ES: www.scielo.br/es
Como citar este post [ISO 690/2010]:
Últimos comentários