Leonor Lima Torres, Docente e investigadora, Universidade do Minho, Instituto de Educação, Departamento de Ciências Sociais da Educação, Braga, Portugal.
A complexidade crescente das sociedades atuais exige um olhar sistémico e multidimensional sobre os processos educacionais. A expansão da Nova Gestão Pública, associada à intensa digitalização da educação tem introduzido mudanças significativas nos mais diversos domínios da vida social, em particular na cultura das organizações escolares. Partindo de várias sinalizações teóricas, discute-se o processo de interiorização de um tempo, um espaço e uma ação acelerados, potencializado pela difusão em massa das novas tecnologias de informação e comunicação, com efeitos visíveis na fragmentação da cultura organizacional.
Algumas questões serviram de fio condutor a esta abordagem: até que ponto a informatização acentuou a racionalidade técnico-burocrática da gestão e do trabalho docente? Estará a cultura digital a induzir novas formas de competição, baseadas em lógicas comparativistas? Que reconfigurações ocorreram na cultura da instituição?
O artigo Novas temporalidades educacionais na construção da cultura da organização escolar, publicado no periódico Educação & Sociedade (vol. 44), apresenta um modelo de análise multidimensional focado em três pilares constitutivos da cultura – tempo, espaço e ação – que têm sido fortemente condicionados pela digitalização, pelos imperativos da performatividade e por novas formas de poder induzidas pelo gerencialismo. De modo a ilustrar e clarificar a argumentação teórica mobiliza-se, sempre que possível, resultados de diversas pesquisas realizadas no contexto escolar de Portugal.
Figura 1. A escola à prova do tempo.
A difusão dos princípios associados ao gerencialismo tem vindo a deslocar as prioridades das organizações escolares para a produção de resultados. Esta tendência, comum a vários países da Europa, provocou alterações significativas nas várias escalas do sistema educativo. No plano macropolítico, o destaque é dado para a racionalização da rede escolar, com a constituição de agrupamentos de escolas (school clusters) (LIMA; TORRES, 2020); para o alargamento dos programas de avaliação externa e interna; para a implementação de modelos de gestão unipessoal; para a intensificação de mecanismos de controle e de accountability focados nos resultados; para a delegação de competências nas instâncias locais, entre outras políticas.
Enquadradas por estas pressões performativas, no plano meso (organização escolar), as escolas aderem à ideologia meritocrática, impulsionadas por certos instrumentos de regulação transnacional (p. ex., PISA) (CARVALHO, 2016), por uma governação centrada nas lideranças unipessoais e reforçada pelas tecnologias digitais que as constrangem e lhes delimitam a ação. A sala de aula (plano micro) constitui o espaço-tempo de conversão de um complexo jogo de forças que espelha o modo como as novas tecnologias influenciam o curso da ação pedagógica. Estas duas frentes de pendor racionalizador (gerencialismo e dominação tecnológica) têm induzido variações na cultura das organizações, ao desestabilizarem as suas condições de produção (ação, espaço e tempo) e as suas formas de manifestação (integração, diferenciação e fragmentação).
A existência de condições propícias à manifestação de formas fragmentadoras de cultura interpela a missão democratizadora da escola pública, no sentido de que o enfraquecimento dos vínculos à instituição, a diluição das identidades e o reforço do individualismo geram padrões de comportamento alienados da participação nas escolas. Convertidos em espectadores de itinerários propostos pelas plataformas, os atores são silenciosamente dirigidos pelo tempo dromocrático, ainda que a retórica do tempo democrático persista como referente simbólico, que teima em embaciar a leitura do real. Mas esta visão nebulosa tenderá a tornar-se mais nítida nos próximos anos, à medida que se acentuarem os efeitos perversos das lógicas individualistas e performativas e se descobrir que, afinal, o tempo democrático é a essência da educação humanista.
A seguir, assista ao vídeo de Leonor Lima Torres ampliando a discussão sobre a cultura das organizações escolares na atualidade.
Referências
CARVALHO, L.M. Intensificação e sofisticação dos processos da regulação transnacional em educação: o caso do programa internacional de avaliação de estudantes. Educ. Soc. [online] 2016. vol. 37, no. 136, pp. 669-683. [viewed 28 April 2023]. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302016166669. Available from: https://www.scielo.br/j/es/a/ms5Rh69wtSB5k6m3pxP9hxp/
LIMA, L.C.; TORRES, L.L. Políticas, dinâmicas e perfis dos agrupamentos de escolas em Portugal. Análise Social [online] 2020. vol. 55, no. 237, pp. 748-774 [viewed 28 April 2023]. https://doi.org/10.31447/as00032573.2020237.03. Available from: https://revistas.rcaap.pt/analisesocial/article/view/23452
Para ler o artigo, acesse
TORRES, L.L. Novas temporalidades educacionais na construção da cultura da organização escolar. Educ. Soc. [online]. 2023, vol. 44, e260427 [viewed 28 April 2023]. https://doi.org/10.1590/ES.260427. Available from: https://www.scielo.br/j/es/a/5wm6Jx7smmbMhzkPPWHh79r/
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